Rui Tavares Correia - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2007
Notas:
(1) Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, 2001, pág. 25.
(2) Alberto dos Reis, atribuía à inteira liberdade do julgador a decisão acerca da dispensa de audição prévia (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 3.a edição, Coimbra, 1982, pág. 690).
(3) As situações abusivas deverão ser evitadas quando se mostre que a urgência apenas resultou de um comportamento anterior do requerente v.g. quando apenas tenha interposto o procedimento cautelar para evitar determinado evento temporalmente fixado e que terá lugar em data próxima, quando o poderia ter feito antes.
(4) Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. III, Coimbra, 2004, pág. 190.
(5) Como sucede na Lei Espanhola (vd. a esse respeito Manuel Ortells Ramos, Las Medidas Cautelares, Madrid, 2000, págs. 286 e sgts..)
(6) Abrantes Geraldes, obra citada, vol. III, pág. 190. O autor segue de perto o entendimento de Giacomo Oberto (1l Nuovo Processo cautelare, Milão, 1992, págs. 33 e segts.).
(7) Situações de facto independentes da vontade do requerido, comportamentos de terceiros...
(8) Abrantes Geraldes, refere-se a um “periculum in mora” ao quadrado (obra citada, Vol. III, pág. 190).
(9) Abrantes Geraldes, obra citada, Vol. III, pág. 191).
(10) Prazo tanto mais curto quando mais evidente o fundamento da sua defesa e menos fundada a posição do requerente.
(11) Abrantes Geraldes, obra citada, Vol. III, pág. 191, e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, pág. 25.
(12) Livre investigação dos factos (Art.° 386.°, n.° 1 do Código de Processo Civil), não sujeição à medida concretamente requerida (Art.° 392.°, n.° 3 do mesmo Código), defendendo ainda, Rita Barbosa da Cruz, a possibilidade de o juiz adequar a tramitação do procedimento quando se justifique e essa tramitação não contender com a celeridade exigida para a sua decisão (O Arresto, in O Direito, ano 32, pág. 117).
(13) Vd. ponto 4. infra.
(14) Obra citada, Vol. III, pág. 192.
(15) O recurso deverá subir deforma diferida nos termos da alínea c) do n.° 1.° do Art.° 738.° do Código de Processo Civil.
(16) O juiz em regra não pode “decidir questões de direito ou de facto mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.° 3.° do Art.° 3.° do Código de Processo Civil).
(17) Acerca das nulidades pode ver-se Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra, 1945, págs. 332 e sgts..
(18) Mal se compreende, pelas razões apontadas, o regime previsto no n.° 2.° do Art.° 669.° do Código de Processo Civil, que consubstancia um recurso perante o próprio juiz que julgou a causa.
(19) Obra citada, Vol. II, pág. 187.
(20) Entre elas, a nulidade cometida, por prática de um acto fora do prazo ou a aquela que é prevista pelo Art.° 483.° do Código de Processo Civil e que cabem na previsão da parte final do n. ° 2.° do Art.° 202.° do mesmo Código.
(21) O Art.° 389.°, n.° 2.°, do Código de Processo Civil.
(22) Vd. em situações semelhantes, Alberto dos Reis, que qualifica várias tramitações como processos especialíssimos face a processos especiais (Processos Especiais, designadamente, Vol. I, Coimbra 1982, pág. 262).
(23) Que poderá não ser já aquele que proferiu a decisão, atenta a instauração da acção definitiva imposta para evitar a caducidade do procedimento.
(24) A prova será, nos termos do Art.° 386.°, n.° 4.° do Código de Processo Civil, obrigatoriamente registada quando produzida sem contraditório.
(25) Factos principais e, instrumentais (vd. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 43).
(26) Os embargos estiveram previstos até à reforma de 1995 do Processo Civil.
(27) Vd., a esse respeito, Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 284.
(28) Similar a outras (vd. situações de aclaração e reforma previstas nos Art.os 669.° 670.° do Código de Processo Civil).
(29) Vd., entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.07.2000 in B.M.J., 499, pág. 205) e Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. 1., 2.a edição, Coimbra, 2004, pág. 357).
(30) A redacção do preceito legal é questionada por Lebre de Freitas, (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, págs. 44 e 45).
(31) Os casos da reclamação da matéria de facto e da reclamação da decisão de facto, previstos pelos Art.os 511.° e 653.° do Código de Processo Civil.
(32) É este o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.03.99 (B.MJ. 485, pág. 485).
(33) Despacho de resposta a pedido de aclaração (previsto pelo Art.° 669.° do Código de Processo Civil).
(34) Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. II, 3.a edição, Coimbra 200, pág. 273.
(35) Theoria das Provas, Porto, 1880, pág. 317.
(36) Vd. por todos Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra 1996, pág. 155.
(37) Lebre de Freitas, Repetição de Providência e Caso Julgado em caso de desistência do pedido de providência cautelar, in Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra 2002, pág. 489 e sgts.
(38) Acerca do conceito de interesse em agir vd. Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, AAFDL, 1989.
(39) Vd. Abrantes Geraldes, obra citada, Vol. III, pág. 109 e sgts. e Alberto dos Reis, A Figura do Procedimento Cautelar, in. B.M.J., 3, págs. 27 e sgts..
(40) Manual de Processo Civil, Lisboa 1953, pág. 458.
(41) Alínea i) do n.° 2.° do Art.° 691.° do Código de Processo Civil na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto.
(42) Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.12.1993, in B.M.J. 432, pág. 285.
(43) Lebre de Freitas, Repetição de Providência e Caso Julgado em caso de desistência do pedido de providência cautelar, in Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra 2002, pág. 489 e sgts.
(44) Apesar da douta opinião em contrário de Lebre de Freitas, Repetição de Providência e Caso Julgado em caso de desistência do pedido de providência cautelar, in Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra 2002, pág. 489 e sgts.
(45) Obra citada, Vol. III, pág. 334.
(46) No mesmo sentido, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.a edição, Lisboa, 1997, pág. 248 e Cura Mariano, A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, Coimbra, 2003, pág. 38.
(47) Geraldes, obra citada, Vol. III, pág. 104.
(48) Vd. no Acórdão tal referência, com citação de Moitinho de Almeida e Teixeira de Sousa e ainda Eridano de Abreu, Das Providências Cautelares não Específicadas, in O Direito, ano 94, pág. 117.
DA RELAÇÃO DE LISBOA
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 12 de Julho de 2007
Pelo Dr. Rui Tavares Correia
SUMÁRIO:
1. A dispensa de prévia audiência do requerido. 1.1. Os pressupostos que permitem a dispensa de prévia audiência do requerido. 1.2. A decisão que dispensa a prévia audiência do requerido. 1.3. A impugnação da decisão que dispensa a prévia audiência do requerido. 2. O contraditório subsequente à decisão de decretamento da providência cautelar prévia ao contraditório. 2.1. Os meios de defesa do requerido. 2.2. A impugnação da decisão subsequente à oposição. 2.3. A reapreciação da decisão proferida acerca da matéria de facto. 3. A decisão final do procedimento cautelar. 3.1. A proibição de repetição da providência. 3.2. Alguns desvios impostos pela natureza da decisão final ao regime da acção definitiva. 4. Os pressupostos que determinam o decretamento de uma providência cautelar.
1.1. O Art.° 385.° do Código de Processo Civil determina que “o tribunal ouvirá o requerido excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”, em regime diverso daquele que era previsto pela versão original desse Código, de 1939. Com efeito, no Art.° 406.° do Código de Processo Civil de 1939, previa-se que o tribunal poderia ordenar as providências sem audiência prévia “quando essa audiência possa pôr em risco a utilidade da cautela”. A versão actual é mais exigente, por apenas o permitir quando o risco for de molde a poder ser julgado como “sério” ou substancial(1), estabelecendo, ainda e por outro lado, que a relevância do risco deverá aferir-se, não pela utilidade da providência, mas pela sua eficácia ou fim. A alteração não é despicienda porquanto, se prevêem, concretizando antes um conceito mais genérico e indeterminado, duas ordens de razões que poderão levar à dispensa da audição prévia do requerido (2).
A audição do requerido deverá, assim, ser dispensada quando pela finalidade intrínseca da providência requerida e a celeridade que exija, a sua tramitação não se compadeça com o prévio contraditório. As razões prendem-se, sobretudo, com a urgência que se revela necessária ao seu decretamento e que levam a evitar a dilação provocada pelo contraditório(3) (4). Mas, o conceito legal, atinente ao fim da providência, não pode circunscrever-se unicamente à urgência necessária ao seu decretamento, pois, a não ser assim, a fórmula legal da disposição citada teria circunscrito tal possibilidade a um conceito de urgência(5). A finalidade intrínseca visada pela providência transcende as razões de urgência e o seu risco deverá também ser aferido tendo em conta outros fundamentos ligados à situação objectiva que pretenda regular cautelarmente e que possam representar o exigido “risco sério” para essa finalidade.
O risco sério de eficácia da providência é outro factor que poderá levar à sua tramitação sem audiência prévia do requerido, sendo geralmente ligado a razões inerentes à situação do requerido e ao comportamento que, por este, presumivelmente, venha a ser adoptado, caso seja citado previamente(6). A apreciação da situação do requerido e do seu previsível comportamento poderá assentar em razões abstractas, comuns no comportamento social, ou em razões concretas, atinentes à pessoa do requerido e ao comportamento que dele se espera face a anteriores actuações. Mas, mais uma vez, o conceito legal não pode esgotar-se na simples ponderação do comportamento que seja previsível esperar do requerido, devendo abranger outras situações em que, independentemente desse comportamento e por força de factores objectivos ou subjectivos, exista um risco sério para a eficácia da providência cautelar que se pretende seja decretada(7).
Em qualquer situação, não basta que exista um qualquer risco devendo este ser em moldes tais que possa ser considerado “sério” ou dotado de um relevo que permita a dispensa da audição prévia. O procedimento cautelar, por natureza, exige que se verifique uma situação de perigo de demora, de risco de lesão irreparável ou dificilmente reparável do direito que se pretende exercer em sede de acção definitiva, pelo que, não basta a mera alegação de tal perigo para justificar a dispensa da audição prévia. O estado de coisas que seja invocado terá que demonstrar, não só, que tal risco que justifica o recurso à tutela cautelar existe, como ainda que, para além disso, esse risco sério justifica a tramitação sem audição da parte contrária(8)
1.2. A decisão a ser tomada acerca do contraditório prévio dependerá da apreciação da situação que seja presente ao julgador e que por este seja efectuada, não havendo produção de prova antecipada destinada a aferir a veracidade da alegação que seja efectuada pelo requerente(9). Nem se compreenderia que fosse de outra forma, atentas as razões de celeridade que presidem à decisão dos procedimentos cautelares e que não se compadeceriam com a introdução de uma fase preliminar de instrução antecedendo o julgamento de mérito. As situações em que se revele a inexistência dos pressupostos invocados pelo requerente deverão ser tidas em conta na decisão de mérito anterior ao contraditório e poderão, uma vez que o fundamento da não audição prévia é, apesar da maior concretização e acuidade exigidas, essencialmente o mesmo “periculum in mora” que constitui pressuposto do decretamento, levar ao indeferimento. O respeito pelos direitos do requerido não importaria também que fosse necessária a produção antecipada de prova para demonstrar o fundamento da não audição prévia, uma vez que este pode sempre, após a decisão que haja sido proferida antes de ser ouvido, deduzir a sua defesa e obter, em prazo relativamente curto, o levantamento da medida decretada(10).
O juiz não está vinculado a expresso requerimento para poder determinar a dispensa de audição prévia, contanto que o faça através de decisão, na qual pesada a situação que lhe seja presente, aprecie a verificação dos pressupostos que a permitem(11). A desnecessidade de expresso pedido revela o afloramento de um princípio inquisitório que existe em sede de procedimentos cautelares e em que, por força da natureza destes, nem sempre a disposição do processo pertence exclusivamente às partes. Nos procedimentos cautelares não existe propriamente um pedido, nos termos e com as características que este tem em sede de acção definitiva, sendo a providência que se pede seja decretada, antes, uma medida jurisdicional destinada a dotar de efectividade o pedido que venha a ser formulado a título definitivo. Por essa razão, e como ocorre noutras situações em sede cautelar(12), o julgador não está inteiramente limitado pela conformação que seja dada pelo requerente do procedimento, sendo-lhe lícito adequar, neste aspecto, a tramitação às finalidades de utilidade e eficácia visadas pelo legislador(13).
1.3. No Acórdão proferido entendeu-se, na esteira de Abrantes Geraldes,(14) que a decisão que dispensa a audiência prévia do requerido em sede de procedimento cautelar não especificado assenta em critérios de pura legalidade, não sendo proferida ao abrigo de um poder discricionário. O entendimento transcrito, face àquilo que antes se referiu, encontra-se absolutamente correcto e, por essa razão, permite que tal decisão seja sindicada pelo requerido logo que a ele seja notificada, através do competente recurso de agravo. Quando assim não ocorra e quando o requerido, logo após ser notificado para os termos do procedimento cautelar na sequência do seu decretamento, não interponha recurso da decisão que dispensou o contraditório prévio,(15) essa decisão transitará em julgado tornando-se definitiva dentro do processo. A decisão proferida ao abrigo do Art.° 385.° do Código de Processo Civil passará então a ser insusceptível de contestação, não podendo ser reapreciada, por via do caso julgado formal que passa a formar de acordo com o Art.° 672.° do Código de Processo Civil. Não será já assim nos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2008, em que, por tal decisão não caber na previsão do Art.° 691.° do Código de Processo Civil na nova redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, é insusceptível de recurso autónomo, podendo apenas ser impugnada quando o seja a decisão final proferida em sede cautelar.
A decisão que dispense o contraditório consagra, ainda que a título excepcional e apenas em situações que a possam justificar, a derrogação do princípio do contraditório prévio a qualquer decisão jurisdicional(16) e terá que ser tomada expressamente, através de despacho. Essa necessidade afasta a possibilidade de poder considerar-se que, por violação do contraditório, a não audição do requerido, quando decidida em violação da situação justificadora que a permite, possa constituir nulidade. E é assim, desde logo, por força da necessidade de que seja tomada por despacho, pois, ainda que esse despacho seja ilegal, nunca poderia constituir nulidade. Um despacho poderá, intrinsecamente, incluir ou dar conformação a uma nulidade processual que tenha sido praticada, mas não permitirá a reacção típica que se impõe seja utilizada em face de uma nulidade, por corresponder a uma decisão jurisdicional. Qualquer nulidade que possa ter sido praticada, no momento em que seja acolhida e sustentada por despacho, assume-se como uma decisão judicial, que podendo embora ser ilegal ou acolher a prática de uma nulidade, apenas poderá ser impugnada por via de recurso. A decisão presumir-se-á e manter-se-á legal até que seja revogada por uma outra decisão jurisdicional proveniente de tribunal superior. As nulidades são desvios ao formalismo processual, cometidas através da prática de actos ou formalidades que não são permitidos ou pela omissão de actos ou formalidades impostos, mas sempre em situações que extravazam a actividade jurisdicional decisória. Se assim não fosse, não se compreenderia qual a razão que leva a que o meio de reacção contra a nulidade seja a reclamação perante o próprio juiz da causa (17). A reclamação de uma decisão já tomada obrigaria o julgador, não apenas a reapreciar uma questão sobre a qual já se havia debruçado, como, até e em eventual procedência, a contrariar a primeira decisão proferida(18).
Situação diversa e que foi também considerada no Acórdão é a da inexistência de qualquer despacho expresso acerca da dispensa de audiência prévia do requerido, seguindo-se, apesar dessa inexistência, a tramitação excepcional prevista para a dispensa de contraditório prévio. Uma situação com esta natureza, desprovida de qualquer decisão jurisdicional que aprecie a concreta factualidade que a pode permitir e justificar, gera inequivocamente nulidade processual. No Acórdão e na sequência do entendimento seguido pela jurisprudência e doutrina que se ocuparam do problema, considera-se que a nulidade assim praticada, por preterição do acto imposto de audição prévia do requerido, é meramente processual, secundária, dependente de arguição e sujeita ao regime geral do Art.° 201.° do Código de Processo Civil. A sua não arguição tempestiva, por não corresponder a nenhuma das situações que geram nulidade principal, de conhecimento oficioso e de carácter insanável ou quase insanável, opera sanação. Pode aceitar-se este entendimento, mas a visão do problema talvez possa ser demasiado formal e olvide a importância que tem o princípio do contraditório na lei processual. Ao legislador, como afirma Abrantes Geraldes “repugnam as decisões que sejam tomadas sem a audição das duas partes interessadas”(19), razão que levou a permitir em sede de procedimento cautelar comum a ausência de audição prévia apenas em situações excepcionais e em que seja justificado contrariar a regra geral. Outros casos existem em que certas nulidades, pese embora não previstas como sendo de conhecimento oficioso, assim vêm sendo consideradas (20) por força da substancial relevância que tem o atropelo cometido para a decisão de mérito. Por outro lado, o processo, em regra e por acção da norma que determina o curto prazo de caducidade do procedimento cautelar sem audiência prévia quando não seja instaurada a acção definitiva do qual ele depende nos dez dias subsequentes ao decretamento(21), vai ser distribuído a outro juiz ainda na primeira instância. Se a nulidade de que vem tratando fosse de conhecimento oficioso o novo julgador poderia fazê-la operar a todo o tempo, mesmo sem dependência de arguição do interessado, o que não se verifica quando este esteja obrigado a suscitá-la logo após a sua citação e, em regra, ainda perante o julgador que lhe deu causa.
Existe uma nulidade, qualificada como principal que se aproxima de forma evidente daquela que consiste na não audição prévia não sustentada por despacho judicial que a determine e que é o erro na forma de processo. O procedimento cautelar comum que corra termos sem audiência prévia do requerido não constitui processo especial ou especificado, face àquele em que exista essa audiência prévia. Mas impõe uma tramitação processual, evidenciada em bastantes diversidades de regime que se afasta do normal processamento de um procedimento cautelar comum e que justifica que se possa considerar uma forma especial desse procedimento(22). As razões de segurança jurídica e de respeito pelos direitos que a partes deverão ter em determinadas formas de processo, impõem-se com acuidade também na nulidade que seja perpetrada pela tramitação do procedimento cautelar sem audição prévia quando tal forma não seja adoptada por via de um despacho judicial que pesando as razões apontadas a considerasse adequada.
2.1. A citação do requerido, efectuada apenas após a concretização da providência quando não haja prévio contraditório, faculta-lhe, em alternativa, dois meios de reacção que poderá utilizar caso não se conforme com a decisão cautelar que foi proferida e que consistem na interposição de recurso de agravo e na dedução de oposição. Deste modo, é permitido ao requerido “quando entenda que face aos elementos apurados” a providência não deveria ter sido decretada interpor o competente recurso de agravo da decisão que a decretou, obtendo a sua reapreciação por tribunal superior. Se, por outro lado, o requerido pretender “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal” e que sejam susceptíveis de alterar a decisão deverá deduzir oposição, a ser julgada em primeira instância e perante o tribunal ao qual o procedimento cautelar se encontre distribuído(23).
Por expressa determinação do Art.° 388.° do Código de Processo Civil, a utilização dos meios de reacção referidos é alternativa, não podendo ser cumulados e não sendo, também, despicienda a escolha que venha a ser feita pelo requerido. O recurso de agravo permitir-lhe-á questionar a decisão de decretamento proferida, quer no plano jurídico, questionando a legalidade da decisão face aos elementos factuais que resultaram indiciariamente demonstrados, quer no plano fático, questionando a decisão acerca da matéria de facto, face à prova que foi produzida(24). O recurso de agravo que seja interposto pode ter o alcance que teria um recurso da mesma espécie que viesse a ser interposto de uma decisão final proferida num procedimento cautelar em que tivesse existido prévio contraditório do requerido. A oposição, pelo seu lado, será adequada quando o requerido queira alegar novos factos que não tenham sido tomados em consideração pelo tribunal(25) e que possam, a ser apreciados, importar decisão diversa, ou quando queira apresentar novos meios de prova que permitam afastar a convicção antes formada pelo tribunal. O regime que actualmente disciplina a oposição corresponde, com bastantes alterações de forma e de fundo, àquele que antes disciplinava os embargos susceptíveis de serem deduzidos à decisão cautelar(26). Não obstante, e apesar da alteração legal produzida, a oposição continua a consubstanciar uma forma de defesa, a ser deduzida através de novos factos e de novos elementos probatórios, em que por acção do novo enquadramento dado à relação submetida a juízo, se permite o afastamento dos pressupostos que levaram à decisão cautelar. O julgador, perante a oposição deverá decidir a nova matéria de facto que lhe seja presente e fazer a apreciação da sua pertinência em relação ao efeito jurídico da anterior decisão, devendo ainda apreciar os novos elementos de prova que sejam produzidos e cotejá-los com aqueles que tenham levado à primitiva decisão(27).
O regime descrito manter-se-á mesmo após a vigência da alteração legislativa referente ao regime dos recursos, porquanto, o Art.° 691.° do Código de Processo Civil, na versão revista, confere sindicabilidade autónoma à decisão que pronuncie quanto à concessão providência, não distinguindo entre os casos em que essa decisão decorra de um procedimento em que tenha, ou não, sido dispensada a audição prévia do requerido. Não tendo sido efectuada qualquer alteração ao Art.° 388.° do Código de Processo Civil, caberá sempre ao requerido face a uma decisão que, sem audiência prévia, tenha decretado a providência, optar, em alternativa, pela interposição de recurso ou pela dedução de oposição.
2.2. A decisão que seja proferida em sede de julgamento da oposição, constitui, de acordo com n.° 2.° do Art.° 388.° do Código de Processo Civil, “complemento e parte integrante” daquela que foi proferida antes do contraditório do requerido. Com base nessa disposição legal(28) tem vindo a ser entendido que a primeira decisão é apenas “provisória”, não constituindo caso julgado e podendo, no conjunto que forma com a decisão à oposição, ser questionada(29) (30).
A solução preconizada encontra, todavia, difícil conciliação com os mecanismos do caso julgado formal, e é, até, contraditória com os meios de reacção que são colocados à disposição do requerido. No âmbito da lei processual civil encontram-se situações, atinentes principalmente à matéria de facto, em que a decisão proferida não podendo ser impugnada logo após a sua prolação, não constitui caso julgado, abrindo a possibilidade de impugnação, em conjunto com a decisão final que venha a ser proferida(31). Mas, tais situações permitem impugnação retardada exactamente por não ser lícito àquele que as pretenda contestar, deduzir antes essa impugnação, não admitindo reacção por via de recurso autónomo. São, por outro lado, decisões relacionadas com a matéria de facto em que, mais do que conformação jurídica e pese embora a sua estreita ligação à questão jurídica que se discute, se pretende questionar a factualidade relevante para a decisão do processo. Não é isso que ocorre com a decisão de decretamento prévia ao contraditório do requerido em que é julgado o procedimento cautelar, não apenas de um ponto de vista factual, mas sobretudo, num plano jurídico. Aliás, o Art.° 672.° do Código de Processo Civil é taxativo quando estipula que apenas não constituem caso julgado formal as decisões que não admitem recurso.
A insusceptibilidade de interposição de recurso autónomo, que evita o consequente trânsito em julgado que se verificará quando, sendo possível esse recurso, não tenha sido interposto, justifica também na revisão que foi operada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 29 de Agosto, que a generalidade dos despachos de cariz processual decisório, possam ser impugnados em conjunto com a decisão final, de acordo com o n.° 3.° do Art.° 691.° do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada por aquele diploma legal. Apesar de terem generalizado as situações que antes se descreveram e em que já assim sucedia, sendo a impugnação retardada possível, o princípio continua a ser o mesmo apenas permitindo essa impugnação retardada quando não seja admissível o recurso anterior.
Por ter natureza intrinsecamente jurisdicional, como qualquer outra decisão que venha a ser proferida em sede de procedimento cautelar, a decisão em análise deverá ser entendida como susceptível de poder conformar, a título definitivo, a situação que regulou, quando dela não seja interposto o competente recurso. Com efeito, podendo ser questionada através de recurso, quando assim não suceda, a decisão transitará em julgado, formando caso julgado formal e passando a ter que haver-se como obrigatória dentro do processo. Um entendimento diverso encontrará difícil conciliação com o instituto do caso julgado formal, que confere segurança jurídica às decisões proferidas dentro do processo e que sejam insusceptíveis já de impugnação por via de recurso. E encontra também difícil conciliação com as possibilidades de defesa concedidas ao requerido e que lhe permitem impugná-la através de recurso, quando o fundamento da sua defesa assente na ilegalidade dessa decisão original. Aliás, não cabe ao tribunal de primeira instância que aprecie a oposição, efectuar um novo julgamento da relação controvertida na forma que esta apresentava aquando da decisão anterior ao contraditório, mas apenas julgar os novos factos alegados pelo requerido e os novos meios de prova por ele apresentados. Não deverá, igualmente, considerar-se que, em sede de eventual recurso de agravo da decisão que mantenha a providência após o julgamento da oposição, o tribunal “ad quem” possa também apreciar tal questão, que não foi, através do meio próprio e em devido tempo suscitada pelo requerido(32). Tanto mais que o requerido pode, por via da oposição e através de novos meios de prova, pôr em questão a decisão de facto que antes foi proferida, tendo, na apreciação que venha a ser feita dessa prova, obter a reapreciação da decisão, podendo também fazê-lo em relação ao efeito jurídico que pretenda obter com os novos factos que invoca e com a nova decisão proferida acerca desses factos. O que não se compreende é que possa vir questionar, depois de decidida a oposição, matéria que não se circunscreve a essa oposição e que respeita unicamente à primeira decisão proferida e que não impugnou na altura devida, pretendendo, após a oposição, contestar a prova efectuada ou a conformação jurídica dada aos factos indiciariamente demonstrados. As garantias de defesa do requerido não ficarão prejudicadas porquanto, a entender este não ter sido justa a decisão prévia ao contraditório, deverá, desde logo, impugná-la por meio de recurso, uma vez que a não conformidade dessa decisão será o seu melhor e mais forte meio de defesa. Solução que, como se apontou, não é contrariada pela aplicação do regime que reformulou a matéria atinente aos recursos e que continua a não permitir a impugnação de uma decisão em sede de recurso da decisão final que pudesse ter sido impugnada antes através de recurso autónomo.
A insusceptibilidade de impugnação da decisão proferida antes do contraditório, quando não seja impugnada é consentânea com o instituto do caso julgado e não contende com a disposição legal antes citada que determina que a sentença proferida após a oposição seja parte integrante daquela. Do simples facto de passar a integrá-la não resulta necessariamente que possa ser contestada, ou que possa o conjunto formado ser impugnado de forma integral, mas apenas que, formalmente, ambas passarão a ser havidas como uma só decisão. Outras situações existem em que uma decisão passa também a constituir parte integrante de uma outra anterior para efeito de tratamento unitário de ambas em sede de recurso(33), mas, nessas situações, o requerimento que determina a nova decisão, suspende o prazo de interposição do recurso da decisão original. Nunca é dada à parte a possibilidade de recorrer da decisão original e, só mais tarde e sem que tenha usado de tal faculdade, vir a recorrer do todo constituído por ambas as decisões. E, de resto, as situações em que tal acontece são justificadas pela natureza do requerimento efectuado e que dá causa à nova decisão que justifica o tratamento unitário de ambas as decisões, em que a segunda mais não faz do que permitir a cabal apreensão da decisão anterior, relevando ainda na matéria por ela decidida.
Embora na revisão que foi introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, o regime descrito tenha sido alterado mantém-se o mesmo princípio geral de impugnação unitária da decisão e do despacho que recaia sobre um requerimento de aclaração. Não obstante, e porque o requerimento já não suspende o prazo de interposição de recurso, o recorrente poderá num novo prazo, se antes interpôs recurso da decisão final, em face do despacho que seja proferido, desistir desse recurso, alargar ou restringir o seu âmbito de acordo com a amplitude da nova decisão. A alteração da redacção do Art.° 670.° do Código de Processo Civil, manteve, pois, o carácter intrinsecamente unitário de ambas as decisões e a impossibilidade de recurso autónomo de cada uma delas, individualmente consideradas.
A situação gerada pela decisão proferida antes da audição do requerido é bem diversa, e por ela são decididas questões que por vezes são inteiramente diversas daquelas que em sede de oposição foram colocadas.
2.3. No recurso de agravo que seja interposto da decisão de mérito que incida sobre um procedimento cautelar pode ser pedida a reapreciação da matéria de facto na qual se fundou essa decisão, aplicando-se, por força do Art.° 749.° do Código de Processo Civil, o regime que, a esse respeito, se encontra previsto para o recurso de apelação.
Ao recorrente que queira obter a reapreciação da matéria de facto cabe indicar os pontos concretos dessa matéria de facto que foram, no seu entender, incorrectamente julgados pela primeira instância e indicar os concretos meios probatórios que importariam a decisão diversa que pretende seja tomada. O ónus a cargo do recorrente, como se diz no Acórdão, é, no tocante aos elementos probatórios que importam decisão diversa em relação aos pontos concretos visados, indicar os meios probatórios que imponham essa decisão e, quando se trate de prova testemunhal, indicar os depoimentos em que se funda, com referência à acta relativa à sessão em que a testemunha foi ouvida e ao início e termo da gravação. Não sendo cumprido esse ónus, a prova não poderá ser reapreciada pelo tribunal de recurso, pelo que irrelevantes serão as considerações de carácter genérico, vago ou impreciso atinentes à prova que foi produzida ou à decisão que foi tomada.
O regime descrito tornou-se, na revisão da matéria relativa aos recursos ainda não vigente, um pouco mais exigente, impondo agora o Art.° 685.°-B do Código de Processo Civil na sua nova versão, que se faça referência, não aos depoimentos que importam no entender do recorrente decisão diversa com especificação da acta, mas que se transcrevam as concretas passagens da gravação em que a impugnação se funda.
Seguindo uma posição que vem sendo postulada pelos tribunais superiores, no Acórdão, dando-se prevalência à convicção formada pelo julgador da primeira instância, entendeu-se que a reapreciação da prova não pode equiparar-se a um novo julgamento, devendo apenas servir para “correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento”. Os poderes da Relação não podem, por isso, atentar contra a liberdade de julgamento do tribunal “a quo” e a livre apreciação da prova efectuada segundo a prudente convicção do julgador acerca de cada facto, servindo, tão somente, para evitar iniquidades relevantes que possam viciar tal julgamento. A doutrina exposta resulta da conjugação dos preceitos legais já referidos e que permitem a reapreciação da matéria de facto, com as disposições que conferem a liberdade de julgamento ao julgador que tenha estado presente no acto de produção de prova, nomeadamente, o Art.° 655.° do Código de Processo Civil. No plano particular da prova testemunhal haverá que ter ainda em conta o Art.° 396.° do Código Civil.
Os princípios da oralidade e da imediação, de facto, impõem uma limitação clara à reapreciação da prova que possa vir a ser feita por um tribunal superior, em que o colectivo julgador não esteve presente no julgamento e que apenas pôde ter acesso aos depoimentos através do seu registo, que, por mais fiável que possa ser, não substitui a prestação desses depoimentos. Para além dos aspectos comportamentais e das reacções dos depoentes que são referidos no Acórdão, em consonância com Abrantes Geraldes(34), como não sendo susceptíveis de apreensão em sede reapreciação, outros elementos existem relativos aos depoimentos que estão em idênticas circunstâncias. Avulta, desde logo, nesse campo a possibilidade que tem o juiz da primeira instância, vedada ao tribunal superior, de obter da testemunha todos os esclarecimentos que entenda como pertinentes e que poderão, em conjunto com outros factores, determinar a sua convicção. Essa possibilidade, expressamente prevista pelo n.° 4.° do Art.° 638.° do Código de Processo Civil, é consequência do princípio da imediação antes mencionado e consagrado há longo tempo na ordem jurídica nacional, pois, já ensinava Neves e Castro que “a nossa organisação judiciária e nossa lei de processo permittem (…) que os juízes que hão de julgar as causas, tirem das testemunhas os esclarecimentos de que carecerem para formarem a sua convicção”(35). Este princípio, que se mantém hoje vigente(36), conjugado com o princípio da liberdade de julgamento, impede que a reapreciação da prova efectuada por tribunal superior possa ter um alcance mais amplo do que aquele que no Acórdão foi considerado, limitando esta à correcção de pontuais erros apreciação que justifiquem o cercear da livre convicção formada ao abrigo da produção de prova com imediação que teve lugar em primeira instância.
3.1. O n.° 4.° do Art.° 381.° do Código de Processo Civil proíbe a repetição de providência que, na dependência da mesma causa tenha sido julgada injustificada ou caducado. A entender o instituto do caso julgado material aplicável aos procedimentos cautelares a norma legal transcrita seria desnecessária porquanto a repetição dos elementos subjectivos e objectivos do procedimento cautelar determinaria, por simples aplicação dos Art.os 673.°, 671.° e 497.° e seguintes do Código de Processo Civil, a impossibilidade de repetição cominada por aquela norma. Lebre de Freitas entende que às providências cautelares “é inadequado o conceito de caso julgado (material)” uma vez que “o juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (…) afasta por definição a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe” (37), justificando assim a pertinência da norma proibitiva da repetição nas situações de caducidade e de injustificação.
À luz desse entendimento é evidente que também o procedimento cautelar decretado não poderá ser repetido por o efeito útil pretendido pela parte já ter sido alcançado, não carecendo esta de instaurar novo procedimento para o obter. A repetição de idêntica pretensão cautelar seria injustificada, não apenas por razões práticas, mas ainda e sobretudo por manifesta e inequívoca falta de interesse em agir(38). E, por outro lado, se no procedimento cautelar se constituísse caso julgado material, esse efeito seria muitas vezes de difícil conciliação com a acção definitiva que viesse a ser proposta. Os procedimentos cautelares têm muitas vezes um carácter antecipatório(39) regulando provisoriamente a situação jurídica que se procura que venha a ser em definitivo regulada pela acção definitiva. Ora, o caso julgado material opera ainda que não exista identidade formal entre os pedidos, bastando que, pese embora a divergência formal, os pedidos que se repetem sejam equiparados num plano substancial. A conclusão e que levou à necessidade de regular taxativamente a proibição de repetição de providências cautelares é de que a decisão nestas proferida não constitui caso julgado, ou, pelo menos, o caso julgado que forma não tem o alcance do caso julgado material.
Mas a norma não pode também, sob pena de incoerência do sistema, ser entendida fora do quadro de instituto do caso julgado. Castro Mendes entendia que “a imutabilidade” decorrente do caso julgado formal “alarga-se para fora do processo”(40). Considerava, por isso, que, apesar de ter efeitos unicamente dentro do processo onde era formado, o caso julgado formal, quando se verificassem, no âmbito de outro processo os pressupostos que permitissem a sua dedução, poderia ser invocado enquanto excepção dilatória inominada. As razões meramente processuais que levam a que uma decisão de mérito não possa ser repetida dentro do mesmo processo, levam a que igualmente não possa, fora desse âmbito, ser sujeita a novo julgamento, no qual seja discutida com o mesmo e exacto enquadramento de sujeitos, causa de pedir e pedido.
Embora nos procedimentos cautelares seja efectuado um juízo de mérito sobre a pretensão jurídica substantiva, estes têm, atenta a sua natureza, um carácter intrinsecamente processual. Os procedimentos cautelares são medidas provisórias, de carácter processual, que visam, por definição, dotar de protecção o direito, esse sim de carácter substantivo, que se pretende fazer valer através da acção definitiva. A sua vertente substantiva e de mérito, assente em juízos de verosimilhança e perfunctoriedade, encontra-se funcionalizada a essa natureza processual, apta a caracterizá-los. Mais, os procedimentos cautelares são mera dependência da acção definitiva onde se discute a situação jurídica que lhes deu causa a título definitivo, não podendo, de acordo com os prazo previstos no Art.° 389.° do Código de Processo Civil, manter-se sem ligação a essa acção. A natureza essencialmente processual do procedimento cautelar justifica que, mesmo na decisão de mérito que sobre ele seja tomada, o recurso adequado seja o de agravo, destinado a permitir a reapreciação de decisões de carácter processual e não o de apelação aplicável a decisões de mérito.
A alteração do regime dos recursos, ainda não vigente e aplicável apenas aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2008, manteve essencialmente o regime descrito. Com efeito e apesar de ter deixado de existir o recurso de agravo, sendo, em regra as decisões interlocutórias impugnadas aquando da interposição de recurso da decisão final e em conjunto com esta, foi mantida, para algumas decisões, a possibilidade de impugnação autónoma. Entre elas encontra-se o despacho que defira a providência cautelar, ordene o seu levantamento ou indefira o seu requerimento(41). O regime é, por isso e na sua essência, semelhante ao anterior, com a relevante diferença de que as decisões interlocutórias que admitiam antes recurso autónomo a subir com aquele que fosse interposto da decisão final, devem agora ser impugnadas no âmbito do recurso a interpor da decisão final. O prazo para alegações mantém-se em quinze dias, como já antes era previsto para o recurso de agravo destinado a impugnar a decisão final do procedimento cautelar, pese embora o requerimento de interposição deva agora conter as alegações. Deste modo, as razões de divergência que levavam a qualificar o recurso como sendo de agravo mantêm-se na revisão processual que foi operada e justificam a diversidade de regime face aos recursos dirigidos às decisões de mérito proferidas em sede declarativa.
3.2. A natureza da decisão que julgue o mérito dos procedimentos cautelares leva a que lhes seja inaplicável o regime previsto para a suspensão de instância por existência de questão prejudicial. O poder conferido ao juiz da causa pelo n.° 1.° do Art.° 279.° do Código de Processo de Civil de suspender a instância quando questão prejudicial esteja a ser decidida em outra acção, vinculado e assente em critérios de legalidade que permitem a sua sindicância através de recurso(42), tem o mesmo escopo, de evitar decisões contraditórias, que tem o caso julgado material. Não formando a decisão de mérito proferida em sede de procedimento cautelar caso julgado material, não se justificam as finalidades que motivam a possibilidade de suspensão por questão prejudicial em sede de acção declarativa. Aliás, a celeridade exigida na tramitação dos processos cautelares é incompatível com essa possibilidade, que destruiria, desde logo, todo o fundamento, destinado a esconjurar o “periculum in mora”, que motivara a sua dedução.
Idênticas razões relativas à natureza da decisão de mérito que se forma em sede cautelar, levam a que, a desistência de um procedimento cautelar, não possa ser configurada como desistência do pedido, nem possa ter os efeitos que esse acto terá em sede de acção definitiva(43). A desistência da providência que foi requerida terá sempre efeitos meramente processuais, como meramente processual é a natureza da decisão que se pretende obter. Diversa é a questão de saber se, por ter efeitos meramente processuais, essa desistência carecerá de acordo do requerido quando por este tenha sido deduzida a sua defesa. Não parece que deva, mesmo em sede cautelar, entender-se de modo diferente daquele que é previsto pelo Art.° 296.° do Código de Processo Civil(44), não se vendo razões para que não devam ser tutelados os direitos do requerido, que, poderá, após a decisão do procedimento cautelar, invocar essa decisão que lhe sejam favorável de acordo n.° 4.° do Art.° 381.° do Código de Processo Civil.
Outro efeito decorre ainda da natureza meramente processual da decisão final de um procedimento cautelar e que se consubstancia na livre possibilidade de conformação que é dada ao juiz, pois nos termos do n.° 3.° do Art.° 392.° do Código de Processo Civil, “o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida”. Deste modo e para Abrantes Geraldes “o tribunal, na altura em que profere a decisão, não está vinculado à concessão da medida cautelar individualizada pelo requerente, tendo a liberdade para integrar na decisão a medida que entender mais adequada a tutelar a situação e determinar aquilo que melhor favoreça a conservação do direito do requerente ou a antecipação dos efeitos que através da acção definitiva se procuram atingir”(45) (46). Este regime não poderia conciliar-se com facilidade com uma natureza substantiva que à decisão pudesse ser assacada e que justificaria a limitação do tribunal, de acordo com o princípio dispositivo, aos concretos efeitos expressamente pedidos pelo requerente. Os limites da condenação previstos pelo Art.° 661.° do Código de Processo de Civil apenas encontram justificação quando a sentença de mérito que seja proferida regule definitivamente a questão suscitada e, em que, por essa razão, seja mais premente a tutela do dos direitos do réu de apresentar defesa apenas perante aquilo que tenha sido peticionado.
4. Para que possa ser decretada, ou mantida após oposição, uma providência cautelar, necessário será que estejam demonstrados dois pressupostos essenciais e que consistem na aparência do direito e no risco de lesão irreparável ou dificilmente reparável desse direito. A demonstração de qualquer um desses pressupostos deverá ser efectuada de forma perfunctória sendo, porém, mais exigente sem que deixe de ter tal carácter que é imposto pela celeridade e pela provisoriedade inerentes aos procedimentos cautelares, a demonstração do segundo desses pressupostos(47). O risco de lesão, irreparável ou dificilmente reparável, é, na verdade, o pressuposto cuja demonstração permite o recurso à tutela cautelar, devendo ser criteriosamente apreciado e fundado em factos objectivos que o permitam e que justifiquem a adopção de uma medida provisória que implicará a intervenção na esfera jurídica do requerido.
Outros dois pressupostos continuam ainda a ser indicados como necessários ao decretamento de um procedimento cautelar e que, são, nomeadamente, a inexistência de procedimento especificado que preveja a situação que é trazida a juízo e a adequação da medida solicitada para evitar a lesão(48). De acordo com os contornos que agora tem o regime dos procedimentos cautelares, os pressupostos referidos perderam alguma actualidade. A adequação de medida solicitada à efectividade do direito deverá ser aferida pelo julgador, podendo este, como se apontou, determinar a medida que, perante a relação controvertida que lhe seja presente, seja verdadeiramente adequada à protecção do direito que se pretende acautelar e não estando limitado por aquilo que o requerente tenha expressamente peticionado. O princípio da adequação formal e os mecanismos relativos ao erro na forma de processo são também susceptíveis de permitir que a tramitação indicada pelo requerente seja alterada para aquela que, correspondendo verdadeiramente à sua pretensão, seja a própria de um procedimento cautelar especificado. Nada impede também que tais actos de adequação, motivados pela prevalência substancial e detrimento da mera realidade formal, seja praticados em sede de recurso, desde que da sua prática não resultem violados os direitos da partes.