Paula Costa e Silva - A execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras


A EXECUÇÃO EM PORTUGAL
DE DECISÕES ARBITRAIS NACIONAIS
E ESTRANGEIRAS(1)

Pela Prof. Doutora Paula Costa e Silva

SUMÁRIO:
1. Colocação do problema: cumprimento voluntário e execução. 2. Execução: direito de acção versus confidencialidade. 3. A decisão arbitral: título executivo. 4. A exequibilidade do título. 4.1. Requisitos de exequibilidade das decisões arbitrais nacionais. 4.2. A decisão arbitral nacional e a pendência de acção de anulação. 4.3. A decisão arbitral estrangeira e o reconhecimento. 5. Os requisitos da obrigação exequenda: o problema da liquidação da decisão arbitral. 6. O tribunal competente para a execução. 7. A estrutura da execução fundada em decisão arbitral. 8. Os fundamentos da oposição à execução fundada em decisão arbitral e o concurso de pretensões processuais. 8.1. Os fundamentos de oposição às sentenças e o concurso de meios processuais. 8.2. O art. 815 e as decisões arbitrais estrangeiras. 8.3. Reponderação do sistema traçado. 9. Balanço final.

1. Colocação do problema: cumprimento voluntário e execução

1. A matéria que nos ocupará no presente estudo é a da execução de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras no Estado português.

O primeiro ponto de que temos de partir e que tem relevância tanto em tutela cautelar como em tutela executiva principal, é o de que os tribunais arbitrais não têm entre nós, como sucede nos diversos ordenamentos internos que pudemos compulsar, competência executiva. Esta conclusão decorre directamente do art. 30 da Lei n.° 31/86.

Poderia perguntar-se se a questão não é susceptível de resolução, em benefício de um reconhecimento de competência cautelar injuntiva/executiva aos tribunais arbitrais à luz do direito constituído na medida em que estes tribunais recebem consagração constitucional expressa. Na verdade, dispõe o art. 209/2 da CRP, depois de ter enumerado no seu n.° 1 as diversas categorias de tribunais ao lado do Tribunal Constitucional, que podem existir tribunais arbitrais. No entanto, semelhante linha teria de fazer derivar os poderes de autoridade inerentes à prática de actos de execução e às injunções do reconhecimento dos tribunais arbitrais enquanto órgãos com jurisdictio. Supomos, porém, que são categorias distintas. A jurisdictio, seguramente cometida também aos tribunais arbitrais por reconhecimento expresso do art. 209/1 da CRP(2), não envolve, necessariamente, a concessão de poderes de autoridade ao órgão que a exerce. Se é inerente à ideia de Estado de Direito Democrático a proibição da auto-tutela, incumbe ao Estado a criação de estruturas que declarem o direito e que façam cumprir o direito declarado. Mas os poderes que são implicados numa e em outra das actuações, que concorrem para a efectiva satisfação de situações jurídicas violadas, são de diferente natureza. A realização de actos de execução implica a intromissão em direitos fundamentais do executado através da prática de actos de autoridade pelo que, na expressão de ROSENBERG/GAUL/SCHILKEN(3) constitui a forma mais intensa de realização da Justiça. Detendo o Estado o monopólio do uso da força de modo legítimo, qualquer actividade que implique o seu uso só pode ser exercida ou pelo Estado ou por alguém, mesmo que sujeito privado, por sua delegação. Esta delegação não existe no caso dos tribunais arbitrais pelo que não pode admitir-se que pratiquem actos de coerção(4), seja em tutela cautelar, seja em tutela definitiva.

2. Sendo o tema deste estudo a execução de decisões arbitrais, começaremos por uma observação óbvia: este tema apenas tem relevância se e quando a parte condenada resiste ao comando emitido pelo tribunal arbitral, não o cumprindo espontaneamente. E, apesar da relativa falibilidade de todos os dados empíricos de que possa partir-se, é relativamente comum a observação de um de dois tipos de desfechos na sequência do proferimento de uma decisão arbitral: ou a parte condenada se submete à decisão, cumprindo-a voluntariamente, ou as partes chegam a uma solução transaccionada que terá a vantagem de manter a reserva do litígio e do seu desfecho. Com efeito, a execução determinará um contacto necessário da decisão com o sistema de justiça estadual. Este contacto, para além de comportar atrasos na satisfação efectiva do interesse do credor, sujeitará as partes a uma publicidade, que regra geral visam evitar.
Este último factor nos permite introduzir no debate o aspecto subsequente.

2. Execução: direito de acção versus confidencialidade

3. Um dos problemas que se vêm suscitando em sede de execução de decisões arbitrais entronca e conflitua com uma das vantagens imputadas a esta via de exercício da função jurisdicional: a confidencialidade e a reserva do processo e da própria decisão.

É comum afirmar-se que uma das maiores vantagens do exercício da função jurisdicional por árbitros por contraposição ao exercício da mesma função por tribunais estaduais reside na possibilidade de toda a situação de conflito escapar ao domínio público(5). A circunstância de um conflito não ser tornado ostensivo permite:

a) Resguardar a imagem das partes, inviabilizando um aproveitamento mediático da situação de tensão, nomeadamente quando nela estão implicados interesses sensíveis ou agentes económicos relevantes;
b) Manter reserva sobre aspectos da vida interna das partes.

4. Sendo acordadas a confidencialidade e a reserva de uma concreta arbitragem e da decisão nele proferida ou decorrendo o procedimento sob a égide de um centro institucionalizado de arbitragem, cujo regulamento preveja essa confidencialidade, cumpre perguntar como convivem semelhantes cláusulas com a execução(6) uma vez que este procedimento implica, perante a ausência de poder executivo do tribunal arbitral, o contacto da sentença com estranhos à arbitragem.

5. O primeiro nível em que esta matéria deve ser analisada é o da conformidade constitucional da falta de publicidade do processo arbitral. Pode um qualquer processo ou, dito de outro modo, pode um qualquer meio através do qual se exerce a função jurisdicional, estar sujeito a reserva?

Num ordenamento que afirma expressamente os princípios da publicidade do processo (art. 167 do CPC) e das audiências (art. 206 da CRP), a questão não pode ser ignorada.

Responder-lhe pressupõe a consideração de diversos pontos do sistema já que a Lei n.° 31/86 não nos dá resposta ou pista alguma. Consequentemente, haverá que questionar, nomeadamente em face do art. 20/4 da CRP, se o processo equitativo pressupõe publicidade, se esta disposição, caso imponha a publicidade, se aplica ao procedimento arbitral, que bens jurídicos são tutelados com a publicidade e se esses bens jurídicos estão presentes na arbitragem voluntária. As conclusões a que então chegámos podem resumir-se nos seguintes enunciados: se o art. 20/4 da CRP se deve entender aplicável ao processo arbitral, uma vez que deve entender-se aplicável a todo o modo de resolução heterónoma de litígios, a publicidade não integra o seu núcleo. Com efeito, se a publicidade serve fins de transparência quanto à administração da justiça pelo Estado, que para si reservou esta função, concorrendo para a credibilidade dos sistemas judiciais e para a ideia da Estado de Direito, dificilmente se pode encontrar a necessidade de tutela destes fins quando a função jurisdicional não é exercida através de um sistema formal/institucional, mas por recurso a um órgão de composição transaccional.

6. Se o procedimento arbitral pode, sem violação de comandos constitucionais, ser submetido a cláusulas de reserva e de confidencialidade, sendo certo que a execução implicará um contacto da decisão ou mesmo do procedimento com os sistemas formais de justiça, pergunta-se o que deve sobrepor-se, se o direito ao cumprimento coercivo, se a confidencialidade.

Diremos que a solução do problema passa pela valoração e a hierarquização de dois bens jurídicos merecedores de tutela: o acto de autonomia, através do qual as partes aceitam a reserva e a confidencialidade, e o direito de acção. Saber, em concreto, qual destes bens jurídicos deve prevalecer, dependerá, em última instância, de uma interpretação da vontade das partes, manifestada na convenção de arbitragem. Se a cláusula de confidencialidade revelar, em conjugação com outros índices, que o interesse tutelado pelo comando não pode ser coercivamente satisfeito, a arbitragem terá deixado de ser um modo de resolução jurisdicional de um litígio para entrar no âmbito dos esquemas informais de declaração do dever ser por um órgão instituído pelas partes. A autonomia privada admite este tipo(7). Por outro lado e se não pode haver uma renúncia antecipada ao direito de acção, é possível aceitar que, perante a eclosão do conflito, as partes aceitem a convolação de uma obrigação jurídica numa obrigação natural(8). Em última instância e se não for possível inferir semelhante conversão da obrigação do acordo, se a concreta declaração proferida por aquele órgão não puder ser coercivamente imposta, reabrir-se-á a via judicial. Ressurgirá toda a discussão perante os sistemas de justiça estadual, a esta não podendo opor-se a convenção de arbitragem.

3. A decisão arbitral: título executivo

7. A decisão proferida por árbitros será título executivo?
A questão que ora nos ocupa não se confunde com a da exequibilidade da decisão. Não pretendemos, neste ponto, defrontar qualquer problema relativo à necessidade de a decisão arbitral, uma vez proferida, ser submetida a um processo mais ou menos amplo de reconhecimento. Ou seja, não nos ocuparão agora os efeitos públicos de um procedimento, que é privado(9). O que queremos saber é se a decisão é, em si, susceptível de ser reconduzida à categoria dos títulos executivos.

Por que colocamos sequer esta dúvida quando é certo que, por quanto conseguimos identificar, entre nós a decisão arbitral é referida pela doutrina quando esta se pronuncia sobre o título executivo sentença condenatória e quando a decisão arbitral é equiparada, por lei, à sentença(10)?

De acordo com ZIMMERMANN(11), quando a lei equipara a decisão arbitral à decisão judicial há que ter em atenção que a decisão arbitral não produz necessariamente os mesmos efeitos que são produzidos por uma decisão judicial nem os produz exactamente nos mesmos termos em que eles são produzidos pela decisão judicial. Como é evidente, esta aproximação não pode ser interpretada, nem no sentido de se tomar uma posição de princípio de desfavor relativamente à arbitragem voluntária, nem no de se abrir, com semelhante interrogação, a possibilidade a uma discussão quanto à força executiva da decisão arbitral. Não é isso que aqui se pondera. O que se pondera é se a decisão arbitral é um título recondutível à categoria da sentença condenatória, sendo que o princípio da equiparação, como a decisão do BGH já referida em nota demonstra, não resolve o problema. Na verdade, este supremo tribunal aceitou para a decisão arbitral, que também o sistema alemão equipara nos seus efeitos a uma decisão judicial, uma faculdade de postergação por iniciativa de uma das partes que não cremos jamais aceitasse se de uma decisão judicial se tratasse. Equiparar nos efeitos não é identificar na substância.

Atente-se nos seguintes dados, todos eles extraídos do direito positivo.
Segundo a alínea a) do art. 46/1 do CPC, à execução podem servir de base as sentenças condenatórias.
Atendendo à integração sistemática da matéria relativa à sentença, esta é um acto do magistrado.
A sentença é, segundo o art. 156/1 do CPC, um dos actos através dos quais o juiz administra justiça.
De acordo com o art. 156/2 do CPC, a sentença é “o acto pelo qual o juiz decide a causa principal (…).”

Dos três últimos aspectos resulta que o acto sentença pressupõe o concurso de três tipos de elementos: ela é um acto do magistrado, ela é um acto de decisão e ela é um acto de decisão da causa. Consequentemente, o acto sentença define-se através de um triplo critério: um primeiro, orgânico, um segundo, funcional/intencional, e um terceiro, objectivo. Organicamente, a sentença é, ao lado do despacho, um dos actos típicos do magistrado, funcional/intencionalmente, a sentença é um acto de decisão, objectivamente, a sentença é um acto de decisão de uma causa.

É evidente que a maioria das expressões que aqui se tomam por referentes são ambíguas. O significado dos termos decidir, causa e mesmo juiz não é inequívoco. No entanto, e atendendo aos objectivos da presente intervenção, seria não só impossível, como desadequado ensaiar aqui um aprofundamento. Limitar-nos-emos a dizer que tomaremos a expressão decidir no sentido de resolver um conflito de interesses, sabendo que, com esta demarcação, deixaremos por explicar as sentenças proferidas em situação de revelia, bem como as sentenças homologatórias. Por outro lado, diremos que se decide a causa quando se toma uma decisão de mérito sobre o objecto do processo, sabendo que com isto transferimos as dificuldades para este novo termo.

8. Qual a ligação entre estas observações e a matéria da execução da decisão arbitral?

Já o enunciado aponta essa ligação, suscitando nova interrogação. A decisão arbitral é uma sentença?
Por que levantamos esta questão?
Porque, segundo o art. 46/1 do CPC, só as realidades aí contempladas podem servir de base à execução. Os títulos executivos estão sujeitos ao princípio do numerus clausus.

Repete-se: a decisão arbitral é uma sentença?
Se atendermos à finalidade que este acto desempenha no contexto de um processo arbitral, diremos que a decisão se equipara à sentença nos seus elementos funcional/intencional e objectivo(12). A decisão, tal como a sentença, é o acto através do qual, administrando-se justiça, se decide a causa.

Mas a decisão arbitral não é um acto de um magistrado. Talvez por esta razão o Código de Processo Civil e a Lei n.° 31/86 não se lhe refiram como sentença, usando preferencialmente o termo decisão. Curiosamente, no art. 49/1 do CPC, que regula a exequibilidade das sentenças e dos títulos exarados em país estrangeiro, surge a expressão sentença. No entanto, pode supor-se que assim tenha ocorrido na medida em que, nesta disposição, a lei se refere à sentença proferida por tribunais no estrangeiro.

Curiosamente, em sede de execução o esquema é invertido. Com efeito, diz-nos o art. 812-A/1a) do CPC que não tem lugar o despacho liminar nas execuções baseadas em decisão judicial ou arbitral. Aqui o termo sentença apaga-se, sendo o título judicial referido como uma decisão. E, por outro lado, prevê o art. 815, depois de na sua epígrafe, se referir aos fundamentos de oposição à execução fundada em decisão arbitral, os fundamentos de oposição à sentença arbitral.

A flutuação terminológica é intensa, não sendo irrelevante a utilização de um ou outro termo.

9. Retoma-se a pergunta inicial: a decisão arbitral é título executivo por se reconduzir à categoria da sentença condenatória?

Poderia pensar-se que a resposta a esta questão é irrelevante e que se remete ao mero patamar das qualificações académicas, sem qualquer interesse para quem pretende resolver questões práticas. As coordenadas da reforma da acção executiva, levada a efeito em 2003, desmente idêntico entendimento. Com efeito, e conforme adiante melhor se verá, a natureza do título repercute-se na estrutura da execução. A execução, se não implica necessariamente o exercício da função jurisdicional (é possível, perante o actual modelo de acção executiva vigente entre nós, que não haja qualquer contacto de um procedimento com o juiz da execução), põe em confronto direitos fundamentais das partes. Ao invés do que possa pensar-se, nenhuma estrutura processual é agnóstica, reflectindo todas e cada uma delas uma opção do legislador quanto à articulação dos diversos interesses em presença. A análise de um procedimento permitirá sempre uma conclusão acerca das opções feitas pelo legislador quanto aos interesses que, em cada estrutura ou fase dela, entendeu serem prevalecentes. Deste modo, porque a natureza do título vai repercutir-se na tramitação, não é indiferente sabermos em que categoria deve ser integrada a decisão arbitral. Veja-se que este aspecto não é meramente formal: ele vai condicionar, em larga medida, o modo de articulação das posições dos putativos credor e devedor, quer no que tange à sequência dos actos de citação e de penhora, quer nos efeitos imputados, por lei, à oposição.

Ora, é exactamente a tomada de consciência destes vectores que fundamenta a necessidade de se determinar a que categoria se reconduz uma qualquer realidade, que não haja sido nominalmente considerada pelo legislador. Como é evidente nenhum problema se levantaria se, ao invés de considerar, no art. 46/1a), como títulos executivos as sentenças condenatórias, o legislador houvesse afirmado serem títulos executivos as decisões condenatórias. Ou se, ao referir-se ao acto de decisão da causa de um procedimento arbitral, o houvesse qualificado não como uma decisão, mas sim como uma sentença.

10. E será, então, a decisão arbitral uma sentença condenatória?
Como dissemos, a decisão arbitral só organicamente se afasta da sentença. Se esta é um acto de um magistrado, aquela é um acto de um árbitro, que não é um magistrado.

Que critério deve prevalecer na determinação do sentido da expressão sentença condenatória, utilizada pelo legislador no art. 46/1a) do CPC? Por que releva a sentença enquanto título executivo?

Veja-se como aqui não se duvida da resposta primeira que qualquer um dará: a sentença é título, a sentença é, aliás, o título por excelência, porquanto é um acto de um magistrado. E é por ser um acto de um magistrado, praticado num procedimento declarativo informado por garantias processuais fundamentais (v.g. igualdade, contraditório), que se permite o reforço do favor creditoris na fase ulterior da execução. Avulta, assim, a relevância directa do critério orgânico, aquele que falha quando olhamos a decisão arbitral.

11. Deve dar-se o problema por resolvido no sentido da não integração das decisões arbitrais na categoria das sentenças?

Cremos que ainda não. Com efeito, o que haverá que perguntar é se, substancialmente, as garantias que informam o procedimento e o acto de decisão praticado por um magistrado estão ou não necessariamente presentes no procedimento arbitral e na decisão arbitral.

Compreender-se-á que será, uma vez mais, impossível operar a demonstração exaustiva das conclusões que se apresentarão. No entanto, sempre diremos que o confronto dos arts. 10 e 16 da Lei n.° 31/86 nos permite afirmar que as garantias fundamentais que norteiam o procedimento arbitral e que conformam o estatuto do decisor são equivalentes àquelas que informam a decisão judicial(13). Ora são razões desta ordem que determinam a qualificação da sentença como título executivo. O aspecto orgânico releva na medida em que nele estão implicadas garantias que encontram paralelo na decisão arbitral. E este é o argumento substancial e decisivo que permite entender que a decisão arbitral, se bem que não seja uma sentença em sentido estrito, deve ser reconduzida a esta categoria.

É evidente que avançar uma qualquer proposta de alteração do texto da lei processual civil, especialmente para sugerir a clarificação de um aspecto, até agora, isento de dúvidas, é atitude temerária. No entanto, ainda assim diremos que bastaria acrescentar a expressão decisão arbitral ao art. 46/1a) e tudo ficaria ultrapassado.

12. Por fim, diga-se que não nos parece poder considerar-se espúrio saber como deve ser qualificada a decisão arbitral uma vez que, perante o que se dispõe no art. 26/2 da Lei n.° 31/86, esta realidade poderia subsumir-se à categoria de títulos executivos contemplados na al. d) do art. 46/1 do CPC.

Para além das já referidas diferenças quanto ao procedimento e aos efeitos da oposição que podem, em concreto, ocorrer, semelhante qualificação surge como totalmente desadequada.

A recondução de uma decisão arbitral à categoria dos documentos somente se pode realizar se se apagarem os traços distintivos de um e de outro tipo de realidades. É certo que a decisão arbitral, como qualquer decisão judicial deve ser representada num documento. No entanto, a decisão arbitral não se confunde com o próprio documento; ela é um acto performativo de decisão. A decisão é um facto jurídico, o documento é uma coisa. A decisão arbitral é um acto de exercício de jurisdição, o documento é um meio de prova. A decisão arbitral é uma sentença, proferida por árbitros num procedimento submetido ao princípio do due process of law.

13. A qualificação operada permite alicerçar a execução da decisão arbitral exactamente nos mesmos princípios em que se alicerça a execução fundada em decisão judicial. E esta possibilidade é aberta porque é possível, segundo cremos e conforme se vem afirmando, sustentar que o princípio da equiparação da decisão arbitral à decisão judicial tem fundamento substancial.

Em estreita ligação com a equiparação substancial a que se chega, há um aspecto que não pode deixar de ser salientado no que tange à execução de decisões arbitrais estrangeiras. Uma das formas de manipular o recurso à jurisdição consiste em criar regimes mais gravosos para a execução do mesmo tipo de títulos consoante o lugar da sua criação. Uma das formas de tornar o Estado da execução mais atractivo do que uma jurisdição estrangeira decorre da submissão da execução de decisões, judiciais ou arbitrais, estrangeiras a regimes menos favoráveis para o credor do que os esquemas que lhe são abertos quando o título é nacional. Impedindo que os diversos legisladores internos explorem esta possibilidade, a Convenção de Nova Iorque vem dispor, no seu art. III.2, que a execução de decisões arbitrais estrangeiras, cujo objecto determine a aplicação desta Convenção, seja submetida a regimes processuais mais severos do que a execução de decisões arbitrais nacionais.

4. A exequibilidade do título

14. Adquirido que a decisão arbitral constitui título executivo, há que perguntar de que requisitos depende a respectiva exequibilidade.

Sob este ponto discute-se, classicamente, o problema da necessidade ou desnecessidade de a decisão arbitral ser submetida a um procedimento, mais ou menos amplo, destinado a conferir-lhe exequibilidade. As respostas a esta interrogação são extremamente variáveis, acabando por reflectir o modo como cada sistema jurídico situa o exercício do poder jurisdicional por árbitros no confronto com o exercício do mesmo poder pelos tribunais estaduais.

Essencialmente, dois modelos podem ser identificados(14): de um lado podem encontrar-se sistemas que submetem qualquer decisão arbitral, quer seja proferida no Estado da execução, quer o seja num Estado diferente do Estado da execução, a um procedimento de concessão de exequatur. Nestes sistemas, a decisão arbitral, não sendo equiparada a uma decisão judicial, apenas pode produzir os efeitos que esta produz depois de escrutinada pela justiça estadual. A decisão arbitral proferida por árbitros no Estado da execução é tendencialmente equiparada a uma decisão arbitral proferida por árbitros em Estado diverso do Estado da execução.

Inversamente é possível encontrar sistemas que equiparam as decisões arbitrais proferidas por tribunais arbitrais no Estado da execução às decisões proferidas pela justiça estadual desse Estado, sendo as decisões arbitrais proferidas por árbitros em Estado diverso do Estado da execução submetidas aos procedimentos a que são submetidas as decisões proferidas por tribunais judiciais estrangeiros.

Compete-nos analisar a execução, em Portugal, das decisões arbitrais nacionais e estrangeiras pelo que é da perspectiva deste sistema jurídico que deve ser respondida a questão relativa à exequibilidade destes títulos.

15. O sistema jurídico português segue o segundo modelo referido. De acordo com o art. 48/2 do CPC, as decisões arbitrais são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns. O confronto com o regime do art. 49/1 permite delimitar, com maior rigor, o campo de aplicação do art. 48/2: este refere-se à exequibilidade de decisões arbitrais proferidas em Portugal. Por seu turno, as decisões arbitrais proferidas por árbitros no estrangeiro(15) são equiparadas às decisões proferidas por tribunais estrangeiros, devendo umas e outras ser submetidas a revisão e confirmação a fim de poderem titular a execução.

16. Duas notas, somente, antes de analisarmos, então, os requisitos de exequibilidade de cada um dos tipos de decisões arbitrais.

O sistema português, ao equiparar a decisão arbitral à decisão judicial, toma uma opção claramente favorável a este modo de resolução de conflitos, concorrendo para uma dignificação do estatuto da arbitragem e dos árbitros: o legislador não manifesta qualquer reserva ou desconfiança quanto à administração da justiça por tribunais arbitrais. E esta opção, que representou uma enorme evolução do nosso sistema, apresenta-se como perfeitamente justificada, permitindo-nos compreender porque se não submeteram as decisões proferidas por árbitros, no estrangeiro, a este mesmo princípio: o legislador português entendeu poder equiparar as decisões arbitrais proferidas no seu território às decisões proferidas pelos tribunais judiciais porque submeteu o procedimento arbitral, seja qual for respectiva estrutura, às garantias fundamentais a que submeteu os procedimentos judiciais.

17. Segundo a lei, as decisões arbitrais, nacionais ou estrangeiras, são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões judiciais, nacionais ou estrangeiras.

Não obstante a sua aparente adequação, a solução camufla problemas evidentes, cuja raiz é fácil de localizar: a especificidade dos meios de impugnação da decisão arbitral. Conforme vimos já em outros lugares, a lei criou um esquema próprio de destruição de decisões proferidas por árbitros. Nada disto seria ainda fonte de insegurança: coisa alguma impõe que uma decisão arbitral e uma decisão judicial, mesmo que constituindo ambas actos deliberativos, devam submeter-se a esquemas idênticos de impugnação. No entanto, e aqui começam as dificuldades, a lei parece ter-se esquecido, ao regular as vias de impugnação da decisão arbitral, que não só criava meios que o direito aplicável à impugnação de decisões judiciais desconhece, como criava situações de concurso entre impugnações que também são desconhecidas do esquema de impugnação das decisões judiciais. Talvez que a inspiração do legislador, aquando da publicação da Lei n.° 31/86, o tenha aproximado dos modelos que, por tenderem à universalidade, prevêem com a necessária mas excessiva generalidade, formas próprias, cujas operacionalidade e funcionalidade hão-de resultar do confronto com as formas dos sistemas internos. Ao apartar-se do seu sistema de impugnação, não regulando aspectos cruciais do regime dos meios específicos de impugnação de decisões arbitrais, o legislador abriu a porta a uma série de interrogações no plano do regime. Interrogações que podem, sem qualquer justificação, fragilizar este meio de administração da justiça pelo que devem ser esclarecidas pelo legislador.

18. Estas observações marcam a sequência da investigação. Se a decisão arbitral se pode pensar sujeita aos requisitos de exequibilidade das decisões judiciais na medida em que aquela esteja submetida aos meios de impugnação a que esta pode estar submetida, terá já o aplicador de proceder à indagação autónoma e sem apoio algum na lei dos efeitos decorrentes da pendência dos meios específicos de impugnação da decisão arbitral sobre a respectiva exequibilidade.

Por esta razão não se estranhará que a análise dos efeitos da pendência de recurso sobre a exequibilidade sejam tratados com a brevidade que a falta de autonomia desta questão apresenta: neste ponto, o regime é insensível à natureza judicial ou arbitral do comando. Já assim não é quando a decisão arbitral é impugnada por meio de acção de anulação: a lei não trata dos efeitos deste meio quando regula sentença porque a sentença não é susceptível de ser impugnada através desta via. Terá a sua pendência efeitos sobre a exequibilidade da decisão?

19. Se as questões que acabámos de enunciar se prendem com os efeitos da impugnação sobre a decisão arbitral, cumprirá perguntar, especificamente a propósito das decisões arbitrais estrangeiras que efeito têm os instrumentos internacionais que vinculam o Estado português quando estes prevêem causas que podem funcionar, alternativamente, enquanto fundamentos de impugnação e enquanto fundamentos de oposição à execução. A dúvida que estes diplomas suscitam liga-se à determinação da natureza dos procedimentos de revisão e confirmação: serão estes procedimentos exaurientes no que respeita à discussão da regularidade da decisão arbitral? O que quer o legislador dizer quando dispõe que as causas por ele expressamente acolhidas permitem recusar a revisão e a execução?

4.1. Requisitos de exequibilidade das decisões arbitrais nacionais

20. Os requisitos de exequibilidade da sentença estão previstos no art. 47, fundamentalmente no seu n.° 1.

E aqui toma a lei posição quanto àquele que é o requisito de exequibilidade específico deste tipo de título: o trânsito em julgado da decisão.

Como já escrevemos em outro lugar, a decisão do legislador nesta matéria depende da consideração de dois interesses contrapostos. Enquanto o credor da obrigação reconhecida pela decisão condenatória pretende o recurso imediato à execução, já que só esta lhe permite, perante o incumprimento voluntário pelo devedor condenado a satisfação efectiva do seu interesse, o devedor pretenderá protelar a agressão do seu património até à integral estabilização do título. Qualquer uma das opções comporta riscos. Se o património do devedor for atingido antes de a decisão atingir o patamar da imutabilidade, tal agressão será ulteriormente qualificada como infundada. Se o credor tiver de aguardar pelo trânsito em julgado, para além de correr o risco da perda da garantia patrimonial, que apenas pode anular através de tutela cautelar, ou seja, através de procedimentos instrumentais, verá prolongar-se no tempo a situação de incumprimento.

O legislador português optou por enunciar como regra aquela que parece ser a melhor tutela do devedor: a sentença só constitui título executivo depois do seu trânsito em julgado. Porém, abre-se, de imediato, uma excepção. A sentença não transitada pode ser executada se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.

Atendendo a que as sentenças que são títulos executivos são as sentenças condenatórias, diremos, de modo algo simplificado e enquanto se não alterar o actual esquema de impugnação, que os recursos que delas podem ser interpostos serão a apelação e a revista. No entanto, não pode descartar-se a possibilidade de a decisão proferida pela primeira instância ser uma decisão meramente formal, da qual cabe agravo, sendo este recurso julgado procedente e decidindo o tribunal ad quem o objecto do recurso. Nesta configuração, a um agravo suceder-se-á uma revista.

21. Após a reforma de 2003, a regra geral quanto ao efeito da apelação é a de este recurso ter efeito meramente devolutivo (cfr. art. 692/1 do CPC)(16): é, assim, admitida a execução provisória da generalidade das decisões condenatórias.

Se o recurso da decisão arbitral for admissível (quer por a decisão preencher os critérios gerais de recorribilidade, quer por as partes não haverem renunciado aos recursos ou não se terem conformado com a decisão, conclusão que resultará de um juízo normalmente assente em factos concludentes) e se este for interposto, a decisão, não obstante a sua fragilidade, é susceptível de execução imediata como qualquer decisão judicial.

Tal como sucede quando o título sujeito a impugnação é uma sentença, são também conferidos ao recorrente de decisão arbitral as faculdades que lhe permitirão desencadear a inversão do efeito do recurso. Porque esta matéria não tem qualquer especificidade resultante da natureza do acto de decisão, remetemos para quanto se tem escrito acerca do funcionamento dos arts. 692 e 693 do CPC.

4.2. A decisão arbitral nacional e a pendência de acção de anulação

22. Bem mais complexa é a questão da interferência da pendência de acção de anulação sobre a exequibilidade da decisão arbitral.

Não aprofundaremos, aqui, os fundamentos de anulação. Já o fizemos em outros lugares. Diremos, apenas, que os vícios que podem determinar a anulação da decisão são de tal modo graves que a lei não admite, sequer, a renúncia à faculdade de requerer a anulação.

O problema que nos vai ocupar, porque é um verdadeiro problema de exequibilidade, é o dos efeitos da pendência da acção de anulação sobre a susceptibilidade de execução imediata do título.

Pode uma decisão arbitral ser executada durante a pendência de acção de anulação?

Se confrontarmos alguns sistemas jurídicos estrangeiros, verificaremos que o legislador que, regra geral, toma posição quanto ao problema que nos ocupa, tende a suspender a execução durante a pendência da acção de anulação, podendo variar o termo dessa suspensão (trânsito em julgado da decisão ou pendência de recurso da decisão proferida na acção de anulação com efeito que pode já ser meramente devolutivo, mas também suspensivo). Mas quando a decisão arbitral deva ser aceite pela ordem estadual através de um procedimento de exequatur, na pendência do qual pode ser suscitada a verificação de fundamentos de anulação, permite-se que este procedimento seja desencadeado apesar da pendência do pedido de anulação(17).

E entre nós, qual a solução?
Assentemos num primeiro ponto. Para que esta interrogação tenha relevância é fundamental que a decisão não seja susceptível de recurso e que este não seja efectivamente interposto porque, se o for, o meio específico é consumido pelo meio genérico de impugnação: apesar da entorse, as causas de anulação serão deduzidas no recurso, meio destinado à impugnação com fundamento em ilegalidade. A celeridade e a concentração assim terão determinado e nada disto se estranhará se se pensar no actual esquema de dedução de nulidades da sentença.

23. Este aspecto, eventualmente considerado irrelevante porque aparentemente meramente construtivo, não o é. E isto por uma razão. Quando a lei manda deduzir os fundamentos de anulação através de recurso, abstendo-se de regular especificamente os efeitos desse recurso quando nele são deduzidos aqueles fundamentos, dá-nos uma clara indicação no sentido de a relevância das causas de anulação se não repercutir directamente nos efeitos da impugnação. Também aqui e na medida em que haja causas de anulação da decisão arbitral coincidentes com causas de nulidade da sentença, não estranharemos o resultado: se o tribunal judicial condenar em quantidade superior ou em objecto diverso daquele que foi pedido, a decisão é nula. Se a parte recorrer da decisão (ou, para quem entenda que basta a mera admissibilidade de recurso, se a decisão o admitir), arguindo a respectiva nulidade, poderá ver-se confrontada com a sua execução provisória. O dado que acabámos de avançar permite-nos dizer que a invocação de causas de anulação não justifica, por si só, a inexequibilidade dessa decisão.

O outro dado que concorre no sentido da exequibilidade da decisão arbitral na pendência da acção de anulação decorre do princípio da equivalência que encontrámos no art. 48/2 do CPC: o que vale, em matéria de exequibilidade, para a decisão judicial vale para a decisão arbitral. Porque a lei não faz depender a exequibilidade da sentença da não pendência de acção de anulação, se esta for instaurada não interferirá sobre a exequibilidade do título.

Mas só nestes termos este é fraco argumento pelas razões já antes enunciadas: não existe qualquer acção de anulação de decisões judiciais pelo que não poderia a lei ter regulado os respectivos efeitos sobre a exequibilidade do título.

No entanto, e atendendo aos comandos contidos no art. 9 do CC, não pode o intérprete pretender que o legislador, ao regular a matéria da exequibilidade das decisões arbitrais, remetendo para o regime de exequibilidade das decisões judiciais, se esqueceu dos meios específicos de impugnação daquelas. E perante o que há pouco vimos quanto à irrelevância da dedução de fundamentos de anulação (ou de nulidade, no caso das decisões judiciais) sobre o efeito do recurso, nem sequer podemos afirmar que, se houvesse legislado, teria a lei consagrado a suspensão automática dos efeitos da decisão arbitral na pendência de acção de anulação, queira com isto significar-se até ao trânsito em julgado da decisão desta acção ou enquanto penda recurso com efeito suspensivo.

24. A solução para a qual os dados do nosso sistema jurídico parecem, assim, apontar, vai no sentido de a pendência de acção de anulação não prejudicar a exequibilidade da decisão arbitral arguida de inválida. Será uma boa solução?

A pergunta não pode ser respondida tomando por referência somente a hipótese da impugnação da decisão arbitral por meio de recurso. Ela estende-se a toda a execução provisória. A execução provisória é boa ou é má? Do ponto de vista do executado, já o dissemos, é má. Ele pretenderá que o seu património só seja agredido perante a existência de um acto de heteronomia imutável. Mas ao interesse do executado vai contrapor-se o interesse do exequente à satisfação, tão rápida quanto possível, do seu crédito e à constituição, tão célere quanto possível, da garantia constituída pela penhora.

Poderia pensar-se que o que vale para a execução provisória na pendência de recurso não deve valer para a execução provisória na pendência de acção de anulação. Isto porque, dir-se-á eventualmente, os vícios da decisão são mais graves num caso do que no outro: invalidade contra ilegalidade.

Mas, perguntar-se-ia, não será esta distinção inócua do ponto de vista do executado? Com efeito, um e outro meios, se julgados procedentes, levarão à anulação/revogação do título em execução. A gravidade da causa não se repercute pragmaticamente nos efeitos da reacção sobre o título.

Se a norma que se retira do texto da lei pode parecer iníqua, não deve perder-se de vista que o executado tem, segundo o regime constante do art. 47/4, a faculdade de provocar a suspensão da execução. É claro que não o fará sem custos pois, a fim de desencadear este efeito, deverá prestar caução. E é claro, também, que sempre se poderá dizer que a regra pressupõe a faculdade concorrente, mas não exercida, de obtenção do efeito suspensivo no recurso. Mas esta leitura do art. 47/4 relegaria para segundo plano o facto de a lei conferir ao executado a faculdade de obter um mesmo efeito por diversas vias em seu próprio benefício. Ora se, cabendo recurso da decisão, ele pode obter a suspensão da execução, quer interferindo sobre a exequibilidade do título (quando requer que ao recurso seja fixado o efeito suspensivo), quer sobre a própria execução, dificilmente se poderia justificar que se a situação concreta apenas permitir a segunda via esta se deveria ter por prejudicada por a primeira não ter lugar.

4.3. A decisão arbitral estrangeira e o reconhecimento

25. Conforme já acima referimos, somente a decisão arbitral proferida por árbitros no estrangeiro é considerada, do ponto de vista da ordem jurídica nacional, como uma decisão estrangeira, pelo que deverá ser revista e confirmada para poder produzir efeitos primários(18) na ordem jurídica interna (cfr. arts. 49/1, 1094/1 e 1097, todos do CPC).

O procedimento aplicável à revisão é o que resulta dos arts. 1095 e segs., sendo os fundamentos que impedem a confirmação (e, veremos mais adiante, que fundamentam a oposição à execução fundada em decisão arbitral proferida por árbitros no estrangeiro e confirmada) de decisões arbitrais aqueles que constam do Direito convencional que vincula o Estado português ou, em caso de ausência deste tipo de instrumento, da prova da verificação dos pressupostos positivos de confirmação e da prova da não verificação dos pressupostos negativos da confirmação, previstos no art. 1096 do CPC.

26. No domínio da arbitragem, o reconhecimento e os princípios aplicáveis à execução de decisões estão relativamente uniformizados. Com efeito, um dos instrumentos mais relevantes nesta matéria é a Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958, cuja aplicação é quase universal, tornando marginal a aplicação da Convenção de Genebra para a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1927. Por esta razão, só àquela faremos algumas referências. Em matéria de reconhecimento e execução de decisões arbitrais estrangeiras, em Portugal, deverá ainda tomar-se em consideração a Convenção Interamericana sobre a Arbitragem Comercial Internacional, de 1975(19).

27. Os fundamentos de oposição à revisão da sentença arbitral estrangeira previstos no art. 5 da Convenção de Nova Iorque são comummente entendidos como padrões quase universais de reconhecimento, atendendo ao âmbito espacial de aplicação da Convenção de Nova Iorque e à sua influência sobre Leis Modelo, seguidas por diferentes legislações(20). Como é evidente e conforme é também sustentado por REDFERN/HUNTER(21), num mundo ideal, aquelas regras seriam interpretadas de modo semelhante por todos os tribunais que houvessem de as aplicar. Se bem que assim não suceda e ainda que as decisões proferidas por uma jurisdição não sejam vinculantes para outras, será efectivamente relevante que a concretização de uma qualquer das regras da Convenção seja antecedida de um excurso por decisões que a hajam aplicado. Esta uma das vias de uniformização real das regras convencionais.

28. Numa primeira aproximação aos fundamentos de recusa de revisão, diremos que eles podem ser agrupados em duas grandes categorias. Por um lado, encontram-se os fundamentos de oposição, em sentido estrito, de outro, as causas impeditivas do reconhecimento.

Enquanto os fundamentos de oposição ao reconhecimento estão previstos nas diferentes alíneas do n.° 1 do art. V da Convenção de Nova Iorque e do n.° 1 do art. 5 da Convenção Interamericana, as causas impeditivas do reconhecimento que podem, segundo opção do legislador interno(22), ser de conhecimento oficioso, constam das alíneas a) e b) do n.° 2 do art. V da Convenção de Nova Iorque e do n.° 2 do art. 5 da Convenção Interamericana.

29. Entre os fundamentos de oposição ao reconhecimento da sentença arbitral estrangeira, dependentes, assim, de invocação, contam-se:

— a incapacidade das partes segundo a lei definidora deste pressuposto substantivo da convenção de arbitragem;
— a invalidade da convenção segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação autónoma, segundo a lei do Estado em que foi proferida a decisão;
— a violação do princípio do contraditório, na sua ampla expressão, radicada no princípio do processo equitativo, no procedimento de que proveio a sentença arbitral invocada contra a parte(23);
— a não recondução do objecto da decisão ao objecto da convenção de arbitragem;
— a falta de conformidade da composição do tribunal ou do procedimento quer com o acordo, quer com a lei relevante;
— a não vinculatividade(24), suspensão ou anulação da decisão arbitral(25).

Entre aquelas que podem ser consideradas pela lei do Estado de reconhecimento como causas de recusa desse reconhecimento, contam-se a não arbitrabilidade do litígio e a violação da ordem pública.

Quanto a estas causas, apenas duas breves observações.

A possibilidade de submissão do litígio a arbitragem deve ser aferida, segundo o texto da própria Convenção, pela lei do Estado de reconhecimento. Quer isto dizer que, no caso concreto da nossa ordem jurídica, que, na adopção deste critério acompanha muitas outras, a arbitrabilidade vai depender da disponibilidade da situação jurídica substantiva a decidir. Já há muito afirmámos que este princípio de simetria entre a disponibilidade da situação jurídica decidenda e a disponibilidade da jurisdição têm um fundamento que deixa transparecer um certo desfavor da arbitragem. Não encontramos razão para esta regra. Na verdade, a haver alguma coincidência entre a disponibilidade da situação substantiva litigiosa e a disponibilidade intraprocessual, esta deveria repercutir-se, não na inadmissibilidade da arbitragem, mas sim na inadmissibilidade dos negócios processuais dispositivos do objecto. E mesmo esta, em paralelo com o que sucede com a respectiva ocorrência em processos pendentes perante tribunais estaduais, no estrito campo do tipo de indisponibilidade concreta.

Quanto a ordem pública, esta deve ser entendida no seu sentido restrito, ou seja, enquanto ordem pública internacional. Por outro lado, a consagração expressa desta causa enquanto eventual impedimento de conhecimento oficioso não transforma a revisão, por esta razão, numa revisão de mérito já que o tribunal do reconhecimento não pode sindicar a aplicação do direito ou reapreciar a matéria de facto, mas limitar-se a declarar a impossibilidade de reconhecimento com fundamento em contrariedade da decisão aos seus princípios fundamentais.

30. Numa contraposição prima facie destas regras às que encontramos no direito interno português, verificam-se alguns traços distintivos que nos parece serem cruciais quanto a algumas das questões que teremos de resolver.

Em primeiro lugar, verifica-se uma divergência muito acentuada entre as condições directas ou simplesmente condições de confirmação, enunciadas pelo legislador nacional no art. 1096 do CPC, e os fundamentos de oposição, previstos nas alíneas a), c) e f) do art. 771, cuja invocabilidade no processo de revisão é facultada ao requerido pelo art. 1100/1 e os fundamentos de recusa de confirmação, enunciados pelo legislador convencional, no art. V da Convenção de Nova Iorque. Uma vez que é objectivo claro do art. V da Convenção de Nova Iorque assegurar a relevância espacial máxima de sentenças arbitrais, impede que os tribunais do Estado do reconhecimento recusem a confirmação com fundamentos diversos dos fundamentos específicos nele previstos. Isto implicará que apenas se possa considerar legal uma decisão de recusa de confirmação, proferida pelos tribunais nacionais, se a recusa se fundar nas causas enunciadas no art. V. No caso de pedido de confirmação, em Portugal, de decisão arbitral estrangeira, significa a restrição dos fundamentos de recusa aos que a Convenção de Nova Iorque consagra no seu art. V a ininvocabilidade das circunstâncias constantes do art. 1096, 1100/2 e 771a), c) e f). Sem prejuízo do que possa resultar de direito convencional em contrário, dir-se-á que, se nenhuma outra fonte se aplicar aquando do reconhecimento de decisões estrangeiras, será mais fácil obter a confirmação de uma decisão arbitral estrangeira do que de uma decisão judicial estrangeira.

Se bem que, sem uma comparação substancial, das circunstâncias impeditivas da confirmação, previstas no art. V da Convenção de Nova Iorque, com aquelas que se encontram nos arts. 1096, 1100/2 e 771a), c) e f), a mera afirmação de que é mais fácil obter a confirmação de uma decisão arbitral estrangeira do que de uma decisão judicial estrangeira pode surgir como arbitrária. Todavia, se se atender a que o art. V se ocupa essencialmente de fundamentos de recusa de confirmação que se prendem com a validade da convenção de arbitragem, a regularidade da constituição do tribunal arbitral, a amplitude objectiva da decisão arbitral, o princípio do contraditório e a contraditoriedade à ordem pública do Estado de reconhecimento percebe-se o desnível face a um regime que permite a recusa de reconhecimento com fundamento em fraude à jurisdição, litispendência, violação grave da determinação do decisor, superveniência de documento essencial para a inflexão do sentido da decisão, caso julgado anterior e tutela de nacionais na composição do litígio.

31. Para além das diferenças entre as causas que permitem fundar a recusa de reconhecimento, assiste-se, ainda, a uma divergência entre o sistema convencional e o sistema de direito interno no que ao regime destas causas concerne.

Enquanto a generalidade dos fundamentos constantes do art. 1096 são de conhecimento oficioso pelo tribunal, os fundamentos referidos no art. V da Convenção de Nova Iorque dependem de impulso do demandado.

5. Os requisitos da obrigação exequenda: o problema da liquidação da decisão arbitral

32. Não faremos, aqui, uma exposição generalizada dos requisitos de exequibilidade intrínseca da obrigação exequenda. Limitaremos as nossas observações ao único requisito que vem suscitando dificuldades práticas atendendo à ausência de tomada clara de posição pelo legislador. Referimo-nos à liquidez.

Se a falta de liquidez da obrigação em face do título puder ser ultrapassada por simples cálculo aritmético, a decisão arbitral não suscita qualquer problema particular: como sucede com todos os demais títulos, aplicar-se-á à liquidação o regime do art. 805/2 do CPC.

As dificuldades surgem quando a liquidação não pode ser realizada por simples cálculo aritmético, implicando o proferimento de uma decisão, que fixe o valor da dívida exequenda. Nestes casos, e sendo o título uma decisão judicial, a lei optou pela concessão ao tribunal da competência da acção para a liquidação, considerando, inclusivamente, que a sentença, que contenha condenação genérica, não é ainda título executivo (cfr. art. 47/5). Resta saber se foi intenção do legislador qualificar a execução fundada em sentença não liquidada como inadmissível por falta de título executivo, circunstância que impõe a recusa do requerimento inicial pela secretaria, quando é certo que o vício é o da falta de liquidez da obrigação exequenda.

Se o título não for uma sentença, a liquidação será da competência do tribunal da execução que, em circunscrições cobertas pela sua esfera de competência territorial, poderá ser um juízo de execução.

A repartição de competências tem reflexo na estrutura processual que permitirá a liquidação. Se a competência for do tribunal da acção, a liquidação é processada como incidente póstumo, sendo-lhe aplicável o regime previsto nos arts. 378 e seguintes. Se a liquidação for da competência do juiz da execução, depois de o exequente concluir o requerimento executivo com a indicação de uma quantia líquida, a contestação é deduzida em conjunto com a oposição à execução. Neste caso, apesar de não haver despacho liminar, há citação prévia (cfr. art. 812/7b) do CPC), não tendo a oposição efeito suspensivo da execução. Quer isto dizer que, mesmo que a obrigação exequenda não esteja liquidada, se realizará a penhora; não encontramos apoio no art. 832 para conclusão inversa, se bem que possa estranhar-se como é possível observar nomeadamente o princípio da proporcionalidade, constante dos arts. 821/3 e 834/1, primeira parte, e o princípio da adequação, ínsito no art. 834/1, segunda parte, quando é certo que o agente da execução desconhece o valor da dívida exequenda.

33. Pergunta-se: como se liquida uma sentença arbitral, que contenha uma condenação genérica? Através do mecanismo tipicamente aplicável às sentenças? Através do mecanismo previsto no art. 805/4?

Dir-se-ia que o princípio da equiparação imporia que fosse aplicado à liquidação de decisão arbitral com condenação genérica o disposto nos arts. 378 e seguintes do CPC. Dir-se-ia não obstar a esta solução o princípio do esgotamento da jurisdição arbitral. No entanto, o art. 25 da Lei n 31/86 dispõe com toda a clareza que o poder dos árbitros se extingue com o depósito da decisão que pôs termo ao litígio. Ora, a condenação, apesar de genérica, põe termo ao litígio, podendo somente restar por determinar a extensão quantitativa dessa condenação.

Mas são essencialmente argumentos de ordem pragmática que demonstram a desrazoabilidade desta solução. O tribunal arbitral, mesmo que a arbitragem seja institucionalizada, é de composição tópica e de existência efémera. Avançar com uma solução para a liquidação que dificulte sem qualquer razão de fundo a situação do credor/exequente não nos parece ser bom caminho. Se a concentração da competência para a liquidação no tribunal da acção teve em vista objectivos relacionados com uma melhor gestão dos meios de justiça (o legislador da reforma terá imaginado, atendendo ao difícil equilíbrio das soluções legais e aos amplos poderes que aos agentes de execução foram conferidos, que a competência para a execução fosse cometida universalmente a juízos de execução, que restringissem a sua intervenção ao controlo da legalidade destes procedimentos e à decisão dos litígios surgidos no seu seio), estes objectivos nada valem por si. Eles apenas valem porque uma melhor gestão de recursos induz uma melhor aplicação da Justiça e, assim, uma melhor tutela dos destinatários deste serviço prestado pelo Estado. Quer isto dizer que na busca da solução não directamente prevista (e cremos que ninguém duvidará que a lei não está pensada, quanto à determinação da competência para a liquidação, para a liquidação de decisões arbitrais), deverá o aplicador encontrar aquela que mais adequadamente atenda às finalidades do sistema. E, na execução, tais finalidades residem, essencialmente, na satisfação tão breve e rápida quanto possível do direito à prestação do credor/exequente(26).

Do que antecede, tiramos uma conclusão: qualquer solução que se proponha para a liquidação de decisões arbitrais deverá tomar em consideração os interesses do exequente, obviamente que sem prejuízo desproporcional e injustificado dos direitos materiais e processuais fundamentais do executado. Se assim é, e atendendo à infrequência relativa das decisões arbitrais, que contenham condenações genéricas, seguramente que o cometimento da competência para a liquidação ao tribunal da execução não bloqueará o funcionamento destes órgãos com uma pendência desmesurada. A solução inversa, que consiste em atribuir competência para a liquidação ao tribunal arbitral que julgou a causa, para além de ter contra si o princípio do esgotamento da jurisdição arbitral, implica custos e tempos de decisão (o tribunal terá de se reconstituir) absolutamente injustificados.

Neste particular, o princípio da equiparação não vale. A sentença arbitral deverá ser liquidada através do procedimento aplicável à liquidação de títulos extrajudiciais. Este pequeníssimo detalhe nos mostra, uma vez mais, como todas as questões têm de ser enfrentadas quando se lida com tipos que a lei não toma como referente directo dos seus regimes.

6. O tribunal competente para a execução

34.
Se os pressupostos processuais gerais não suscitam grandes adaptações em execução de decisão arbitral, a matéria da competência requer alguma explicitação.

A regra geral quanto à execução de decisões arbitrais nacionais consta do art. 90/2. Segundo esta disposição, o tribunal competente para a execução de decisões arbitrais é o tribunal da comarca do lugar da arbitragem. A lei não distingue se a decisão, sendo nacional, é estritamente interna ou se é internacional, no sentido que o art. 32 da Lei n.° 31/86 dá a esta expressão.

Seja qual for o campo de aplicação deste preceito, diremos que só a equiparação da decisão arbitral à decisão judicial poderá, por um lado, explicar a integração sistemática desta matéria. O art. 90 sempre foi a disposição que, afastando inclusivamente os critérios especiais, que visam assegurar a conexão óptima entre tribunal e património a atingir, regulou a competência para a execução de decisões. E aquele que era o critério-chave deste preceito, que não podia ser lido desintegrado das formas do processo comum de execução, era o da perpetuação da competência do órgão que tivera competência primária, a este se conferindo também a competência para a execução. Não era, seguramente, a melhor conexão possível nem mesmo, quando se aceitasse uma dupla funcionalidade das normas de competência interna, a conexão suficiente, já que esta passa, atendendo à natureza dos actos a praticar em execução, pela localização do património a atingir. Com a reforma da execução, este critério está posto em crise, com excepção do que respeita aos tribunais de competência especializada, surgindo como ausente de conexão substancial.

Se quanto às decisões judiciais se pode, hoje em dia, apontar esta crítica ao art. 90/1, ainda menos fundamentado nos parece ser o critério do art. 90/2. Para além de se escolher como tribunal competente, não o tribunal do lugar da arbitragem, mas o tribunal da comarca do lugar da arbitragem, parece ter-se cristalizado uma solução que, se podia ainda ter alguma justificação quando a relação entre o tribunal arbitral e o tribunal judicial era umbilical, nenhuma justificação tem nos actuais quadros de autonomia entre estas duas jurisdições.

35. Para além de alguma arbitrariedade da solução (diríamos que teria sido preferível sujeitar a determinação da competência para a execução de decisões arbitrais aos critérios do art. 94, na medida em que assegura conexões substanciais entre o tribunal e a execução), a primeira zona de complexidade do art. 90/2 toma como ponto de referência a arbitragem internacional. Apesar de a prática revelar que as arbitragens internacionais ocorrem, por regra, em território neutro, ou seja, que o tribunal estará localizado em país estranho a qualquer uma das partes envolvidas no procedimento(27), de um ponto de vista de direito interno, estamos perante arbitragem nacional. No entanto, porque esta arbitragem põe em jogo interesses do comércio internacional a situação que subjaz ao processo, apesar de este ser qualificado como nacional, apresenta conexões com diferentes ordens jurídicas. Nestas situações, o legislador terá implicitamente aceite como irrelevante a localização do património a atingir sendo certo que a situação litigiosa claramente aponta no sentido da possibilidade de este estar localizado no estrangeiro. Ao declarar como competente o tribunal da comarca do lugar da arbitragem a lei pode estar a conferir competência a um tribunal português quando nenhum dos activos penhoráveis se encontre em Portugal. O resultado é totalmente espúrio já que a penhora será inadmissível. Porque assim é, diremos que não resta alternativa ao aplicador da regra que não seja o de a entender como aplicável apenas quando o património a penhorar se localizar em território nacional.

36. Se a execução se fundar em decisão arbitral estrangeira, a competência territorial interna será determinada pelo art. 91 por remissão do art. 95: é competente para a execução o tribunal (de primeira instância) do domicílio do executado. O que se disse quanto ao art. 90, vale aqui igualmente. Se a competência deve tomar por referência a melhor conexão possível entre um tribunal e a situação que lhe é submetida, atendendo à natureza dos actos a praticar na execução melhor teria sido submeter a execução de decisões proferidas por tribunais superiores aos critérios gerais e especiais do art. 94.

7. A estrutura da execução fundada em decisão arbitral

37. Tal como sucedia já antes da reforma do processo de execução, operada em 2003, a natureza do título executivo influencia a estrutura da execução. Não havendo uma relação de implicação de uns actos face aos outros, tem o legislador larga margem de conformação desta estrutura processual, fazendo-a depender dos valores em que, em cada momento, considera prevalecentes(28).

Neste contexto, começará por notar-se que, seja qual for a origem da decisão arbitral, dispõe o art. 812-A/1a) que a execução nela fundada dispensa intervenção judicial liminar. Independentemente das razões de fundo que terão determinado o legislador a suprimir o despacho liminar nas execuções referidas no art. 812-A/1(29), terá sido a equiparação, levada às suas últimas consequências, entre o título judicial e o título arbitral seguramente a ditar este regime, contra o qual se pronunciou já criticamente LIMA PINHEIRO(30).

À dispensa de despacho liminar vai corresponder, nos termos do art. 812-B/1, a dispensa de citação prévia do executado, quer isto dizer, vai corresponder a imediata penhora de bens do executado antes da sua citação para a execução.

Apenas se poderá admitir a intervenção liminar, à qual, no entanto, se vai suceder a penhora, desde que o despacho se não pronuncie pela inadmissibilidade da execução, se o funcionário judicial, antes de remeter o requerimento ao solicitador da execução para penhora, ou, acrescentaremos nós, o próprio solicitador da execução, uma vez por ele recebido o requerimento executivo e antes, sequer, de iniciar as diligências prévias à penhora tiverem dúvidas quanto à arbitrabilidade do litígio.

Sendo a citação precedida da penhora, a citação ocorrerá, nos termos do art. 864/2, aquando da realização da própria penhora ou nos cinco dias subsequentes à sua realização. Por outro lado e ainda enquanto efeito da natureza do título sobre a estrutura da execução, a oposição à execução, que o executado deduza, terá efeito suspensivo (cfr. art. 818).

8. Os fundamentos da oposição à execução fundada em decisão arbitral e o concurso de pretensões processuais

8.1. Os fundamentos de oposição às sentenças e o concurso de meios processuais

38.
Os fundamentos de oposição à execução fundada em decisão arbitral constam do art. 815 do CPC.
Segundo esta disposição, que parece omitir a situação específica da execução de decisões arbitrais estrangeiras confirmadas, são fundamentos de oposição, não apenas aqueles que podem ser deduzidos em execução fundada em sentença nacional, mas também aqueles em que pode fundar-se a anulação da decisão arbitral. Deste modo, e ao invés de desencadear a anulação da decisão, com fundamento em alguma das circunstâncias constantes do art. 27 da Lei n.° 31/86, pode a parte condenada aguardar pela execução para, em oposição, deduzir os fundamentos que poderia deduzir em acção autónoma.

Veremos, já em seguida, que as soluções legais, apesar de visarem a concentração da discussão num só meio, podem determinar um concurso de pretensões processuais. E este concurso levanta enormes problemas num sistema que, globalmente, não está pensado para esta construção.

Por que pode surgir semelhante concurso?
Por um lado, porque a lei dá relevância aos fundamentos de anulação, quer enquanto causa de pedir em acção de anulação autónoma, quer enquanto fundamento de oposição à execução.

Por outro, porque a lei manda que os fundamentos de anulação sejam deduzidos no recurso da sentença arbitral, permitindo, simultaneamente, a respectiva invocação enquanto fundamentos de oposição à execução.

Pergunta-se:

— Aceitando-se que o princípio da prevalência da substância sobre a forma releva na aferição da legitimidade processual para a propositura da acção de anulação, pode o autor da acção de anulação, parte vencida(31) e potencial executado, mas não recorrente (porque não interpôs recurso, apesar de ser parte vencida), deduzir em oposição à execução causas de anulação que haja invocado em acção de anulação?
— Pode a parte vencida que recorreu da sentença arbitral sem ter deduzido causas de anulação no recurso, invocar tais causas em oposição à execução?
— Pode o executado/recorrente, que deduziu determinada causa de anulação da decisão arbitral no recurso que interpôs dessa decisão, invocar o mesmo fundamento de anulação em oposição à execução?

39. Antes de enfrentarmos as diferentes questões deixadas em aberto, relembremos o que sucedia com o Código de Processo Civil, na sua versão de 39.

O art. 814/3 dispunha que na execução de sentença proferida por tribunal arbitral podia a oposição ser deduzida, não só com algum dos fundamentos previstos para a oposição à execução de sentença judicial, mas ainda com fundamento em nulidade da sentença arbitral, se as partes houvessem renunciado previamente aos recursos. Pronunciando-se sobre esta regra, afirmava ALBERTO DOS REIS que na hipótese de as partes haverem renunciado aos recursos a invocação da nulidade perante o tribunal arbitral não estava vedada às partes. E, continuava: “o que sucede é que, embora a não argua, pode manejá-la como fundamento de oposição à execução; e se a arguir e for desatendida, pode igualmente fazê-la valer em oposição à acção executiva”(32).

ALBERTO DOS REIS admitia, assim, expressamente que uma causa de nulidade da sentença arbitral pudesse ser deduzida por meio de reclamação e, caso fosse desatendida, ulteriormente por meio de embargos à execução. Mais admitia que, não sendo a causa de nulidade deduzida em reclamação, fosse a mesma invocada em embargos de executado. Daqui se inferem as respostas que o Autor possivelmente daria se confrontado com as nossas questões. Havendo concurso de pretensões processuais, esse concurso é real e heterogéneo: uma mesma nulidade tanto pode ser deduzida em reclamação como em embargos. Por outro lado, a dedução e apreciação da nulidade num meio não inviabilizam a sua dedução e apreciação em outro. Quer isto dizer que a decisão que conheça em reclamação da invocada nulidade não produz efeito externo. Por fim, não existe qualquer ónus de concentração da invocação de causas de nulidade na reclamação pelo que não se verifica qualquer efeito preclusivo.

40. Os dados legais de que podemos partir para resolvermos as questões acima enunciadas são os seguintes:

— O art. 815 do CPC dispõe que são fundamentos de oposição à execução fundada em sentença arbitral tanto aqueles que constam do art. 814(33), quanto aqueles em que pode basear-se a anulação judicial da mesma decisão;
— O art. 31 da Lei n.° 31/86 dispõe que o decurso do prazo para intentar a acção de anulação não obsta a que se invoquem os seus fundamentos em via de oposição à execução.

Do art. 31 resulta com evidência a não preclusão dos fundamentos de anulação(34). A parte vencida, que poderia ter desencadeado a anulação da decisão, não o faz, podendo reservar esta forma de impugnação da sentença arbitral para a oposição à execução dessa mesma decisão. Se a solução tem a vantagem de evitar o concurso de pretensões a que faremos referência já a seguir, tem a desvantagem de deixar a validade da sentença arbitral em estado de incerteza. Isto porque, e fazendo um paralelismo com a solução a defender para a oposição à execução fundada em decisão homologatória de negócio processual, o prazo para a dedução do fundamento de anulação deve contar-se, não a partir do momento em que a decisão arbitral (ou homologatória) foi proferida, mas a partir do momento em que a qualquer um destes actos é dada relevância em execução(35).

Mas aquilo que nem o art. 815, nem o art. 31, nem o regime da acção de anulação resolvem são as situações de concurso.

41. Comecemos pela situação mais simples. Pode o executado, que instaurou acção de anulação autónoma, deduzir em oposição à execução fundamentos de anulação diversos daqueles em que fundou aquela acção?

A primeira questão que aqui se coloca é a do carácter exauriente da acção de anulação. Regra geral, o autor não tem o ónus de fundamentação exaustiva da pretensão, podendo renová-la em nova acção se invocar causa de pedir diversa. Todavia, a submissão da acção de anulação a um prazo de caducidade aponta em sentido inverso: se a parte pretende impugnar a validade da decisão, deverá fazê-lo dentro de um determinado prazo. Depois disso, não poderá arguir, autonomamente, a invalidade da decisão.

A assertividade desta conclusão esbate-se, porém, em face do regime do já citado art. 31 da Lei n.° 31/86. Como vimos, esta regra estatuía a não preclusão dos fundamentos de anulação. Ainda se poderá tentar uma solução, afirmando que o art. 31 apenas se aplica quando a parte não haja instaurado acção de anulação. Invertendo o comando, só neste caso haveria preclusão dos fundamentos de anulação com a sua consequente inadmissibilidade enquanto fundamentos da oposição à execução ulteriormente proposta. O apoio desta solução seria constituído pelo trecho do art. 31, que refere o decurso do prazo para intentar acção de anulação.

No entanto, aquilo que há-de procurar-se é o fundamento substancial que permita justificar uma diversidade de tratamento daquele que instaurou acção de anulação em confronto com aquele que nada fez no que respeita à preclusão dos meios de defesa. Poderá dizer-se que deve ser outro o ponto de referência, ou seja, que não deve atender-se à perspectiva do executado, autor de acção de anulação, mas à perspectiva do exequente demandado na acção de anulação. E a consideração dos interesses desta parte determinaria que a acção de anulação fosse entendida como exauriente de modo a que pudesse dimensionar a viabilidade da própria execução. Quanto mais abrangente for a oposição, quanto mais forem os fundamentos admissíveis, mais vulnerável é a posição do exequente. Este terá a legítima expectativa de que a defesa do executado se restrinja a fundamentos que não pudessem ter sido deduzidos em outra acção. E todas as causas de anulação poderiam ter substanciado a acção de anulação instaurada pelo executado. Aliás, esta linha de argumentação segue a ratio subjacente ao próprio art. 814. Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença respeitam à falta de exequibilidade intrínseca ou extrínseca do título, à irregularidade da instância executiva ou a factos supervenientes. E, quanto a estes últimos, a condição da respectiva superveniência é decisiva já que só eles se não podem dizer abrangidos pelo ónus de concentração da defesa (cfr. art. 489).

42. Vejamos, com a brevidade que o objecto específico desta intervenção implica, a relação que se estabelece entre a acção de anulação e a oposição à execução com identidade de fundamentos.

Pode o executado deduzir, em oposição à execução, fundamentos que deduziu em acção de anulação? Podem correr, em simultâneo, dois procedimentos com estrutura declarativa (esta a natureza da oposição à execução) em que o mesmo fundamento seja invocado, num caso, para obter directamente a anulação de uma decisão e, no outro, para obter a extinção de uma execução por anulação do título executivo?

Apesar da falta de identidade do pedido (num caso a parte pretende a anulação, no outro, a parte pretende a extinção da execução com fundamento em anulabilidade do título), certo é que uma solução que admita o concurso de competências de decisão quanto ao mérito implica, não apenas a realização de actividade processual em termos pouco racionais (o mesmo fundamento de anulação é conhecido em dois procedimentos diversos, determinando a prática dupla dos mesmos actos processuais), como pode colocar os tribunais na posição de se contradizerem. Estes indícios apontam no sentido de não ser desejável que possam os mesmos fundamentos de anulação ser conhecidos em acção de anulação e em oposição à execução.

Perguntar-se-á, então, qual dos meios deve ser prejudicado em benefício do outro. A amplitude da discussão na acção de anulação aponta no sentido de dever ser preterida a competência do tribunal da execução para conhecer dos fundamentos de anulação que o executado invoque. Também o facto de ser o meio específico de invocação de causas de anulação parece indicar no mesmo sentido.

De um ponto de vista dos efeitos, fazer a execução aguardar pelo julgamento e decisão do fundamento de anulação não significa uma inflexão nos efeitos da oposição sobre a execução. Sendo a citação antecedida de penhora, a dedução da própria oposição arrastará uma suspensão da execução (cfr. art. 818/2). Assim, também a prevalência do interesse do exequente, fundada na penhora prévia, não é posta em causa com uma suspensão da oposição.

Contra estes índices poderá alegar-se que a acção de anulação, sendo tramitada segundo os termos do processo comum de declaração, poderá, de um ponto de vista da conformação das estruturas de conhecimento, estar sujeita a um rito com prazos mais alargados e com uma fase de articulados mais complexa do que a estrutura que é aplicada ao conhecimento da oposição à execução. Isto poderia significar que sendo os fundamentos conhecidos na oposição em prejuízo da acção de anulação, a questão relativa à validade do título executivo seria mais rapidamente esclarecida. A este argumento acresceria a circunstância de a oposição à execução poder ser tramitada junto de tribunais que, por terem uma competência específica, poderão encontrar-se em melhores condições para decidir. No entanto, estas razões não nos surgem como suficientemente ponderosas para que se considerasse concedida competência ao tribunal da execução em detrimento do tribunal da acção de anulação.

43. A solução a que acabámos de chegar vale para a relação entre a anulação deduzida em recurso e a oposição à execução. Também nesta situação nos parece razoável defender que deve ser suspensa a oposição à execução, fundada numa causa de anulação, sempre que essa mesma causa haja sido invocada no recurso(36).

8.2. O art. 815 e as decisões arbitrais estrangeiras

44. O art. 815 não parece estar pensado para a execução de decisões proferidas por árbitros no estrangeiro e confirmadas pelos tribunais portugueses(37). O facto de a lei se referir a causas de anulação assim parece indicar.

Por outro lado, e aqui avulta um grande problema, as decisões arbitrais proferidas por árbitros no estrangeiro não produzem efeitos directos. Ora, se em termos convencionais existe uma coincidência entre fundamentos de rejeição de reconhecimento e de oposição à execução, pergunta-se que fundamentos poderá o executado, contra o qual foi requerida a confirmação da decisão em Portugal, deduzir em ulterior execução. Todos os fundamentos que poderia ter deduzido e não deduziu no processo de reconhecimento? Fundamentos que deduziu no processo de reconhecimento e que aí foram julgados improcedentes?

Como é evidente, estas duas perguntas nos remetem para a qualificação dos fundamentos previstos nos arts. 5 da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana e para a matéria da preclusão e do caso julgado.

Os problemas que vão avultar resultam da circunstância de o regime convencional prever fundamentos que impedem o reconhecimento e a execução. Ora, se por esta última expressão se considerar que a Convenção se está a referir a uma declaração de executoriedade, que se confunde com o reconhecimento, nenhum problema se suscita: o fundamento de recusa, invocado no procedimento, tem um duplo efeito, impedindo o reconhecimento e o exequatur da decisão.

No entanto, podem estas regras ser entendidas como referindo-se a circunstâncias que, por um lado, fundamentam a recusa de confirmação e que, por outro, permitem fundar a oposição à execução de uma decisão que, sendo estrangeira, terá sido necessariamente confirmada em momento prévio.

45. Tentamos, então, compreender como se articulam as faculdades de invocação dos fundamentos previstos nos arts. 5 da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana caso estes possam ser entendidos como causas de recusa de reconhecimento e como causas de oposição, não à concessão de exequatur, mas à execução.

Comecemos pela última questão acima colocada. Pode o executado opor-se à execução com fundamentos que deduziu no processo de reconhecimento e que aí foram julgados improcedentes?

A resposta é de enunciação fácil. A decisão de confirmação implicará, necessariamente, que devam ter-se por não verificados quaisquer fundamentos que a poderiam impedir. A confirmação preclude, deste modo, a invocabilidade ulterior de qualquer fundamento de recusa em oposição à execução, quer ele haja sido deduzido ou não naquele procedimento.

Se a resposta antecedente estiver correcta, não pode o executado opor-se à execução com fundamentos que poderia ter deduzido em oposição à revisão e não deduziu, ou com fundamentos que nela deduziu e que foram julgados improcedentes. Esta segunda solução estaria, desde logo, justificada por um argumento de maioria de razão: se o executado não pode deduzir em oposição fundamentos de recusa de execução que, por falta de invocação, precludiram, não deverá ser admitido a deduzir em oposição fundamentos de recusa de execução que foram já deduzidos e apreciados no procedimento de revisão.

Esta resposta, que parece consentânea com a salvaguarda máxima da decisão arbitral confirmada, parece colidir com o texto do art. V. Este regime terá tomado seguramente por assente que não é possível executar sem prévia confirmação. Ao elencar uma série de fundamentos que impedem a confirmação e a execução, o legislador sabia que um procedimento pressupunha o outro, quer isto dizer que sabia que só poderá falar-se, com rigor, em fundamentos que impedem a confirmação e a execução se se estiverem a referir meios distintos.

Entendemos que este não deve ser o sentido relevante do texto convencional pelas razões que passaremos a indicar. Umas pressupõem somente que se considere a natureza das Convenções de Nova Iorque e Interamericana. Outras implicam, já, um aprofundamento mesmo que mínimo de figuras centrais do nosso sistema processual. Umas e outras levar-nos-ão a concluir que não pode o executado, em execução fundada em decisão arbitral estrangeira confirmada pelo competente tribunal português, deduzir em oposição à execução fundamentos que foram ou poderiam ter sido invocados no processo de revisão.

46. A primeira observação que uma argumentação e a interpretação que, com base nela, se proporia para os arts. V da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana, suscita é a seguinte. Se é verdade que, regra geral, as decisões estrangeiras, sejam elas arbitrais ou judiciais, apenas produzem efeitos em Estado diverso do seu Estado de origem, se forem previamente confirmadas, não é inelutável que assim aconteça. É prerrogativa dos Estados definirem de que condições e procedimentos fazem depender a produção de efeitos, no seu espaço, por decisões (e outros títulos, aliás), criadas em Estado estrangeiro. Ora, o direito convencional deverá ter previsões de tal modo amplas que seja susceptível de conviver, sem atrito ou com o menos atrito possível, com os diversos direitos internos. Quer isto dizer que uma regra que vise uniformizar, não os meios, mas os fundamentos que impedem a produção de efeitos por uma decisão estrangeira nos diversos ordenamentos deverá estar redigida e ser interpretada como com neutralidade dos meios. Tomando como base os eventuais sistemas que não façam depender a execução de decisões arbitrais condenatórias de revisão, o texto convencional não pode ser interpretado no sentido de, em oposição à execução, apenas poder o executado deduzir excepções dilatórias directamente relacionadas com a instância executiva ou excepções peremptórias supervenientes, estando-lhe vedada a invocação de matéria que atingisse o título/sentença arbitral. O que o texto convencional pretende é que, perante este esquema de recepção de decisões arbitrais estrangeiras, se não frustre a uniformidade quanto às causas oponíveis ao título: estas serão aquelas que o art. V contempla.

47. Por outro lado, vejamos que consequências teria a afirmação de que o texto das Convenções de Nova Iorque e Interamericana pode ser interpretado, quando se refere a fundamentos de recusa de revisão e de execução, como criando um verdadeiro concurso.

Para que de concurso pudesse falar-se, deveria admitir-se que, ao disporem que determinados fundamentos impedem tanto a revisão, quanto a execução, afastariam as Convenções de Nova Iorque e Interamericana a vigência de um ónus de concentração da defesa na revisão. Se assim fosse, deveria admitir-se, independentemente do figurino traçado pelo direito nacional quanto a este meio processual, que em caso de execução de decisão arbitral submetida ao regime da Convenção de Nova Iorque, poderia o executado deduzir em oposição fundamentos que poderia ter deduzido em oposição à revisão, uma vez que estes não podem dizer-se precludidos. Mas há ainda uma outra ilação a extrair desta posição. Ela apontaria não só para um carácter não exauriente do processo de revisão, como permitiria que a matéria da verificação de todas as condições que permitem o reconhecimento de uma decisão estivesse submetida a eventual nova decisão.

Esta possibilidade estranhar-se-ia por diferentes ordens de razões.
Em primeiro lugar porque dificilmente se pode compreender, pelo menos no sistema interno, que possa um tribunal de primeira instância (o tribunal competente para a execução) apreciar novamente uma matéria que foi apreciada por um tribunal superior.

Em segundo lugar porque sempre se dirá que a decisão proferida pelo tribunal competente para a revisão sobre a matéria da não verificação de determinadas condições, que impedem tanto a revisão quanto a execução, forma caso julgado.

Analisemos mais detalhadamente estes índices que concorrem para a interpretação dos arts. V da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana.

48. Suponhamos que se aceitava que no processo de revisão não haveria preclusão, perguntar-se-ia se poderia o executado deduzir na oposição fundamentos que foram deduzidos e apreciados no procedimento de confirmação. Dir-se-ia que não se tais fundamentos foram conhecidos por meio de decisão com força de caso julgado material.

No entanto, apesar da linearidade do enunciado, ele esconde enormes dificuldades, relacionadas com a delimitação do âmbito objectivo do caso julgado. A regra crucial nesta matéria é o art. 673 do CPC. Segundo esta disposição, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” Atendendo à circunstância de a sentença ser o acto do magistrado através do qual ele decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa e ainda à sua complexidade formal, sustenta-se que o efeito de caso julgado se restringe à decisão (com isto se excluindo os seus fundamentos) do pedido deduzido pelo autor ou pelo réu reconvinte.

Sustenta-se que a defesa deduzida pelo réu pode constituir objecto processual autónomo. Porém, o julgamento desse objecto, mesmo que ocorrendo temporal e formalmente na sentença, não se confunde com a decisão da causa principal. Se assim é, a decisão não produzirá, na parte que daquele conhece, efeitos externos. Esta conclusão seria reforçada pelo regime previsto no art. 96, preceito cuja delimitação não é fácil pois, como demonstrou CASTRO MENDES, nesta tarefa “não somos ajudados pelo legislador”(38). Não obstante esta advertência, cremos poder dizer que é o art. 96 a disposição que rege a matéria da formação de caso julgado sobre questões deduzidas pelo réu como meio de defesa.

49. A regra decorrente do art. 96, que visa concertar as necessidades antagónicas(39) ou os interesses que estão em tensão no julgamento concentrado de matéria incidental(40), aqui tomada esta expressão no seu sentido amplo, vai no sentido de conferir poderes de conhecimento desta matéria ao juiz da causa. Quer isto significar que o juiz da causa tem competência para conhecer de questões que o réu suscite como meio de defesa. Porém, sendo pedida a apreciação incidental de tais questões, ou, concentrando-nos nas hipóteses que ora nos interessam, sendo deduzido pedido reconvencional incidental(41), porque esta pretensão consubstancia a dedução de novo objecto no processo, a respectiva admissibilidade dependerá do preenchimento do pressuposto processual, que é a competência absoluta do tribunal da acção para o pedido reconvencional(42).

Segundo a solução da lei, a exigência de preenchimento de pressupostos processuais pela reconvenção incidental terá repercussão directa no tipo de caso julgado que se formará sobre a decisão que a aprecia: se toda a decisão proferida sobre questões deduzidas pelo réu como meio de defesa forma caso julgado formal(43), impedindo que sobre a mesma questão recaia segunda decisão num mesmo processo, se a reconvenção incidental reunir os pressupostos processuais objectivos, a decisão que sobre ela é proferida poderá formar caso julgado material.

50. A justificação avançada para esta distinção dos efeitos da decisão que recai sobre questão incidental prende-se com a amplitude que a instrução e julgamento desta questão podem obter dentro do processo. Na verdade, a verdadeira questão incidental pressupõe, pelo tipo de objecto nela implicado, um processamento anómalo, que em nada contribui directamente para o julgamento da causa. Os objectos da acção e do incidente não apresentam relações de interdependência, são autónomos entre si(44). No entanto, e dito em termos bem pouco rigorosos, o conhecimento e decisão do objecto incidental são necessários quer à regularidade da instância, quer à regularidade dos seus actos. Porque assim é, concertando os tais interesses antagónicos de que há pouco falávamos, a lei aligeira os requisitos de admissibilidade do objecto incidental, permitindo a respectiva tramitação e decisão pelo juiz da causa. No entanto, porque o julgamento e instrução do objecto incidental ocorrem no âmbito de um procedimento com a estrutura (abreviada e relativamente rígida) de um incidente, restringe-se a eficácia da decisão que sobre eles recai.

51. As questões que, sendo suscitadas pelo réu, podem ser julgadas por decisão com força de caso julgado material serão necessariamente questões que, independentemente de quem as suscite, admitam decisão com semelhante efeito. Quer isto dizer que somente as decisões que conheçam de questões que possam ter relevância extra-processual poderão assumir essa relevância. Na sua inversa, significa esta afirmação que não pode ser deduzida reconvenção incidental relativamente a questões processuais cuja projecção se esgota dentro de um determinado processo.

Perguntar-se-á se não seria mais fácil ter dito que a reconvenção incidental apenas pode ser deduzida relativamente a excepções peremptórias e, eventualmente, quanto a matéria de impugnação(45). Se olharmos a classificação dos meios de defesa do réu, diremos que aparentemente a observação seria certeira. Na verdade, segundo o art. 487 do CPC, a defesa do réu reparte-se em defesa por impugnação e em defesa por excepção. Ora, se a reconvenção incidental tem por objecto uma questão suscitada pelo réu como meio de defesa, se a parte passiva se pode defender ou por impugnação ou por excepção, a reconvenção incidental tem por base ou uma impugnação ou uma excepção. Atendendo à natureza das matérias que importam a dedução de defesa por excepção dilatória, dir-se-ia que a decisão sobre elas proferida somente pode projectar efeitos no concreto procedimento em que são suscitadas. Consequentemente, a reconvenção incidental apenas teria como objectos admissíveis excepções peremptórias e impugnações.

Diremos, entrando novamente em matéria que aqui não pode ser aprofundada, que a regra do art. 96/2 seguramente não tem qualquer sentido quando se pretenda decisão com força de caso julgado material sobre questão processual directamente ligada à regularidade de uma concreta instância. No entanto, talvez já não seja tão líquido que questões que dificilmente se qualificariam como excepções dilatórias mas que não são igualmente questões de natureza substantiva, não devam, uma vez decididas, ter-se por definitivamente decididas. E o nosso campo de análise é fértil em exemplos que convocam esta distinção. E foi exactamente a necessidade de tomar posição quanto a elas que nos alertou para aquela que pensamos ser a verdadeira chave interpretativa do art. 96 do CPC. Mais do que colocar, enquanto termos divisores do campo de aplicação desta regra, de um lado, as decisões que conhecem de excepções dilatórias e, de outro, aquelas que conhecem de excepções peremptórias, deverá estabelecer-se a dicotomia entre decisões que, pelo seu conteúdo, não podem ter efeitos externos à concreta instância e decisões que, atendendo ao seu conteúdo, podem projectar efeitos para além da concreta instância em que são proferidas. Se é certo que os termos desta distinção tendem a coincidir com a contraposição entre decisões formais e decisões materiais, certo é, também, que podemos detectar decisões proferidas sobre questões, cuja natureza substantiva é duvidosa, mas que poderão projectar efeitos para lá do procedimento em que foram proferidas. Adiante veremos melhor este ponto.

52. Como é evidente, não é este o momento de aprofundarmos a problemática do caso julgado em ligação com o julgamento da questão incidental. No entanto, não podemos deixar de notar os seguintes aspectos, alguns dos quais terão repercussão directa sobre o nosso tema.

Em primeiro lugar, note-se como os pressupostos de que se faz depender o julgamento com força de caso julgado material da questão incidental pouca relação apresentam com o grande problema que uma imutabilidade desta decisão comporta: o de a estrutura de instrução e julgamento deste objecto ser extremamente abreviada e pobre se comparada com as estruturas aplicáveis à instrução e julgamento da causa.

Em segundo lugar, há que atender, na actual determinação das razões do art. 96 do CPC, à evolução que foram sofrendo as estruturas processuais que levam ao julgamento da causa e à formação de caso julgado material sobre a decisão.

Em terceiro lugar, e este nos parece ser um ponto determinante, não pode efectivamente dizer-se haver similitude entre as questões suscitadas pela apreciação incidental em sentido estrito e aquelas que a reconvenção incidental convoca. Registe-se, em primeiro lugar, que o julgamento das questões suscitadas pelo réu como meio de defesa interfere directamente na decisão da causa(46), havendo uma óbvia relação entre o objecto tal como definido pelo autor e o objecto da reconvenção incidental. Quer isto dizer que a decisão só pode entender-se se se atender ao modo como foram decididas as questões suscitadas pelo réu como meios de defesa. Em segundo lugar, a instrução e o julgamento da reconvenção incidental oferecem tantas garantias quanto a instrução e o julgamento do objecto definido pelo autor porque o julgamento daquela se dissolve(47) no julgamento deste.

Por outro lado, diremos que aceite a distinção entre caso julgado absoluto e caso julgado relativo, nos termos em que é proposta por CASTRO MENDES, o mecanismo do art. 96/2 visa que a decisão que recai sobre a matéria da defesa alcance a estabilidade de caso julgado absoluto: a questão decidida não deve ter-se por assente apenas no contexto da concreta decisão, mas independentemente do contexto em que venha a ser deduzida.

53. Com os dados antecedentes, regressemos à análise da questão que nos ocupava: poderá admitir-se que o executado deduza em oposição à execução um fundamento que deduzira já em procedimento de revisão e que aí foi decidido e julgado improcedente?

A primeira questão que haverá que resolver prende-se com a possibilidade de a execução ser considerada, ainda, um mesmo processo face ao processo de revisão.

Se a resposta for positiva, seja qual for a natureza do caso julgado formado sobre a decisão que conhece da questão suscitada pelo requerido no processo de revisão e seja qual for a natureza do fundamento de oposição à revisão, não pode a mesma questão ser suscitada em oposição à execução.

Poder-se-ia ter a questão por resolvida na medida em que a competência para a revisão e para a execução não coincidem num mesmo tribunal. Sendo a revisão da competência de um tribunal superior e sendo a jurisdição executiva exclusivamente cometida à primeira instância, a falta de coincidência de competência poderia ser índice de que a execução não constituiria uma nova fase num processo único, iniciado com a revisão. No entanto, semelhante argumento, porque daria relevância a um aspecto de regime que não releva na qualificação de uma estrutura processual enquanto fase ou enquanto procedimento autónomo, não seria adequado. Relembre-se o que sucedia com a execução de decisões de tribunais superiores antes da reforma operada pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março nas formas do processo comum de execução.

Um bom índice para se saber se a lei concebe determinada estrutura como autónoma ou não, consiste em perguntar como se dá conhecimento à parte passiva da respectiva pendência. Tomando por referência a distinção entre citação e notificação, diremos que deve presumir-se a falta de autonomia de uma estrutura quando a lei manda notificar a parte passiva da respectiva pendência. Se aplicarmos este índice à execução, atendendo a que o executado é chamado ao processo, seja qual for o título que o fundamenta, através de citação, teremos um primeiro elemento que nos permite afastar a qualificação deste procedimento como uma mera fase.

54. Não podendo a execução ser qualificada como uma fase da revisão, ou seja, não sendo possível conceber revisão e execução como um só processo, avultam as dificuldades há pouco enunciadas quer no que se prende com a possibilidade de aplicação às questões que o requerido haja suscitado como meio de defesa no procedimento de revisão do mecanismo referido no art. 96, quer no que respeita à possibilidade de as considerar abrangidas pelo caso julgado relativo.

Como vimos, a solução que resulta do art. 96 é a de que a decisão da questão suscitada pelo réu como meio de defesa não forma, em regra, caso julgado material. Isto porque para que a decisão proferida sobre aquela questão forme caso julgado material, impeditivo de nova pronúncia, terá de ser requerida a sua apreciação com essa amplitude. Se assim é, deduzido pelo requerido em procedimento de revisão um dos fundamentos que impedem a confirmação, se a decisão proferida sobre este fundamento não forma caso julgado pode o então requerido voltar a deduzi-lo em oposição à execução, agora na sua posição de executado.

55. Poderia a dupla pronúncia ser evitada através da dedução de reconvenção incidental?
Teremos, agora, de olhar os fundamentos previstos no art. 5 da Convenção de NI e no art. 5 da Convenção Interamericana. Se bem que estes fundamentos apresentem a estrutura de excepções, nem sempre se poderá dizer que o que está em causa é a invocação de direito material. Quando o requerido se defende com fundamento na violação de garantias processuais fundamentais, seguramente que invoca regras substanciais, se bem que não regras de direito substantivo ou material.

Haverá alguma razão substancial que imponha resposta negativa quando se pergunta se sobre questões como a acabada de referir pode requerer-se a apreciação com força de caso julgado material? Como há pouco dissemos, o sentido da restrição do campo de aplicação do art. 96/2 assenta no facto de não poder pedir-se apreciação incidental de matéria adjectiva quando a questão suscitada pelo réu como meio de defesa e a decidir tenha apenas relevância na concreta instância em que é colocada. Assim sucede quando o meio de defesa é uma excepção dilatória em sentido próprio, ou seja, quando o demandado se defende alegando a falta de pressupostos processuais objectivos ou subjectivos. Mas já não é necessariamente assim quando o demandado, apesar de se defender com a alegação de regras processuais, visa obter uma decisão cujos efeitos se não esgotam necessariamente na concreta instância em que aquela é proferida; assim sucede se o requerido visa a apreciação de uma questão que respeita, não à regularidade da conformação da instância em que a decisão sobre tal questão deve ser proferida, mas sim à regularidade de uma outra instância ou acto nela praticado, quando este último pode ter efeito externo. Exactamente isto ocorre quando o requerido em procedimento de revisão e confirmação visa impedir a procedência, com fundamento em razões adjectivas ou materiais: impedindo a revisão, se a decisão arbitral for uma decisão condenatória, impedirá a formação de título.

8.3. Reponderação do sistema traçado: o processo de revisão enquanto meio exauriente

56. Os resultados a que se chegaria e que resultam de se aceitar como criando os arts. V da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana um concurso de meios processuais sem relação de preclusão entre si, apesar de terem apoio na letra daqueles textos legais são, do nosso ponto de vista, indesejáveis. O processo de revisão é o procedimento através do qual se procede à decisão acerca da validade e da legalidade da decisão proferida por tribunal ou por árbitros no estrangeiro. E esta questão deve ter-se por arrumada uma vez transitada em julgado. O meio de a questionar não é a oposição à execução, é o recurso. Por esta razão, esgotada a jurisdição relativa ao objecto da revisão, as questões de que depende a produção de efeitos de uma decisão arbitral estrangeira em Portugal ficam definitivamente decididas, tenham sido ou não concretamente apreciadas. O processo de revisão é exauriente, nele vigorando o princípio da concentração da defesa. Assim sendo, está prejudicada a invocação, em oposição à execução, de fundamentos que poderiam ter sido deduzidos em oposição à revisão. Deste modo, a construção do sistema de revisão de sentenças arbitrais estrangeiras em torno do princípio da preclusão dos fundamentos de oposição impede, inclusivamente, que o executado possa deduzir em oposição à execução fundamentos invocados e rejeitados na oposição à revisão. Tanto porque deve ser invocado o ónus de concentração, como porque nenhum sentido teria colocar em vantagem na execução aquele que invocou um fundamento na revisão, que foi rejeitado pelo tribunal, relativamente àquele que nenhum fundamento invocou na revisão.

Esta solução é aquela que uma interpretação funcional dos arts. 5 da Convenção de Nova Iorque e 5 da Convenção Interamericana, não obstante a respectiva redacção impõe. Com efeito, não pode esquecer-se que textos com a natureza dos que acabam de referir-se têm necessariamente de poder aplicar-se mesmo quando não seja exigido no Estado da execução um prévio procedimento de reconhecimento.

Se este seria o sistema desejável, diremos que a redacção do art. 5 da Convenção de Nova Iorque e do art. 5 da Convenção Interamericana permitem a dúvida. Ao atribuir uma dupla eficácia aos fundamentos neles previstos, quando a execução pressupõe a revisão, a letra da lei permite nela vislumbrar um concurso real de pretensões processuais.

9. Balanço final

57.
Uma das melhores formas de apreendermos a coerência e a completude de um sistema consiste em observá-lo a partir de pontos que não sejam os pontos típicos de observação. E se o sistema for testado na sua potencial aplicação a tipos que não são tipos de frequência chega-se por vezes a resultados dogmaticamente riquíssimos, que motivam o observador a repensá-lo globalmente, assim o fazendo evoluir.

Se é evidente que o intérprete não deve partir do princípio de que o legislador, ao consagrar determinada solução, não representou, nesse momento, a globalidade da realidade a que ela é potencialmente aplicável, esquecendo os tais tipos não frequentes, sabemos todos nós que a base de facto desta regra de interpretação, que pressupõe um legislador abstracto e humanamente inexistente, não é nem psicológica nem sociologicamente defensável. Porque todos nós sabemos que assim é, nenhum de nós poderá entender como crítica fulminante o facto de se afirmar que o legislador, ao reformar um sistema, se esqueceu de tipos que não são tipos de frequência.

Assim parece ter sucedido, em alguma medida, com o instituto da arbitragem. Como vimos, ele desafia uma multiplicidade de institutos, que não estão pensados e assentes em realidades similares àquelas em que assenta a arbitragem. Instituto que, ainda por cima, tem hoje uma conformação radicalmente diversa daquela que apresentava aquando da grande alteração ocorrida no sistema processual na década de trinta do século passado.

58. A matéria da execução, porque representa o culminar de uma crise e a intervenção de meios coercitivos, é sempre um bom domínio para se testar a coerência e a adequação de um sistema aos tais tipos não frequentes.

Analisada a partir do prisma da decisão arbitral, a estrutura que é a execução, tal como desenhada pelo legislador nacional, apresenta alguns desajustes que poderiam ser facilmente ultrapassados. Quem sabe se numa futura reforma, em que o sistema seja pensado como um todo e não somente nos seus tipos de frequência, estas dificuldades possam ser removidas. Supomos que, para além dos diversos problemas que a análise que empreendemos sobre os meios de impugnação revelou, aqueles que agora deixamos anotados em sede de execução são problemas reais e relevantes para quem recorre à arbitragem. A criação de um regime que os contemplasse expressamente seria por certo opção bem-vinda pelos diferentes operadores.

Junho de 2007




Notas:

(1) Todos os preceitos indicados sem fonte pertencem ao Código de Processo Civil.

(2) Sem esta expressa consagração e atendendo a que estaríamos perante o exercício de poderes públicos (o exercício da jurisdição) por privados, as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais não poderiam ser consideradas actos jurisdicionais, produtores dos seu efeitos típicos.

(3) Zwangsvollstreckungsrecht, 11.ª, CHBeck, München 1997, § 1.III.

(4) PEDRO GONÇALVES, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina. O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas, Almedina, Coimbra 2005, p. 578 e segs. (p. 582)

(5) As demais vantagens, que não têm repercussão directa naquilo que agora se expõe, são a possibilidade de escolha do decisor (un giudice su misura, na expressão de Carnelutti), escolha que tenderá a recair em peritos na matéria do conflito, a celeridade na obtenção da decisão, a eventual menor onerosidade do processo e a possibilidade de conformação do procedimento. Não pode deixar de ponderar-se que de um ponto de vista da arquitectura do sistema e independentemente da respectiva praticabilidade, esta última característica já não pode dizer-se, no ordenamento nacional, uma vantagem da arbitragem a partir do momento em que foi consagrado entre nós o princípio da adequação formal.
A estas vantagens, que são assinaladas por SCHWAB/WALTER, Schiedsgerchtbarkeit, C.H. Beck, I.1.II.2, contrapõem os Autores dois riscos da arbitragem. O primeiro prende-se com as arbitragens aparentemente voluntárias, mas que são impostas perante a adesão de um associado a certo tipo de instituições, e o segundo decorre da potencial parcialidade do árbitro.

(6) Semelhante questão se coloca relativamente à anulação da decisão proferida pelos árbitros quando este esquema de impugnação não seja tramitado no seio da instituição ou centro de arbitragem, sob cuja égide decorreu o concreto procedimento.

(7) Para uma hipótese mais radical, cfr. a decisão do BGH de 1 de Março de 2007, publicada na ZZP 120 (Set. 2007), 367-371. Discutia-se, na situação submetida à apreciação do tribunal, a qualificação de uma convenção e a inerente validade de uma das suas cláusulas. Segundo o acordo celebrado entre as partes, qualquer litígio emergente de um dado contrato seria resolvida por arbitragem. Porém, e aqui residia o pomo da discórdia, uma vez proferida a decisão pelos árbitros, a parte que nisso tivesse interesse, porque preservara o seu direito de acção sobre a matéria decidida, poderia intentar a competente acção junto dos tribunais judiciais de primeira instância num prazo predeterminado. O BGH, não só considerou que semelhante convenção era uma convenção de arbitragem, como entendeu ser válida, à luz do regime da arbitragem voluntária, constante da ZPO, a cláusula de reserva do direito de acção. Muito crítico quanto a esta solução, que considera implicar uma degradação injustificada da decisão arbitral por confronto com a decisão judicial, REINMAR WOLFF, anotação ao aresto identificado, ZZP 120 (Set. 2007), 371-377.

(8) ZÖLLER, Zivilprozessordnung, Otto Schmidt, § 1029, n.° 9.

(9) REDFERN/HUNTER, Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 164.

(10) Relatando as dúvidas suscitadas em torno da decisão arbitral, bem como os limites ao princípio da equiparação,

(11) Zivilprozessordnung, 6.ª, C. F. Müller, Heidelberg 2002, p. 1518 (anotação ao § 1055).

(12) Mereceria particular atenção a matéria da decisão proferida na designada arbitragem contratual, em que, conforme se estabelece no art. 1/3 da Lei n. 31/86, ao árbitro não é pedida a decisão de um conflito, em sentido técnico, mas a interpretação ou integração de uma cláusula contratual. Se esta intervenção determina o sentido vinculante e o conteúdo do acto de autonomia, ela não é susceptível de ser qualificada como uma decisão, passível de execução, pois não se destina a declarar heteronomamente a existência de um dever de prestar. Sobre este aspecto, MARIA CRISTINA PIMENTA COELHO, A Convenção de Nova Iorque de 10 de Junho de 1958 relativa ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, Revista Jurídica da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, n.° 20, Outubro de 1996, 37-71 (40-41).

(13) Apesar da aparente simplicidade do enunciado, é evidente que ele esconde um imenso problema: o da determinação da lei aplicável ao procedimento arbitral. Com efeito, não pode perder-se de vista, nas incisivas palavras de MANUEL BOTELHO DA SILVA, que “a proposição que dita que a LAV (ou qualquer uma lei de arbitragem territorialista) se aplica a todas as arbitragens que ocorram em território português, sendo de todo irrelevantes quaisquer estipulações das partes ou dos árbitros em contrário apenas será verdadeira se nos mantivermos na perspectiva ilusória do sistema jurídico português. Não resiste à percepção da realidade por uma adequada óptica relativista, sendo não falsa apenas no restrito ponto de vista estatal”. Cfr. Autor cit., Arbitragem voluntária. A hipótese da relatividade da posição do árbitro perante o direito de conflitos de fonte estatal, Almedina, Coimbra 2004. Cfr, com desenvolvimento, LIMA PINHEIRO, Arbitragem transnacional. A determinação do estatuto da arbitragem, Almedina, Coimbra 2005, § 49 e segs.. Em sentido divergente e numa perspectiva que se subscreve, demonstrando que a deslocalização da arbitragem internacional é “inadmissível e desmentida pelo direito positivo contemporâneo”, que a observa como “um desvio ao monopólio público da função jurisdicional, que os Estados apenas consentem na medida em que se reservam a faculdade de regulamentar e fiscalizar o processo e a decisão arbitrais, através da sujeição destes a regras imperativas e da concessão às partes dos direitos de requererem a anulação da sentença arbitral e de impugnarem o seu reconhecimento e execução em caso de violação dessa regras”, DÁRIO MOURA VICENTE, A Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial e a arbitragem, ROA, ano 56 (1996), 595-618 (606-607).

(14) Para maiores desenvolvimentos, LIMA PINHEIRO, A Arbitragem transnacional cit., §§ 14, 17 e 29.

(15) MARQUES DOS SANTOS, Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior), in Aspectos do novo processo civil, Lex, Lisboa 1997, 105-155 (p. 114-115), partindo do pressuposto de que as disposições da Lei 31/86 têm natureza de normas de aplicação imediata, conclui que a decisão arbitral proferida no estrangeiro, mas que o haja sido em arbitragem que decorreu em território nacional, não é uma sentença estrangeira, mas uma decisão nacional apesar de proferida no estrangeiro. Isto implica que, para o Autor em citação e de um ponto de vista da ordem jurídica portuguesa, a Convenção de Nova Iorque apenas seja aplicável a decisões proferidas em Portugal ou no estrangeiro que provenham de arbitragens localizadas no estrangeiro.

(16) Dando conta da alteração do efeito do recurso de apelação na reforma operada em diversos domínios do processo pelo Decreto-lei n. 38/2003, de 8 de Março, PAULA COSTA E SILVA, A reforma da acção executiva, 1.ª, Coimbra Editora, Coimbra 2003, n. 22.1. Chamando a atenção para a diferença entre a percepção e a realidade das reformas pontuais a que vai sendo submetido o direito processual civil positivo, em intervenção datada de Dezembro de 2003, PAULA COSTA E SILVA, As linhas gerais da reforma do processo civil, Estudos em Honra de Ruy de Albuquerque, Coimbra Editora, Coimbra 2006, volume II, p. 383-394 (p. 383-385).

(17) ZÖLLER (GEIMER), Zivilprozessordnung, 26.ª, Köln 2007, § 1060, Rn. 1.

(18) MARQUES DOS SANTOS, Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior), in Aspectos do novo processo civil, Lex, Lisboa 1997, 105-155 (p. 105), enunciando os diversos tipos de efeitos que a decisão estrangeira pode provocar.

(19) Não será feita qualquer menção à Convenção Europeia uma vez que ela não releva directamente na ordem jurídica portuguesa.

(20) REDFERN/HUNTER, Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 530-531.

(21) Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 531.

(22) A opção concedida ao legislador interno resulta da compreensão do direito convencional como constituindo uma obrigação para o Estado de reconhecer decisões arbitrais se verificadas determinadas condições e não como criando proibições de reconhecimento. ZÖLLER (GEIMER), Zivilprozessordnung, 26.ª, Köln 2007, § 1060.

(23) Um dos aspectos polémicos desta regra consiste em determinar qual o sistema à luz do qual deve ser concretizado o contraditório, se o sistema do Estado de origem, se o sistema do Estado do reconhecimento. Sobre esta questão, REDFERN/HUNTER, Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 532-533.

(24) Ao empregar-se a expressão vinculatividade quer afirmar-se ser a decisão a rever insusceptível de uma impugnação de mérito no Estado de origem.

(25) Acerca dos problemas suscitados por esta previsão, que funciona como uma cláusula de remissão para os sistemas internos quanto às causas que permitem a suspensão ou anulação da decisão arbitral, REDFERN/HUNTER, Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 538-539.

(26) No mesmo sentido, LEBRE DE FREITAS, Competência de tribunal de execução para a liquidação da obrigação no caso de sentença genérica arbitral, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66 (Jan. 2006), 119-130.

(27) REDFERN/HUNTER, Law and practice of international commercial arbitration, 4.ª, Thomson, London 2004, p. 92, que assim chamam a atenção para o facto de, na maioria das arbitragens internacionais, a lex arbitri não coincidir com a lei aplicável ao mérito.

(28) Sobre a manipulação das estruturas processuais, PAULA COSTA E SILVA, A reforma da acção executiva, 3.ª, Coimbra Editora, Coimbra 2003, n. 10; Títulos executivos europeus, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 5 segs..

(29) Sobre este aspecto, PAULA COSTA E SILVA, A reforma da acção executiva, 3.ª, Coimbra Editora, Coimbra 2003, n. 10.

(30) LIMA PINHEIRO, Arbitragem transnacional. A determinação do estatuto da arbitragem, Almedina, Coimbra 2005, p. 177 e segs..

(31) O que se afirma no texto pressupõe que se entenda que a parte com legitimidade para instaurar a acção de anulação é a parte vencida. Esta coincidência resulta de se aceitar que a parte prejudicada com a anulação é a parte contra a qual a decisão pode ser ulteriormente invocada. Neste sentido, ZÖLLER (GEIMER), Zivilprozessordnung, 26.ª, Köln 2007, § 1059, Rn. 3.
Quanto à admissibilidade da propositura de acção de anulação contra as partes por terceiro, que haja aderido à convenção ou ao procedimento, ZÖLLER (GEIMER), Zivilprozessordnung, 26.ª, Köln 2007, §§ 1055, Rn. 7 e 1059, Rn. 3.

(32) Processo de execução, volume 2.°, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 1985, p. 37.

(33) Relativamente à aplicação à oposição à execução fundada em decisão arbitral do art. 814 levanta-se uma questão muito curiosa, para a qual foi chamada a nossa atenção pelo Dr. NUNO SALAZAR CASANOVA. Esta respeita a articulação do fundamento de oposição, previsto na al. g) do art. 814, com os poderes de cognição de todos os litígios respeitantes a determinado litígio a um tribunal arbitral. Talvez que a pista de solução seja constituída pelo art. 25 da Lei 31/86, concluindo-se no sentido de a competência do tribunal arbitral, uma vez cessado o seu poder jurisdicional, se não estender aos factos supervenientes, podendo estes ser conhecidos, sem preterição de tribunal arbitral voluntário, pelo tribunal da execução. ZÖLLER (GEIMER), Zivilprozessordnung, 26.ª, Köln 2007, § 1060, Rn. 4 e 4b, opera uma distinção quanto aos factos/excepções supervenientes, negando jurisdição aos tribunais estaduais para conhecerem, no procedimento de exequatur da decisão arbitral, de excepões materiais abrangidas pela convenção, logo pela competência do tribunal arbitral.
Bem mais complexa é outra hipótese, também levantada pelo Dr. NUNO SALAZAR CASANOVA, e que é constituída pela execução de títulos extrajudiciais quando a resolução de litígios referentes a situações jurídicas, por eles representadas, haja sido cometida a tribunal arbitral. Nesta situação, atendendo à potencial amplitude objectiva da oposição à execução, suscitar-se-á a questão do conflito entre a jurisdição estadual e a jurisdição arbitral. Atendendo ao objecto específico deste estudo (a sentença arbitral e não os títulos extrajudiciais) e à complexidade do problema (insusceptível de apreciação incidental), sobre ele não será aqui tomada posição. No entanto, também aqui apontaremos uma das que nos parecem ser as pistas de solução: o art. 96/1 do CPC. Esta regra dará competência ao tribunal da execução para conhecer das questões suscitadas pelo executado como meio de defesa, sendo certo que o acesso a uma jurisdição, onde a invocação da preterição do tribunal arbitral se manifesta possível, provocando a inadmissibilidade da oposição, depende exclusivamente do impulso do exequente. Quer isto dizer que se não se admitir a dedução da oposição na execução por preterição de tribunal arbitral, ou seja, se se afastar a aplicação do art. 96/1 a esta situação concreta, terá de se aceitar a suspensão da instância executiva até proferimento de decisão arbitral sobre a questão suscitada pelo executado na oposição.
Aceitando uma extensão de competência, fundada no art. 96/1, do tribunal da acção para as questões abrangidas por convenção de arbitragem, LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil anotado, volume 1.°, sub art. 96, n. 3.

(34) Algo diversamente, cfr., no direito alemão, o § 1060.II.3 da ZPO, onde se dispõe que o decurso do prazo para a propositura da acção de anulação impede que sejam considerados, no procedimento de exequatur (e não na execução), causas de anulação, que sejam de conhecimento oficioso. Estas causas constam do § 1059.II.2 da ZPO e coincidem com os fundamentos de recusa de reconhecimento, previstos no art. V.2 da Convenção de Nova Iorque.

(35) Assim e para as sentenças homologatórias, bem como para as demais situações de concurso de meios processuais, ANSELMO DE CASTRO, A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra Editora, Coimbra 1970, p. 282 e segs..

(36) Não obstante a relativa segurança das soluções que pudemos propor, tudo se complicará, como é evidente, se a própria oposição à execução for constituída por uma pluralidade objectiva em regime de cumulação. Em outra circunstância retomaremos este ponto.

(37) Manifestando-se crítico quanto à aplicabilidade do art. 815 do CPC à execução de decisões arbitrais estrangeiras, LIMA PINHEIRO, Arbitragem transnacional. A determinação do estatuto da arbitragem, Almedina, Coimbra 2005, p. 311 e 313 e segs..

(38) CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 212.

(39) ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.°, Coimbra Editora, Coimbra 1960, p. 283.

(40) LEBRE DE FEITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.°, sub art. 96, n. 3.

(41) A expressão apreciação incidental será tomada no sentido de apreciação com proferimento de decisão que deverá formar caso julgado material. Em sentido muito próximo, TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lex, Lisboa 1995, págs. 180-181.

(42) Numa discussão que, para o presente objectivo, nada tem de específico, discute-se se esta cumulação objectiva impõe o preenchimento dos demais pressupostos de que depende a admissibilidade de qualquer cumulação objectiva. Sobre este ponto, CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 216 e segs.; LEBRE DE FEITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil anotado, vol. 1.°, sub art. 96, n. 3.

(43) ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.°, Coimbra Editora, Coimbra 1960, p. 283.

(44) CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 198.

(45) Admitindo esta hipótese, CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 215.

(46) Por todos, CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 174 e segs..

(47) CASTRO MENDES, Limites objectivos do caso julgado em processo civil, Edições Ática, s.l. mas Lisboa, s.d. mas 1968, p. 198.

14/01/2025 19:01:55