Clemente V. Galvão: "Conteúdo e incumprimento do contrato de compra e venda de participações sociais"
CONTEÚDO E INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
— um contributo —
Pelo Dr. Clemente V. Galvão *
Sumário:
1. Introdução. 2. O contrato de compra e venda de participações Sociais. 2.1. Enquadramento e panorama da doutrina portuguesa. 2.2. Reflexão sobre o problema e posição adoptada. 2.3. Não desconsideração da personalidade jurídica 2.4. Medida da garantia. 3. Relação com o erro e responsabilidade pré-contratual. 4. Coisa onerada ou coisa defeituosa? 5. Cláusula de declarações e garantias do vendedor. 5.1. Enquadramento. 5.2. Alguns exemplos práticos. 5.2.1. Limites temporais das declarações e garantias (“survival period”). 5.2.2. Cláusula de não garantia. 5.2.3. Contingências não previstas no contrato. 6. Conclusões
1. INTRODUÇÃO
Este artigo pretende desenvolver um pequeno estudo publicado na revista Actualidad Jurídica Uría Menéndez, dedicado ao tema das cláusulas de declarações e garantias nos contratos de compra e venda de empresas (1).
Passados quatro anos da sua publicação, a contínua reflexão sobre estes assuntos ao longo da minha vida profissional, bem como alguns estudos académicos entretanto publicados (2), fizeram-me rever este tema de forma um pouco mais aprofundada.
Tendo em atenção a complexidade da matéria em causa, este trabalho tenta apenas contribuir com algumas sugestões para a construção de um tratamento jurídico coerente, à luz da ordem jurídica portuguesa, do conteúdo e incumprimento do contrato de compra e venda de participações sociais, bem como da chamada cláusula de declarações e garantias habitualmente constante deste tipo de contratos.
Com uma forte preocupação prática, tentar-se-á ainda demonstrar a importância do tema mediante a análise de algumas cláusulas em concreto.
2. O CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
2.1. Enquadramento e panorama da doutrina portuguesa
Estamos, portanto, no domínio do contrato de compra e venda regulado nos artigos 874.º e seguintes do Código Civil (“CC”). Note-se que o contrato de compra e venda de participações sociais de sociedades comerciais é um contrato objectivamente comercial, pelo que se têm que ter em conta a este respeito os artigos 463.º e sgs. do Código Comercial.
A questão essencial prende-se em saber se o regime da compra e venda de coisas oneradas e defeituosas, previsto nos artigos 905.º e 913.º do CC, pode ser aplicado à compra e venda de participações sociais quando os problemas detectados dizem respeito, não à participação social em si, mas à situação subjacente da sociedade em causa, i.e. ao conjunto dos activos e passivos (direitos e obrigações) detidos pela pessoa colectiva cujo capital social é objecto da transacção.
A dificuldade teórica reside, por um lado, no facto de tal regime ter sido directamente concebido para a venda de coisas (ou, se quisermos ser mais rigorosos, para a venda do direito de propriedade sobre coisas), sendo discutível a medida em que as participações sociais podem ser consideradas como uma coisa para efeitos jurídicos (3). Por outro lado, o facto de o objecto do contrato de compra e venda ser a própria participação social e não os activos e passivos da sociedade, significaria que a situação subjacente da sociedade não poderia ser considerada como qualidade da participação social para os efeitos em análise, ficando de fora do conteúdo do contrato.
Dir-se-ia, portanto, não ser possível a aplicação deste regime aos defeitos da situação subjacente da sociedade em causa, devendo a tutela do comprador das participações sociais, quando não expressamente acautelada no contrato, ser alcançada mediante outros institutos, nomeadamente o erro, a responsabilidade pré-contratual por violação de deveres de informação ou o enriquecimento sem causa.
Contudo, a possibilidade da aplicação das regras dos artigos 905.º e 913.º do CC é desde logo bastante apelativa, não só porque consistem em disposições legais do regime da compra venda fortemente enraizadas na doutrina e jurisprudência, de tradição muitas vezes centenária, quando não milenar (4), mas também pela constatação do facto óbvio de que quem adquire uma participação social o faz como um meio de atingir um fim: beneficiar, de alguma forma, do conjunto de direitos e deveres de que a sociedade em causa é titular e que formam na maior parte dos casos uma empresa, entendida como um conjunto organizado de factores produtivos.
Vários autores portugueses já admitiram expressamente a aplicação deste regime quando confrontados perante um vício, não das participações sociais em si, mas da empresa de que a sociedade é titular (5).
Esta aplicação tem sido feita, no entanto, de forma prudente, procurando-se um critério definidor suficientemente forte para se conseguir ultrapassar a barreira teórica acima indicada.
O critério utilizado consiste, via de regra, na verificação de quando, pela transmissão das participações sociais, se visa transmitir a empresa detida pela sociedade. Só assim, quando a intenção do comprador das participações sociais for claramente adquirir o controlo da empresa para dela beneficiar, fica suficientemente justificada a analogia das situações para se aplicarem os referidos artigos aos vícios da própria empresa.
O raciocínio baseia-se, portanto, em dar um tratamento uniforme à compra e venda de empresas, quer quando a mesma é feita directamente, mediante um trespasse do estabelecimento, ou indirectamente, mediante a compra e venda das participações sociais.
Note-se que esta uniformidade não significa qualquer desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
Para saber quando se estaria perante uma forma de aquisição de empresas, sem prejuízo de não haver uniformidade nos critérios utilizados, a generalidade dos autores atribui relevância significativa, se bem que em alguns casos não definitiva, à percentagem transmitida do capital social da sociedade titular da empresa: só quando se transmita a maioria do capital ou, pelo menos, uma percentagem que permita o controlo da sociedade, se pode falar em compra e venda de empresas e logo fazer aplicar os artigos 905.º e 913.º às qualidades da empresa detida pela sociedade.
A este critério podem juntar-se outros como, por exemplo, o fim destinado às participações sociais e o modo de formação do preço.
Contudo, refira-se de novo que não há, tanto em Portugal como no estrangeiro, unanimidade nos critérios e na medida da sua ponderação (6).
Nos outros casos, não sendo possível sustentar que a aquisição da participação social representa a aquisição de uma empresa, por, por exemplo, se estar a adquirir apenas uma participação minoritária, não será possível recorrer ao referido regime, restando o recurso a outros institutos para a definição dos interesses em jogo (nomeadamente o erro e a responsabilidade pré-contratual, sobre os quais mais será dito adiante).
O regime da compra e venda de participações sociais ou melhor, do seu conteúdo e incumprimento, será assim diferente consoante o contrato se traduza numa aquisição da empresa subjacente à sociedade em causa ou não.
2.2. Reflexão sobre o problema e posição adoptada
Chegado aqui, cumpre desde logo realçar que discordo deste “estado de coisas” num ponto essencial.
Com efeito, se o caminho da interpretação do contrato (7) é de facto o instrumento correcto para sustentar a aplicação dos artigos 905.º e 913.º e sgs. à compra e venda de participações sociais enquanto compra e venda de empresas (e parece inegável que o é), considero que não se foi ainda longe o suficiente neste sentido e que, perante um obstáculo teórico de natureza essencialmente formal (i.e. a dificuldade da qualificação da participação social como uma coisa e a constatação de que objecto do contrato é a participação social e não os activos e passivos da sociedade), se está a tratar de forma diferente o que, no fundo, deverá ser tratado de forma igual, porque o é, na sua essência.
A pedra de toque da discórdia reside no facto de não considerar justificável a aplicação do regime dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC apenas aos casos em que se adquire o controlo da empresa ou o estatuto de empresário, mas sim que tal aplicação, a ter lugar, deve ser a regra em qualquer compra e venda de participações sociais, independentemente da percentagem envolvida (8).
A razão é simples: como acima se disse, ninguém, por via de regra, compra uma participação social abstraindo da situação subjacente da sociedade em causa, mas como forma de aceder, de beneficiar, directa ou indirectamente, da situação da referida sociedade ou, o que é dizer o mesmo, do conjunto de direitos e deveres detidos pela sociedade.
E isto é assim tanto quando se adquire uma posição, maioritária ou minoritária, numa sociedade que explora determinado estabelecimento comercial, como quando a sociedade não detém qualquer empresa. Pense-se na aquisição de uma sociedade “vazia”, em que o comprador pretende isso mesmo e a sociedade é assim vendida, enquanto tal. Porquê recusar, neste último caso, perante a existência inesperada e desconhecida de uma dívida na referida sociedade, que o comprador possa recorrer ao regime da garantia edilícia?
Sendo a sociedade comercial, enquanto pessoa colectiva, um instrumento técnico-jurídico para organizar actividades económicas, a aquisição de uma participação social reflecte sempre a intenção de adquirir, ou melhor, de participar em algo mais do que os direitos e deveres sociais inerentes à posição de sócio ao abrigo do Código das Sociedades Comercias (“CSC”): no contrato de compra e venda, a participação social objecto do contrato e o próprio contrato não fazem qualquer sentido separados da situação (económica, jurídica, etc.) subjacente da sociedade.
Isto é fácil de constatar em qualquer processo de aquisição de participações sociais, sejam elas da totalidade do capital social, maioritárias ou minoritárias, ou mesmo na aquisição de uma sociedade “vazia”.
As preocupações do comprador acerca da situação subjacente da sociedade são semelhantes, a sua relevância para a formação do preço também. O comprador de participações minoritárias realiza também, muitas vezes, um cuidadoso processo de due diligence (9).
Isto quer dizer que, à luz dos usos perfeitamente estabelecidos do tráfego jurídico e de tudo o que é expectável entre as partes, interesses que estão subjacentes aos artigos 236.º e sgs. e 905.º e 913.º do CC, a declaração negocial do comprador ao adquirir uma participação social nunca fica limitada à mera participação social, isolada dos activos e passivos da titularidade da sociedade em causa, integrando-os sempre, em alguma medida.
Nem se diga que a aquisição de uma posição minoritária, por não reflectir a aquisição da posição de empresário, dirigindo-se meramente à realização de mais-valias ou à obtenção de dividendos, não merece a referida equiparação.
Então a forma básica de um sócio (único, maioritário ou minoritário) obter proveito económico de qualquer sociedade, ou empresa, não é através da distribuição de dividendos ou, optando-se pela venda, de mais-valias? Não são todas as operações de “private equity” realizadas com o intuito primário de obter “meramente” mais-valias numa venda posterior?
E porque deve o adquirente de uma posição assumidamente minoritária (e que a comprou para realizar uma mais-valia) ser tratado de forma diferente do adquirente de uma posição maioritária, quando as preocupações de ambos relativamente à realidade subjacente da sociedade foram iguais e o processo de venda incidiu exactamente sobre os mesmos temas?
E que regime será aplicável àquele que adquire apenas uma quota-parte de um estabelecimento comercial?
As incongruências e dificuldades são múltiplas.
A falha deste género de entendimento reside no facto de se considerar necessário equiparar a aquisição da participação social à aquisição do estabelecimento, por via da aquisição do controlo da sociedade, para se aplicar o regime da garantia edilícia à compra e venda de participações, quando o que desde logo justifica e define a aplicação de tal garantia à transmissão do estabelecimento tout court é não tanto estarmos perante uma coisa composta, mas o ser expectável para um comprador da totalidade ou de uma quota-parte do estabelecimento que este corresponda a certas expectativas e tenha as mesmas qualidades da categoria a que pertence. A redacção dos artigos 905.º e 913.º do CC é bastante elucidativa a este respeito.
Isto significa que o comprador, ao adquirir uma participação social, maioritária ou minoritária, conta que aquela sociedade tenha uma situação subjacente em consonância com o que é expectável no caso em apreço, traduzindo a sua declaração negocial, inevitavelmente, também uma representação e declaração de vontade sobre a referida realidade subjacente, não existindo à partida qualquer razão para o tratamento diferente destas situações.
Recorrendo aos brilhantes ensinamentos de J. Baptista Machado (10), a designação da participação social efectuada pelas partes integra na realidade (e também de acordo com os usos e costumes do tráfego e, logo, de forma previsível para as mesmas), não só o feixe de direitos e deveres societários expectáveis ao abrigo do CSC, como também as qualidades económicas da categoria da sociedade
Nem se diga aqui que, por se estar a tratar de uma transmissão de direitos e não de coisas, os princípios jurídicos são outros.
Sem prejuízo da lógica do raciocínio, parecem existir diversos argumentos relevantes que permitem ultrapassar esta aparente dificuldade.
Em primeiro lugar, e como realçam os referidos autores, a compra e venda é construída no CC em sentido amplo, abrangendo também a compra e venda de direitos. Eu acrescentaria: o CC trata sempre a compra e venda como uma compra e venda não de coisas, mas de direitos. Assim, quando eu “vendo uma coisa” em linguagem corrente, estou de facto, em sentido técnico-jurídico, a alienar um direito subjectivo sobre aquela coisa (o direito real de propriedade), da mesma forma que quando se transmite a hipoteca sem o crédito (artigo 727.º do CC), eu estou a transmitir um direito real de garantia sobre a coisa.
Em segundo lugar, as participações sociais não são meros direitos, mas antes um feixe complexo de direitos e deveres, representativos de um interesse numa pessoa colectiva (i.e. num centro autónomo de imputação de direitos e deveres, dotado de personalidade e capacidade jurídica), pelo que a aplicação do regime da simples cessão de créditos ao caso em concreto, para além de não caber directamente na letra da lei, não pode ser efectuada de forma automática.
Em terceiro lugar, no domínio dos actos comerciais onde, recorde-se, nos encontramos, existem exemplos de cessões de direitos em que se aplica a referida garantia de solvabilidade: pense-se no regime dos títulos de crédito, em que essa é a regra geral (ver artigo 15.º da LULL).
Mais importante, em quarto e último lugar, tanto no artigo 587.º, n.º 2, como nos artigos 905.º e 913.º do CC, estamos no domínio das chamadas normas de reconhecimento ou indirectas, que integram o conteúdo do negócio jurídico e atribuem determinados efeitos às declarações negociais das partes (11). Daí desde logo o carácter supletivo do artigo 587.º, n.º 2, do CC, o que manifesta não estarmos perante um princípio injuntivo da nossa ordem jurídica mas antes no plano da interpretação da vontade das partes, i.e. no plano da interpretação do contrato.
Isto significa que o legislador, ao prever tais normas, considerou que a solução mais adequada ao tipo de negócio em causa (cessão de créditos e compra e venda de “coisas”) de acordo com os usos e a prática vigentes, que reflectem também princípios de boa fé, segurança jurídica e autonomia privada, foi a de que, salvo disposição contratual em sentido contrário, não é expectável ao cessionário contar com uma garantia de solvabilidade, enquanto na compra e venda de coisas justifica-se à partida uma garantia sobre as qualidades do bem objecto do direito.
Torna-se mais fácil explicar a relevância e o porquê desta distinção comparando a alienação de direitos diferentes sobre a mesma coisa.
A este respeito, note-se que na transmissão da hipoteca e na venda do direito de propriedade podemos estar a falar da transmissão de um direito real sobre a mesma coisa.
O que pode então justificar a eventual diferença de tratamento, sustentada por
Resumindo, estamos no âmbito da aplicação de normas de reconhecimento ou indirectas e perante uma situação, a compra e venda de participações sociais, que não se enquadra directamente no âmbito da letra nem do artigo 587.º, nem, possivelmente, dos artigos 905.º e 913.º do CC. Cumpre assim determinar qual das duas normas, à luz do seu espírito, melhor reflecte e se aplica à realidade e traduz de forma mais correcta a vontade expectável das partes.
Tendo em atenção o que acima ficou dito, não custa concluir que, a aplicar-se algum dos regimes, será seguramente o que permita ao comprador da participação social, independentemente da percentagem ou da vontade de adquirir a empresa, contar com uma garantia sobre determinadas características da situação subjacente da sociedade que, recorde-se, pode até estar “vazia”. Negar esta conclusão é negar o que sucede na realidade.
2.3. Não desconsideração da personalidade jurídica
Reforça-se o entendimento de que este raciocínio em nada afecta ou ataca a personalidade jurídica da sociedade
A este título, en passant, refira-se que o regime jurídico aplicável à transmissão da participação, quer esta se traduza ou não numa transmissão do controlo da empresa, será sempre o previsto no CSC e no Código dos Valores Mobiliários, sendo tecnicamente errado equiparar, no plano dos requisitos e forma de transmissão, a compra e venda de participações sociais ao trespasse de estabelecimento.
De entre muitas outras razões, refira-se apenas o facto de que no trespasse existe uma mudança do titular dos activos, havendo assim um forte interesse na tutela das contrapartes da empresa que vai mudar de titular, enquanto que na venda de participações o titular da empresa (a sociedade) mantém-se. Este interesse encontra-se além do mais expressamente protegido por lei (artigo 424.º do CC), que exige o consentimento da contraparte para a cessão de posição contratual ser eficaz face à mesma (12).
Não se recusa que a identidade dos sócios da sociedade possa ser relevante para o terceiro que contratou com a mesma. Afirma-se apenas que, face aos interesses em jogo (por um lado o instituto da personalidade jurídica das pessoas colectivas, com toda a sua relevância fundamental para a dinâmica da vida comercial e, pelo outro, os interesses do terceiro que contratou com a sociedade), em regra não poderá o terceiro, na ausência de uma disposição contratual ou legal expressa, retirar consequências da mudança dos sócios da sociedade sua contraparte.
2.4. Medida da garantia
Uma vez chegado à conclusão de que o contrato de compra e venda de participações sociais integra sempre, por via de regra, as qualidades da situação subjacente da sociedade em causa, não basta ficar por aqui. Tem de se perguntar e analisar qual a medida da garantia sobre a situação subjacente da sociedade que o comprador pode legitimamente esperar.
Em primeiro lugar pode sustentar-se que a garantia deverá abranger as características gerais de sociedades da mesma categoria. Por exemplo, se a sociedade explora uma loja, ou um conjunto de lojas, deverá entender-se que, em princípio e salvo informação contrária que esteja disponível ao comprador, a sociedade tem as condições jurídicas para a sua exploração; se realiza uma actividade sujeita a autorização administrativa, que estará munida da referida autorização, etc..
Em segundo lugar, pode também considerar-se que a garantia integra um elemento negativo: a inexistência de contingências extraordinárias ou anormais, que possam afectar de forma significativa a sua actividade. Estaria neste caso a situação da existência de dívidas relevantes não constantes das contas da sociedade disponibilizadas ao comprador.
Já não parece possível, salvo disposição contratual expressa, a garantia de resultados ou rentabilidade futuros, na medida em que tal garantia não é compatível com a natureza das coisas, nomeadamente com a realidade dinâmica da sociedade e com a transferência do risco do negócio para o comprador operada pela compra e venda. Isto não quer dizer, contudo, que a garantia não abranja a situação da sociedade à data do contrato que possa ter sido usada pelo comprador para fazer as suas estimativas, por exemplo, a existência de um determinado contrato essencial para a sociedade, cuja denúncia pela contraparte não foi informada ao comprador, a existência de dívidas ocultas, resultados não conformes à realidade, etc..
Refira-se aqui que se concorda com a posição de
Complementa-se apenas o seu raciocínio no sentido de que, quando não haja uma empresa dentro da sociedade (por exemplo, uma sociedade “vazia”), o vício existe quando a realidade projectada pelas partes se veja afectada de forma relevante (por exemplo, a existência de uma dívida na sociedade que se queria “vazia”).
Adicionalmente, nos casos relativamente comuns de a sociedade ter apenas um activo (por exemplo, um imóvel), a relevância do activo no contexto da sociedade e, logo, no negócio, leva a que se centre mais o conteúdo da garantia e relevância dos vícios no activo em causa.
Note-se em qualquer caso que será sempre necessário analisar o conteúdo da garantia dentro do contexto negocial e tendo em atenção o processo negocial e a informação trocada entre as partes.
Mas, pergunta-se, não será incongruente conferir a garantia sobre a situação subjacente ao adquirente da totalidade ou maioria do capital social da sociedade e ao adquirente de uma participação minoritária? Não se estará aqui a tratar, afinal de contas, de forma igual uma situação diferente, que não merece a mesma tutela jurídica?
A meu ver, qualquer distinção será sempre não quanto à existência ou não da garantia, mas ao nível da garantia que é dada. Mais, a haver alguma distinção teórica de base que leve a priori a uma diferença relevante de tratamento (i.e. que não provenha do contexto do processo negocial concreto e da informação efectivamente trocada entre as partes), ela não reside tanto no que se vende mas na posição ocupada pelo vendedor na sociedade.
Quer dizer, o critério determinante para definir a medida da garantia a que o vendedor está obrigado provém não tanto da percentagem que se vende mas do facto de o vendedor ter, ele próprio, uma posição dominante na sociedade e/ou, por essa via ou devido a outras razões (como por exemplo o facto de ser gerente ou administrador) um conhecimento aprofundado da mesma (13).
Com efeito, se bem que qualquer comprador de uma participação social, maioritária ou minoritária, espera uma determinada garantia sobre a situação subjacente, é evidente que o nível da garantia ou, por outras palavras, a tutela da confiança do comprador, é tanto maior para o vendedor, no sentido de mais detalhado ou exigente, quanto mais determinante for a sua situação na sociedade.
Ou seja, quem compre uma participação de 10% de determinada sociedade a um vendedor que não domina a sociedade (tendo, por hipótese, apenas essa participação), não pode em regra esperar o mesmo nível de garantia sobre a situação subjacente da empresa do que quem comprou uma participação de igual percentagem, mas ao sócio que domina a sociedade.
Note-se que isto não quer dizer que o comprador de uma posição minoritária a um vendedor minoritário não se possa valer, por exemplo, dos artigos 913.º e seguintes, mas que, por força da aplicação do próprio artigo e restantes normas do regime, o seu nível de protecção será compreensivelmente inferior. Veja-se por exemplo os artigos 914.º e 915.º do CC, que excluem a responsabilidade do vendedor quando este desconhecia o defeito sem culpa (14).
3. RELAÇÃO COM O ERRO E RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Os autores que negam a possibilidade de aplicação do regime da compra e venda de coisa onerada ou defeituosa à compra e venda de participações sociais, bem como os que defendem a sua aplicação apenas às situações em que se compra a empresa por via indirecta, enfrentam o problema de saber que regime aplicar ao comprador das participações sociais que legitimamente esperou que a situação subjacente da sociedade correspondesse a uma certa realidade que depois não se verificou.
O recurso habitual dos autores é o de sustentar a aplicação do regime do erro (artigos 247.º e sgs do CC) e da responsabilidade pré-contratual (artigo 227.º do CC) (15).
No que diz respeito ao regime do erro, diga-se apenas, a título muito geral, que na maior parte das situações de desconformidade da situação da sociedade (tal como projectada pelas partes) com a realidade, não estaremos propriamente numa situação de erro em sentido técnico mas sim perante um caso de desconformidade entre o contrato e a realidade. I.e. a vontade das partes foi correctamente formada e expressa, verificando-se a desconformidade na fase de execução do contrato, sendo portanto uma questão relacionada com o incumprimento — em sentido amplo — do contrato (16).
Por outro lado, a natureza do regime do erro, que pressupõe a formação deficiente da vontade das partes e tem, como tal, requisitos e prazos próprios de anulação, não parece muito consentânea com a situação em causa, em que existe um contrato validamente celebrado.
Para além deste ponto, outro sobressai: não parece razoável aplicarmos regimes diferentes (artigo 247.º e sgs. ou artigos 905.º e 913.º e sgs do CC), que podem conduzir a soluções diferentes (mais ou menos vantajosas para um dos lados, tanto faz), conforme estivermos perante uma “mera” compra e venda de participações ou perante uma compra e venda de empresa através da referida aquisição de participações, quando os contratos são em tudo equivalentes, quer no plano da formação e perfeição da vontade das partes, quer quanto à relevância para as partes das características da situação subjacente da sociedade, inerente à e pressuposta pela participação social em causa.
Refira-se apenas que nada obstará (nem pode obstar) à aplicação do regime do erro previsto nos artigos 247.º e sgs do CC a todas as situações em que se verificar um verdadeiro erro em sentido técnico e não uma situação de desconformidade entre o contrato (isto é, do objecto do contrato, tal como representado pelas partes) e a realidade (17).
No que diz respeito à aplicação do regime da responsabilidade pré-contratual (artigo 227.º do CC), o facto de o contrato estar já formado não é suficiente para afastar, sem mais, a aplicação deste artigo à situação em apreço, sem prejuízo de a sua função principal ser, sem dúvida, a de acautelar situações em que o contrato não chega a ser validamente concluído (18) (19).
Apesar de não ser aqui o sítio apropriado para desenvolver este ponto em pormenor, bem como a questão central de saber como se relacionam o regime dos artigos 905.º e 913.º e sgs. com o artigo 227.º do CC, considera-se pertinente tecer algumas considerações de índole geral.
Em primeiro lugar, e à semelhança do acima referido quanto à aplicação do regime do erro, a posição tomada acerca da natureza do conteúdo do contrato de compra e venda de participações sociais (i.e. a de que o mesmo integra necessariamente uma representação/declaração negocial sobre a situação subjacente da sociedade) obriga à adopção de um tratamento unitário para as duas situações (venda de participações como venda de empresa e “mera” venda de participações), sob pena de estarmos a tratar de forma diferente situações substancialmente idênticas.
Em segundo lugar, considera-se que a aplicação do regime da responsabilidade pré-contratual a contratos correcta e validamente formados deve ser precedida dos maiores cuidados. Com efeito, uma vez celebrado o contrato, os interesses em jogo (tutela da confiança, autonomia privada, segurança jurídica, de entre outros) alteram-se ou, melhor, o seu equilíbrio altera-se substancialmente, surgindo na ordem jurídica, de forma muito clara, um princípio de estabilidade do contrato.
Este princípio é especialmente significativo na compra e venda, tanto civil como comercial, onde há uma forte tendência para se manter o status quo contratual e tornar certa e definitiva a transmissão do direito (20). Veja-se, por exemplo, a este respeito os prazos de caducidade para o exercício dos direitos do comprador, curtos e contados a partir da entrega da coisa e não do conhecimento dos factos (artigos 916.º do CC e 471.º do Código Comercial), a regulação algo restritiva da venda a retro (artigos 927.º e sgs do CC) e, havendo transmissão da propriedade e tradição, a impossibilidade de resolução do contrato em caso de não pagamento do preço (obrigação principal do comprador!), salvo disposição expressa em sentido contrário (artigo 886.º do CC).
No que diz respeito, em particular, à posição do comprador, existe assim claramente um ónus ou dever de cuidado da sua parte em investigar e verificar a coisa objecto da compra e venda, tanto durante a fase preparatória e negociações, como uma vez concluído o contrato. Este ónus traduz-se, na fase preparatória ou negocial, no dever de procurar obter informações sobre o objecto da compra (dever acrescido no caso de compradores profissionais) e, uma vez concluído o contrato, no dever de proceder às verificações sobre o objecto da compra e venda (i.e. confirmar que corresponde ao contrato), em tempo útil sob pena da caducidade dos seus direitos.
Quer tudo isto dizer que a aplicação do regime da responsabilidade pré-contratual ao contrato de compra e venda validamente celebrado e, em particular, a aplicação do prazo de caducidade longo previsto no artigo 482.º do CC ex vi artigo 227.º n. 2 do CC, introduz um factor de perturbação na ordem jurídica que não se coaduna muito bem com o peso dado pela mesma aos valores em jogo no contrato de compra e venda (quer a compra e venda civil quer, em especial, a comercial).
Isto tanto é assim que o próprio regime dos artigos 905.º e sgs e 913.º e sgs do CC, ao definir os direitos e deveres recíprocos das partes, faz já apelo ao conceito de boa fé, tanto subjectiva como ética, do vendedor e comprador e o conceito jurídico de vício ou defeito (ou, o que é o mesmo, da garantia que o comprador pode legitimamente esperar do vendedor), é modelado também pelos deveres de informação das partes na fase pré-contratual, pela informação concretamente transmitida e no que é expectável ao comprador esperar da coisa objecto do negócio. Com efeito, uma vez formado o contrato, todos estes pontos integram em regra o seu conteúdo ou, o que é o mesmo, são um elemento fundamental para a interpretação da vontade das partes.
Quer dizer, quando o vendedor entrega o balanço da sociedade ao comprador de uma participação (maioritária ou minoritária) antes da celebração do contrato, nada apontando ou excepcionando ao mesmo, uma vez formado o contrato e salvo disposição contratual em contrário, tem que se entender que aquela informação passa a integrar de alguma forma o próprio contrato e que o vendedor deve responder, no caso de existir alguma desconformidade relevante, nos termos dos artigos 905.º e/ou 913.º e sgs do CC.
Daí também a conclusão, admitida na doutrina, de que não há direito a impugnação do contrato ou mesmo a indemnização ao abrigo dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC no caso de o comprador ter tido conhecimento do defeito antes da conclusão da compra (não se podendo aqui propriamente falar numa situação de desconformidade ou de defeito), bem como a inexistência do direito a indemnização quando o vendedor desconhecia, sem culpa, o “vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece” (artigo 914.º ex vi do artigo 915.º do CC). Daí também os prazos curtos de caducidade não se aplicarem em situações de dolo do vendedor (artigo 916.º, n.º 1, do CC) (21).
Parece assim que o direito ao distrate do contrato de compra e venda de participações sociais com recurso ao instituto da responsabilidade pré-contratual, sustentado por alguns autores, não será em regra de admitir, sendo a questão resolvida antes ao abrigo do regime especial de incumprimento previsto nos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC.
Parece também que um eventual direito de indemnização com recurso a este instituto deverá ser considerado apenas em situações de último recurso, de injustiça intolerável, não resolvidas pelo referido regime da compra e venda de coisa onerada ou defeituosa, o que não será o caso quando, no âmbito dos normais riscos do negócio e da atribuição dos direitos e deveres das partes resultantes da lei e do contrato, uma das partes tenha sido prejudicada. Estaremos, portanto, próximos dos requisitos do abuso de direito (22).
Concluindo, a busca de uma solução unitária para o contrato de compra e venda de participações sociais, desejável porque, na realidade, nunca é demais repetir, a declaração de vontade do comprador e os respectivos deveres do vendedor englobam, via de regra, em maior ou menor medida, a situação subjacente da sociedade em causa, independentemente da percentagem da sociedade envolvida e de a mesma integrar ou não uma empresa, faz com que a aplicação dos artigos 905.º e sgs e 913.º e sgs do CC a estes contratos pareça a melhor solução, evitando-se dispersar o tratamento desta situação por institutos distintos consoante se transmita a empresa ou não.
Por outro lado, a medida ou nível da garantia do comprador variará, em regra, tendo em conta mais o conhecimento e o poder de intervenção do vendedor nos destinos da sociedade em causa do que a percentagem da sociedade que é transmitida.
Este tratamento unitário não prejudica a aplicação dos artigos 247.º e sgs do CC quando efectivamente se verifiquem os seus pressupostos (o erro em sentido técnico), embora aconselhe a não aplicação do regime da responsabilidade pré-contratual nas situações em que o contrato foi validamente formado, salvo casos verdadeiramente excepcionais.
4. COISA ONERADA OU COISA DEFEITUOSA?
O CC define e regula de forma diversa a venda de coisa onerada (artigo 905.º) e a venda de coisa defeituosa (artigo 913.º) (23).
Muito brevemente, pode-se dizer que é considerada coisa onerada aquela sobre a qual incidem ónus ou limitações desconhecidos do comprador, que excedam os limites normais do tipo de direito que o comprador adquiriu.
Estamos assim em regra perante problemas resultantes geralmente da existência de direitos de terceiros sobre a coisa. A doutrina e jurisprudência dão como exemplos típicos destes ónus ou limitações, as hipotecas, penhores e outros direitos reais de garantia ou direitos reais menores incidentes sobre a coisa.
Por outro lado, considera-se coisa defeituosa aquela que sofre de vícios que a desvalorizem ou impedem a realização do fim a que se destina, bem como aquela que não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou as qualidades necessárias para a realização do fim do contrato.
Note-se que esta distinção tem uma enorme relevância prática, uma vez que, apesar de os direitos concedidos ao comprador numa e outra situação serem em regra semelhantes (anulação (24), sanação, redução do preço e indemnização), existem algumas diferenças substanciais nos regimes aplicáveis, desde logo a atribuição, na venda de coisa onerada, do direito de indemnização ao comprador no caso de erro não causado culposamente pelo vendedor (artigo 909.º do CC), o qual se encontra excluído na venda de coisa defeituosa (artigo 915.º do CC).
Destas diferenças destaca-se ainda o prazo para o exercício dos direitos do comprador: na venda de coisas oneradas tem-se entendido, por força da remissão para os requisitos da anulabilidade constante do artigo 905.º do CC, que este prazo é de um ano a contar da data em que o comprador teve conhecimento do ónus/limitação, enquanto que, no caso de coisas defeituosas, os direitos do comprador caducam se este não denunciar o defeito dentro de 30 dias após ter tomado conhecimento do mesmo e, em qualquer caso, seis meses após a entrega da coisa. A realização de denúncia dentro de qualquer destes prazos concede uma extensão de seis meses a contar da data da denúncia, para a proposição da respectiva acção judicial.
Numa rápida crítica ao regime legal vigente, saliente-se que é difícil de encontrar, hoje em dia, uma justificação premente para uma tão grande diferença de tratamento.
Qual dos dois regimes deve ser aplicado à compra e venda de participações sociais quando estejamos perante vícios da situação subjacente da sociedade?
O assunto é passível de diversas soluções, impossíveis de tratar em profundidade neste artigo.
Dir-se-á apenas que alguns autores que trataram expressamente o assunto parecem admitir a aplicação dos dois regimes a uma situação de compra e venda de empresa. A opção por um ou por outro varia consoante se estiver, em cada caso, perante um vício de direito consubstanciado normalmente numa pretensão de terceiro sobre a empresa, ou perante um defeito incidente sobre a empresa e os bens que a formam (25).
Exemplificando: uma situação típica de passivo oculto, em que uma dívida a terceiro não surge no balanço entregue ao comprador, seria considerada como um ónus ou limitação. Já uma situação de incorrecção do balanço devido a uma sobrevalorização de activos efectuada em desrespeito de normas contabilísticas, poderia ser considerada como um defeito.
Não está em dúvida que esta posição tem argumentos a seu favor (desde logo o de procurar evitar contradições com o entendimento tradicional destes conceitos, quando aplicáveis à venda de coisas consideradas individualmente). Contudo, esta solução levanta diversas perplexidades na situação em análise.
Assim, tanto num caso como no outro estamos sempre perante situações de desconformidade entre a situação subjacente da sociedade e aquela que foi projectada e integrada no conteúdo do contrato pelas partes, sendo difícil encontrar uma razão de fundo para justificar uma tão grande diferença de tratamento.
Por outro lado, o prazo aplicável à venda de coisas oneradas está desajustado da realidade vivida habitualmente neste tipo de negócios em que, por razões de segurança e certeza, não parece razoável que o exercício dos direitos do comprador possa ter lugar, por exemplo, 5, 10 ou mais anos após a conclusão do contrato, caso só então tenha tomado conhecimento da desconformidade.
Quanto ao prazo dos chamados vícios de facto, discorda-se neste ponto da posição tomada por
Não está em causa que o prazo é curto (refira-se que a prática negocial anda entre 1 e 3 anos a contar da data da conclusão da compra e venda, para a generalidade dos defeitos). Entende-se em qualquer caso que a razão de tal disposição é propositada e os valores em causa são claros: tornar o contrato definitivo e não passível de revisão o mais rapidamente possível, por razões de segurança jurídica e celeridade da vida comercial (27).
Diga-se também que existem coisas mais complexas do que muitas empresas — pense-se em pequenas empresas, que constituem a maioria do nosso tecido empresarial, e nas sociedades “vazias” ou com muito pouca actividade.
Este prazo traduz-se, portanto, num verdadeiro ónus ou dever de diligência do comprador em verificar a conformidade do objecto negocial com o contrato, num período de tempo relativamente curto após a sua conclusão (veja-se ainda, nesta linha, o artigo 471.º do Código Comercial). Esta verificação sucede aliás muitas vezes na prática, sendo habitual que o comprador de uma sociedade, ainda que possa já ter realizado uma due diligence prévia, dedique os primeiros meses após a compra, para além de gerir a sociedade, a realizar uma due diligence confirmatória (28).
É assim comum que, a existirem problemas, os mesmos sejam detectados por um comprador diligente nos primeiros meses seguintes à conclusão do contrato.
Note-se também que, em qualquer caso, este prazo não se aplica a situações de dolo do vendedor. Já quanto a situações de negligência, levanta-se a questão, na medida em que a lei não incluiu a negligência como forma de exclusão da aplicação dos prazos de caducidade do artigo 916.º do CC.
No limite, poderá sempre tentar-se recorrer à doutrina da impossibilidade do conhecimento do vício, bem conhecida da doutrina e jurisprudência, nomeadamente no âmbito do artigo 471.º do Código Comercial, para corrigir algumas situações que possam traduzir violações graves do princípio da boa fé.
Assim, quando sem culpa do comprador e, em princípio, existindo culpa do vendedor, tenha sido manifestamente impossível ao comprador tomar conhecimento do defeito dentro do prazo legal (a complexidade da empresa subjacente à sociedade poderá ser um critério relevante a este respeito), e tal facto tenha consequências importantes na economia do negócio, seria possível sustentar a não caducidade dos direitos do comprador ao fim do prazo de seis meses. No caso de aquisição de participações minoritárias seria em princípio mais fácil demonstrar a referida impossibilidade.
Ressalva-se apenas que se considera que o prazo é de facto curto (mais curto do que, talvez, seria desejável). Mas entre o prazo excessivamente longo da anulabilidade e o prazo curto do artigo 916.º do CC, este último parece talvez mais consentâneo com os interesses em jogo no contrato de compra e venda, não havendo em qualquer caso uma razão de fundo premente para afastar, à partida e sem mais, a sua aplicação.
Em conclusão, as dificuldades dogmáticas da qualificação de vícios da situação subjacente da sociedade como vícios de direito ou vícios de facto aliada ao regime radicalmente diferente da sua denúncia (sem justificação aparente nos dias de hoje), parecem convidar à procura de um tratamento unitário para o assunto, talvez aproximado ao regime da venda de coisas defeituosas, no seguimento também do raciocínio, acima referido, de que a existência e relevância dos vícios deve ser aferida quanto à empresa (ou melhor, à situação subjacente da sociedade em causa), no seu todo. Seria assim considerado que a caducidade resultante da não tomada de conhecimento e de falta de denúncia dos vícios pelo comprador dentro do prazo de seis meses constitui um risco inerente à sua posição, pelas razões e com as ressalvas acima indicadas, risco esse que pode, no entanto, ser protegido contratualmente, como se verá em 5. infra.
Realça-se, contudo, que existem fortes argumentos para defender outros entendimentos (por exemplo, a classificação de cada vício caso a caso, realizada à luz dos conceitos previstos nos artigos 905.º e 913.º do CC). Tendo em atenção todos estes factos e a ausência de jurisprudência relevante sobre o tema, esta questão encontra-se claramente em aberto, pelo que não parece possível tomar-se uma posição definitiva sobre este assunto.
Por tudo o que ficou acima dito, poderá ser aconselhável que o contrato preveja expressamente prazos de caducidade, conforme se verá no capítulo seguinte, dedicado às declarações e garantias do vendedor.
5. CLÁUSULA DE DECLARAÇÕES E GARANTIAS DO VENDEDOR
5.1. Enquadramento
Actualmente é prática do mercado incluir em contratos de compra e venda de participações sociais, que não intra-grupo, a chamada cláusula de declarações e garantias do vendedor — “representations and warranties” na gíria anglo saxónica (29).
Como principais características destas cláusulas, destaca-se o facto de serem relativamente complexas, com uma descrição muitas vezes detalhada das características e condições da sociedade em causa (situação financeira, legal, contabilística, etc.), e conterem também, em regra, uma regulamentação pormenorizada do regime de responsabilidade do vendedor caso as mesmas não correspondam à realidade.
Note-se que as cláusulas de declarações e garantias do vendedor constituem uma das partes mais relevantes dos “modernos” contratos de compra e venda de participações socais, podendo dividir-se em dois tipos essenciais: as chamadas “formal warranties” (as garantias relativas à capacidade e poderes do vendedor e seus representantes para celebrar o contrato e as relativas aos direitos do vendedor sobre as participações sociais da sociedade) e as “business warranties” (essencialmente, garantias relativas às características e qualidades da situação subjacente da sociedade) (30).
Refira-se também que estas cláusulas desempenham uma função económica e de distribuição do risco fundamental, na medida em que esclarecem o que cada uma das partes espera e pode contar com o negócio, diminuindo dúvidas que possam haver e tornando mais certo e previsível o seu resultado, tanto para o comprador, ao possibilitar, por exemplo, revisões de preço se a situação da sociedade não corresponder ao acordado, como para o vendedor, ao definir e, muitas vezes, limitar, as situações em que pode haver lugar a reclamações do comprador, tornando o negócio e o encaixe do preço mais certo e definitivo.
Cabe perguntar, antes de mais, como se enquadram estas cláusulas à luz do regime jurídico português da compra e venda e, em particular, da doutrina da compra e venda de participações sociais.
Ou seja, devem as cláusulas de declarações e garantias ser entendidas como formando parte, complementando e/ou substituindo os artigos 905.º e 913.º do CC (ou seja, o que é o mesmo, os resultados a que se chegaria relativamente ao conteúdo do contrato mediante a sua aplicação), ou como obrigações de garantia autónomas, independentes da garantia edilícia, cujo incumprimento deve ser tratado fora do regime específico da compra e venda e sujeito, portanto, apenas às regras gerais dos artigos 790.º e sgs do CC?
Note-se que todos os autores atribuem naturalmente relevância a estas cláusulas quer, por exemplo, como forma de protecção adicional do comprador de uma participação (31), quer como forma de interpretação do contrato e determinar se se teve em vista, ou não, uma transmissão de empresa (32).
Como ponto de partida diga-se que o tratamento a dar a estas cláusulas, seja ele qual for, deverá ser uniforme, quer estejamos perante um contrato de compra e venda indirecta de empresas quer perante um contrato de compra e venda de “meras” participações sociais (se de tal se pode falar, conforme acima vimos) (33).
Com efeito, não se encontra qualquer justificação para tratar de forma juridicamente diferente cláusulas que podem ser em tudo iguais, reflectindo as mesmas preocupações e a mesma vontade das partes. Pense-se, por exemplo, em dois contratos, em tudo idênticos, sobre a mesma sociedade, em que por meio de um o vendedor transmite a maioria do capital e por meio de outro uma participação minoritária, a compradores diferentes.
Note-se que caso aplicássemos os artigos 905.º e 913.º e sgs do CC a estas cláusulas no cenário de compra e venda (indirecta) de empresas e apenas os artigos 790.º e sgs do CC à compra e venda de “meras” participações sociais chegaríamos a resultados totalmente incongruentes com os princípios em jogo, nomeadamente o facto de o comprador da participação minoritária poder recorrer ao prazo longo da prescrição da responsabilidade contratual (artigo 309.º do CC), quando tal seria negado ao adquirente da posição maioritária.
Devemos então enquadrar estas cláusulas no âmbito dos artigos 905.º e 913.º do CC ou considerá-las como cláusulas de garantia autónomas e independentes das suas regras?
A meu ver, a opção a tomar tem que ser coerente com a posição acima adoptada relativamente à natureza jurídica dos artigos 905.º e 913.º do CC: sendo estes artigos na sua essência normas de reconhecimento ou indirectas, que integram o conteúdo do negócio jurídico e atribuem determinados efeitos às declarações negociais das partes (são portanto normas interpretativas), não se pode deixar de considerar que as declarações e garantias acordadas no contrato e incidentes sobre a situação subjacente da sociedade vão na verdade conformar, modelar e integrar a aplicação dos artigos 905.º e 913.º do CC, no sentido de que esclarecem de forma clara a vontade das partes relativamente ao objecto do negócio e às qualidades do mesmo, diminuindo em proporção a liberdade de interpretação sobre o conteúdo do contrato ao abrigo dos critérios definidos nos mesmos artigos.
Quer dizer, pela própria natureza jurídica e função dos artigos 905.º e 913.º e sgs e das cláusulas de declarações e garantias, não se vê como se poderá tratar as referidas cláusulas fora do âmbito do regime da compra e venda de coisa onerosa ou defeituosa, como algo independente com “vida própria”: estamos sempre a falar do conteúdo do contrato que foi acordado, mais ou menos expresso, mais ou menos desenvolvido, e da sua desconformidade com a realidade. A redacção do próprio artigo 913.º do CC é sintomática a este respeito, ao incluir expressamente as qualidades asseguradas pelo vendedor no seu âmbito.
Dito isto, nada obsta a que as partes prevejam os seus direitos e deveres de forma diferente do previsto na lei, dentro do respeito das normas injuntivas do regime da compra e venda de coisas onerosas e defeituosas.
Salienta-se, no entanto, que tudo o que ficou acima dito é passível de discussão e de contra-argumentos vários, sendo esta mais uma das questões totalmente em aberto.
5.2. Alguns exemplos práticos
Chegado aqui, de tudo o que foi dito resulta antes de mais que existe ainda uma enorme incerteza na ordem jurídica portuguesa no regime aplicável ao conteúdo e incumprimento do contrato de compra e venda de participações sociais.
Esta incerteza provém não só do facto de estarmos a tratar de uma realidade complexa (a participação social enquanto feixe de direitos e deveres societários que tem um valor económico dependente da situação subjacente da sociedade), mas também da complexidade e dificuldades próprias da aplicação do regime, também nada simples e não poucas vezes incongruente, dos vários institutos envolvidos, nomeadamente a compra e venda de coisa onerada ou defeituosa, a responsabilidade contratual geral, a interpretação e integração do negócio jurídico, o erro e a responsabilidade pré-contratual.
Acresce o facto de o assunto não estar suficientemente sedimentado na doutrina e só muito esporadicamente ter sido tratado nos tribunais.
Isto significa que a inclusão ou não de determinadas cláusulas no contrato de compra e venda pode ter um efeito diferente consoante a posição que se tome ou, melhor dizendo, que o tribunal irá tomar sobre o assunto, em caso de conflito entre as partes. Esta consciência pode ser essencial para, no âmbito de uma negociação, medir correctamente o valor ou risco de uma cedência ou o grau de segurança realmente alcançado com determinada cláusula.
Ir-se-á de seguida tentar demonstrar a necessidade de se estar atento a estes problemas, mediante uma breve análise à cláusula relativa ao limite temporal das garantias (5.2.1.), à cláusula de não garantia (5.2.2.) e ao que sucede se se vem a verificar a existência de uma contingência que não ficou prevista no contrato (5.2.3).
5.2.1. Limites temporais das declarações e garantias (“survival period”) (34)
Conforme se disse em 4. supra, é prática do mercado acordar-se um prazo para o exercício dos direitos do comprador caso as declarações e garantias não correspondam à realidade. Tal prazo anda usualmente entre 1 e 3 anos, excepto no que diz respeito a assuntos de natureza fiscal e de segurança social, em que a regra é acordar-se a responsabilidade do vendedor até ao termo do prazo de caducidade/prescrição legal. É o chamado “survival period”, na gíria anglo-saxónica.
Estas cláusulas de duração das declarações e garantias são tradicionalmente vistas como cláusulas de protecção do vendedor. Com efeito, seria o vendedor o principal interessado em limitar temporalmente as responsabilidades assumidas no contrato, factor essencial para que o encaixe financeiro obtido com a venda se torne certo e definitivo.
Contudo, no âmbito da lei portuguesa, o comprador pode ter um interesse equivalente na definição deste prazo. Conforme já se referiu acima, existem excelentes argumentos para se aplicar a estes casos o regime da compra e venda de coisa oneradas ou defeituosas, em detrimento do regime geral da responsabilidade contratual (20 anos).
Assim, e se, nos termos do CC, o prazo para o exercício dos direitos do comprador em caso de compra e venda de coisa onerada (um ano a contar da tomada de conhecimento da situação de desconformidade) não é desvantajoso para o comprador, podendo ir muito para além da data da conclusão do negócio, já a aplicação do regime de compra e venda de coisa defeituosa faz com que os direitos do comprador possam caducar seis meses após a venda da participação social.
Logo, também para o comprador poderá ser preferível que o contrato preveja um prazo de validade das declarações e garantias, a deixar a situação omissa, na esperança de que o tribunal considere aplicável um prazo que lhe possa ser favorável.
Mas, pergunta-se, caso as partes de facto acordem um prazo de caducidade das declarações e garantias diferente do prazo legal, será esta disposição válida?
A resposta pode variar consoante a opção que se tome quanto ao enquadramento jurídico da questão.
Assim, num cenário de aplicação das regras gerais da responsabilidade contratual, a estipulação de um prazo de caducidade dos direitos do comprador, dentro do que tem sido habitual no mercado, não levanta problemas de maior, na medida em que, nos termos do artigo 330.º do CC, as partes são livres de estipular prazos de caducidade e alterar as regras de caducidade legalmente previstas, excepto no que diz respeito a direitos indisponíveis.
Já se se qualificar a situação como de compra e venda de coisa onerada ou defeituosa, é discutível que os prazos previstos na lei para o exercício dos direitos do comprador estejam na livre disponibilidade das partes.
Como meras pistas para uma possível solução, avançam-se as seguintes considerações:
Não haverá problemas de maior na estipulação de um prazo superior ao legalmente previsto. O vendedor, como beneficiário deste prazo, pode dispor do mesmo, não parecendo que existam interesses gerais de segurança que devam prevalecer (35).
Deverá admitir-se a estipulação de prazos inferiores aos previstos na lei, da mesma forma que se admitem outras cláusulas que limitam a responsabilidade contratual das partes. Ou seja, dentro dos limites da ordem pública e dos princípios da boa fé. Neste caso, o limite será quando, pela redução do prazo, o comprador, na prática, renuncia antecipadamente aos seus direitos, por tornar excessivamente difícil ou impossível o seu exercício (36). Claro que no caso concreto não será nada fácil definir este limite.
Olhando agora apenas para a compra e venda de coisa onerada, será admissível a cláusula que estipula um prazo razoável de caducidade para o exercício dos direitos do comprador, contado a partir da data de conclusão do contrato e não do momento em que o comprador tomou conhecimento da desconformidade?
Considero que existem bons argumentos neste sentido. Desde logo, a tutela da confiança do comprador não parece ficar prejudicada caso este, habitualmente uma empresa ou um profissional qualificado, aceite um prazo que lhe permita, com razoabilidade, verificar a existência de situações de desconformidade.
Por outro lado, quer o princípio da autonomia privada quer os interesses gerais de estabilidade, celeridade e segurança das transacções comerciais aconselham a que tal seja possível, sempre que estiver em causa a normal distribuição dos riscos do negócio, livremente contratada pelas partes sem esquecer que, no caso de a desconformidade ser intencionalmente provocada pelo vendedor, o comprador estará via de regra legalmente protegido, não se aplicando em tais situações o limite temporal acordado.
Saliente-se, no entanto, que os pontos acima mencionados, em particular os dois últimos, estão naturalmente abertos a discussão.
5.2.2. Cláusula de não garantia
As declarações e garantias do vendedor variam de contrato para contrato, tendo em conta o peso relativo das partes e o processo de negociação. Serão assim mais ou menos protectoras de cada uma das partes consoante o acordo final a que se chegue.
Pode assim suceder que, por determinado motivo, o vendedor pretenda vender a participação social (representativa, por exemplo, da totalidade do capital social da sociedade), com um mínimo de garantias ou mesmo sem qualquer garantia sobre a situação da sociedade em causa (37).
Serão estas cláusulas de garantia mínima, ou mesmo de não garantia, válidas à luz do nosso direito, independentemente de se admitir ou não a aplicação às mesmas dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC?
Seguindo aqui a opinião de J. Baptista Machado (op. cit, págs 30 e sgs.), tais cláusulas serão possíveis, não parecendo haver motivos que levem a considerar a sua invalidade, tendo ainda em atenção, no caso de se considerar a aplicação dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC, a sua característica de normas de remissão ou indirectas.
Com efeito, as cláusulas de não garantia, ou a cláusula que estipula que o vendedor dá apenas a garantia x e y, mas não garante qualquer outra circunstância da vida da sociedade, são cláusulas que determinam o objecto do negócio, conformando a obrigação de entrega do vendedor.
Da mesma forma que se o vendedor vende uma coisa com defeito (i.e. defeito aqui no sentido comum de a coisa não ter uma característica que seria de esperar), mencionando expressamente a existência do defeito (i.e. a coisa é vendida com defeito como tal), o comprador não se poderá valer da garantia edilícia (podendo mesmo considerar-se que não existe qualquer defeito em sentido jurídico, uma vez que a coisa se conforma com o contrato), também o vendedor de uma participação social pode excluir determinada característica da sociedade que habitualmente fosse de esperar ou mesmo não garantir qualquer das referidas características, vendendo a sociedade no estado em que ela se encontre seja ele qual for (38).
Se estas cláusulas aumentam sem dúvida a álea ou risco do negócio, não parece que tal ofenda qualquer princípio fundamental da ordem jurídica que importe proteger em sacrifício da autonomia privada das partes (39).
Nem se diga que estas cláusulas são cláusulas limitativas da responsabilidade do vendedor e como tal sujeitas aos limites apertados do artigo 809.º e sgs do CC, mitigados, é certo, pelo desenvolvimento da doutrina e jurisprudência: estas cláusulas operam num momento anterior, não chegando sequer a haver incumprimento do vendedor, uma vez que a sua obrigação não inclui aqueles pontos, que foram assim excluídos do contrato e pelo qual, naturalmente, não pode ser responsabilizado (40).
É verdade, tal como diz
Ora, no contrato de compra e venda de participações sociais, salvo alguma situação verdadeiramente excepcional, não parece haver preocupações de ordem pública legal que afectem o contrato. Por exemplo, está-se claramente no âmbito de relações comerciais e fora do regime das condições contratuais gerais, nem se está no âmbito de contratos de prestação de bens ou serviços regidos por normas especiais de interesse público.
Já a questão da ordem pública contratual levanta problemas interessantes. Diz
Isto implicaria desde logo consequências relevantes para o contrato de compra e venda de participações sociais, na medida em que seria necessário, aplicando-se o raciocínio do referido autor, efectuar uma análise casuística (e com margem de liberdade apreciável) para determinar quais seriam aqueles pontos que poderiam ou não ser validamente excluídos.
Sem prejuízo da força deste argumento, considero que, pelo menos nos contratos de compra e venda de participações sociais, este raciocínio não é procedente, por três ordens de razões.
A primeira reside, mais uma vez, no facto de os artigos 905.º e 913.º e sgs do CC, que fundamentam os restantes direitos previstos nestas secções do CC, serem normas remissivas ou indirectas e como tal interpretativas da vontade das partes: a exclusão das mesmas pelas partes, de forma inequívoca e informada, não deveria levantar problemas de maior no âmbito da autonomia privada.
A segunda consiste no facto de a análise casuística necessária para fazer o juízo de admissibilidade da exclusão levar inevitavelmente a um aumento da incerteza e insegurança jurídica sobre o conteúdo do contrato de compra e venda que, recorde-se, foi efectivamente querido e negociado pelas partes, o que parece contrário aos princípios do mesmo tal como previsto na ordem jurídica portuguesa (a preocupação, já acima referida, de solidificar, consolidar o contrato, num curto espaço de tempo).
A terceira reside no facto de a álea ou risco ser um elemento de qualquer negócio jurídico, inerente à autonomia privada, e se estar aqui apenas a aumentar tal risco para o comprador que, recorde-se, é habitualmente uma entidade profissional, sobre o qual incidem deveres de diligência e informação sobre o objecto da compra.
Isto tanto é assim que o argumento essencial para se considerar a existência de uma ordem pública contratual restritiva da aleatoriedade que seria aqui aplicável, ou seja, não se poder retirar do contrato obrigações que descaracterizem o mesmo, não se enquadra no regime legal do contrato de compra e venda, tal como previsto no CC e no Código Comercial, onde o próprio direito de propriedade ou a existência da coisa podem ser incertos, sem deixar por isso de ser devido o preço, caso se faça menção no contrato dessa incerteza (ver artigos 881.º do CC e 467.º do Código Comercial).
Ou seja, se o nosso direito civil e comercial admite expressamente a atribuição de um conteúdo aleatório à própria existência do direito e respectivo objecto, por maioria de razão sempre se terá que entender que tal aleatoriedade será também admissível às qualidades do objecto, ou seja, no caso em apreço, às características da situação subjacente da sociedade
Por último, refira-se que isto não significa que o comprador está desprotegido em face de situações que infrinjam princípios essenciais de boa fé, na medida em que existem regras na ordem jurídica que podem mitigar certos excessos.
Por exemplo, será recomendável que a cláusula de não garantia deva estar mencionada no contrato, não só por força dos artigos 881.º do CC e 467.º do Código Comercial, mas também por força de princípios de clareza e boa fé. Esta cláusula poderá operar, em princípio, quer mediante a indicação da existência de determinadas contingências ou excepções às garantias dadas, quer mediante a exclusão, pura e simples, de determinados aspectos da situação subjacente da sociedade (por exemplo, não garantia da correcção e cumprimento de obrigações fiscais).
Também como realçam J. Baptista Machado, op cit. e
5.2.3. Contingências não previstas no contrato de compra e venda. Sua relevância
Se é certo que a realidade ultrapassa sempre a ficção, também é verdade que, por mais hábeis, imaginativos ou simplesmente complicados os advogados, não existem contratos perfeitos, e a força dos acontecimentos e imponderáveis acaba sempre por ultrapassar o que as partes previram durante as negociações.
Como tratar, então, aquelas situações em que, por qualquer motivo, se vem a descobrir uma contingência que não se encontra “coberta” pelas declarações e garantias do vendedor? (41)
A quem reconheça à cláusula de declarações e garantias autonomia face aos artigos 905.º e 913.º e ss do CC será relativamente fácil argumentar, desde que considere que se aplicarão tais regras à compra e venda de participações sociais, que se pode recorrer aos artigos 905.º e 913.º e seguintes, caso se verifiquem os seus pressupostos. Note-se contudo que poderá ser mais difícil demonstrar que era expectável para o comprador determinada característica daquela sociedade, uma vez que ela não ficou prevista no contrato.
Quem sustente (como me sinto inclinado a sustentar) que, estando no âmbito da interpretação, da definição do conteúdo do contrato, os efeitos das declarações e garantias devem ser enquadrados e analisados ao abrigo dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC terá uma tarefa naturalmente mais difícil. Note-se que se diz mais difícil e não impossível, na medida em que não é de excluir que, por força da interpretação do próprio contrato, se venha a concluir estarmos perante uma lacuna do mesmo, a resolver à luz dos princípios dos artigos 236.º e sgs do CC (42).
Isto significa que, independentemente das posições que se tomem sobre a relação entre a cláusula de declarações e garantias e o regime da coisa onerada e defeituosa, caso se venha a verificar uma contingência não coberta por qualquer declaração e garantia, o comprador poderá ainda recorrer ao regime da interpretação e integração do contrato. Será, no entanto, um exercício casuístico e difícil, de resultado incerto, a resolver à luz das regras dos artigos 236.º e sgs do CC, sem esquecer os princípios dos artigos 905.º e 913.º do CC, tendo sempre de se ultrapassar uma dúvida prévia: se o ponto era importante, porque é que não foi previsto no contrato?
Refira-se, no entanto, que se o contrato contiver uma cláusula de não garantia expressa, no sentido de que o vendedor não confere quaisquer outras garantias para além das previstas no contrato, a posição do comprador será consideravelmente mais frágil.
Por último, perante uma situação do género da aqui analisada, poderá sempre tentar recorrer-se ao regime do erro dos artigos 247.º e sgs do CC ou mesmo, possivelmente, com as cautelas acima indicadas, à responsabilidade pré-contratual, caso se verifiquem os respectivos pressupostos.
6. CONCLUSÕES
Do que acima ficou dito pode retirar-se que o regime do conteúdo e incumprimento do contrato de compra e venda de participações sociais parece ainda não se encontrar suficientemente definido na ordem jurídica portuguesa.
Procurou-se, dentro dos limites próprios de um trabalho do género, propor alguns princípios gerais que possam ser úteis no tratamento unitário deste contrato, dos quais o mais importante é sem dúvida a constatação, evidente à luz da vida prática, de que a declaração de vontade das partes no contrato de compra e venda de participações sociais integra sempre, por regra, uma representação e manifestação de vontade sobre a situação subjacente da sociedade, a qual deve fazer parte do próprio conteúdo do contrato, tenha a sociedade ou não uma empresa e independentemente da percentagem envolvida.
Tentou-se abordar, de forma sumária, algumas das principais questões decorrentes deste ponto de partida, a sua relação com diversos institutos jurídicos e propor algumas sugestões, as quais, tendo em atenção a complexidade dos problemas em causa, não serão mais do que pontos de partida para futura discussão.
Por último, chegou-se à conclusão de que as cláusulas de declarações e garantias habituais neste género de negócios são de facto essenciais e fundamentais mas que, por força da incerteza jurídica à volta do regime aplicável e da complexidade dos institutos envolvidos, podem ser verdadeiras “cláusulas de dois gumes” para qualquer das partes envolvidas.
Para além do grande interesse teórico do assunto em discussão, é assim importante do ponto de vista prático ter, pelo menos, consciência das questões em aberto quando na negociação de um contrato de compra e venda de participações sociais se discute a inclusão ou exclusão de certas cláusulas ou certos pormenores de redacção das mesmas. Tal consciência pode mesmo significar a diferença entre conceder, com segurança, uma cedência razoável ou meramente aparente à contraparte, ou assumir, inadvertidamente, riscos significativos.
Como comentário final, tendo em atenção a referida incerteza jurídica e as várias incongruências das regras potencialmente aplicáveis, considera-se que poderá fazer sentido equacionar uma revisão legislativa das matérias em causa, cuja análise se propõe.
(*) Advogado. Agradece-se a Pedro Maia e a Paulo Câmara a leitura deste artigo e as sugestões que em muito o melhoraram. Naturalmente, todas as opiniões e erros que o mesmo possa ter são da exclusiva responsabilidade do autor.
Notas:
(1) Clemente V. Galvão, Declarações e Garantias em Compra e Venda de Empresas — Algumas Questões, in Actualidad Jurídica Uría Menéndez, Madrid, año 2005, n.º 12, págs 103 e sgs.
(2) António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, A venda de participações sociais como venda de empresa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3947, págs 76 e sgs e Engrácia Antunes, A Empresa como Objecto de Negócios – “Asset Deals” Versus “Share Deals”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, II/III, Setembro/Dezembro 2008, pags 715 e sgs.
Nota de actualização: este artigo foi escrito em Abril de 2009. Foram entretanto publicados alguns trabalhos. Destaca-se o artigo de Patrícia Afonso Fonseca, A Negociação de Participações de Controlo. A Jurisprudência, in I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2011, pags 27-40.
(3) Tal não quer dizer que por vezes a participação social não seja representada por uma coisa (i.e. o título nas acções tituladas), sendo no entanto em geral considerado que os artigos 905.º e 913.º se aplicam apenas a defeitos do próprio título e não à situação subjacente da sociedade relativa à participação social que representa. Refira-se em qualquer caso que a natureza jurídica da participação social é um tema bastante discutido. Ver sobre este ponto Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, págs. 368 e sgs., Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol II, Almedina, 3ª Reimpressão da Edição de 2002, págs. 342 e sgs (sustentando a possibilidade de sobre a participação social incidirem direitos reais, inclusive o direito de propriedade) e Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I, págs 497 e sgs.
(4) Para uma perspectiva histórica deste ponto ver Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, págs 75 e sgs.
(5) Ver sobre este assunto, entre outros, os pareceres publicados na Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, LEX, 1994, Calvão da Silva, A Empresa como Objecto de Tráfego Jurídico, in Estudos de Direito Comercial, Pareceres, Almedina, 1999, págs 169 e sgs; António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit; J. Engrácia Antunes, op. cit; Coutinho de Abreu, op cit, págs. 396 e sgs. e bibliografia citada nas obras acima indicadas.
(6) Ver sobre este ponto, de entre outros,
(7) Sobre o conceito de interpretação do negócio jurídico ver, de entre outros, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 2000, págs.?535 e sgs..
(8) Note-se que não está em causa agora a compra e venda de participações em mercado regulamentado, na medida em que a padronização dos contratos e a falta de contacto entre comprador e vendedor não permitem este entendimento, sendo estas questões resolvidas de outra forma, nomeadamente através dos deveres de informação do emitente, e norteadas por outros princípios, como a estabilidade, credibilidade e segurança do mercado de valores mobiliários.
(9) Engrácia Antunes, op. cit, refere haver um critério diferente na formação do preço conforme se adquira o controlo da sociedade em que há habitualmente lugar ao pagamento de um valor mais alto — o chamado prémio de controlo, ou apenas uma participação minoritária. Não está em causa, obviamente, que muitas vezes a aquisição do controlo implica o pagamento de um valor extra. A questão reside em que a base de cálculo do preço é na maior parte dos casos igual nas duas situações (aquisição de participação maioritária ou minoritária) e está ligada à situação ou expectativas económicas da sociedade, sendo o prémio de controlo um “plus”.
(10) Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, estudo magistral publicado no BMJ n.º 215, págs. 5 e sgs. Veja-se sobre este ponto em particular (i.e., a designação do objecto incluir as qualidades da coisa), págs 15 e sgs.
(11) Quanto à qualificação dos artigos 905.º e 913.º do CC ver J. Baptista Machado, op cit., pags. 15 e sgs.
(12) As excepções a este princípio encontram-se expressamente previstas na lei. É?o caso, nomeadamente, da transmissão do direito ao arrendamento e dos contratos de trabalho.
(13) Tal como o que justifica dizer-se que o credor hipotecário não garante a qualidade ou estado do imóvel é o facto de o conteúdo do seu direito não lhe conferir o mesmo nível de domínio sobre o imóvel, de não ser necessariamente inerente e exigível ao credor hipotecário (e logo expectável pelo adquirente) o mesmo conhecimento (ou a possibilidade de conhecimento) sobre o imóvel que tem o seu proprietário. Note-se que não se recusa que a percentagem efectivamente vendida possa ter relevo para aferir a medida da garantia, o que será um ponto a verificar perante o caso concreto.
(14) Será também interessante explorar o que sucede nos casos em que o vendedor (ainda que maioritário) desconhecia de boa fé determinadas contingências da sociedade, as quais foram ocultadas pela administração da mesma. No que diz respeito à responsabilidade do vendedor, estará aqui em causa a relevância da sua culpa como fundamento dos direitos do comprador. Pode-se questionar também se os gerentes/administradores que falsearam as contas em violação dos seus deveres podem ser responsáveis perante o comprador pelos prejuízos sofridos por este (por exemplo, aquisição a um preço superior ao valor efectivo da sociedade). Esta última questão não é fácil e estará relacionada, de entre outros institutos, com o nexo causal existente entre a violação dos deveres e o prejuízo sofrido.
(15) Sobre este ponto ver, por todos, António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op cit. Note-se que a relação dos artigos 905.º e 913.º e sgs. do CC com o regime do erro, em particular do erro vício, e o regime da responsabilidade pré-contratual é um dos problemas mais interessantes e complexos do nosso direito civil. Atenta a dificuldade dos temas em causa e a natureza do presente artigo, não cabe aqui mais do que avançar com alguns princípios de solução.
(16) Adopta-se aqui a noção de erro e desconformidade sustentada por J. Baptista Machado, op. cit. Ver também sobre este ponto Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, 1999, pags. 181 e sgs e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4.a?Edição, Almedina, 2006, págs 50 e sgs. Para um apanhado geral do regime do erro, com extensas referências bibliográficas e jurisprudenciais, ver Menezes Cordeiro, Tratado..., págs. 598 e sgs..
(17) Note-se ainda a este respeito que o campo de aplicação do regime do erro será tanto mais limitado quanto mais completo for o contrato, na medida em que se o conteúdo do contrato for claro, a verificação de uma desconformidade da realidade com o contrato será naturalmente tratada como uma situação de incumprimento. Já quando o contrato for omisso relativamente à situação subjacente da sociedade, será mais difícil fazer a destrinça entre o acordo negocial (i.e. o conteúdo do contrato acordado entre as partes, tendo em atenção a interpretação da sua declaração negocial, com recurso aos artigos 236.º e sgs e 905.º e 913.º do CC) e o erro. Este ponto reforça desde logo a importância das cláusulas de declarações e garantias, tratadas em 5. infra.
(18) Ver a este respeito A. Varela e Pires de Lima CC Anotado, Tomo I, 4.a Edição, 1987, Coimbra Editora, pags 215 e 216 e bibliografia aí citada. Para uma perspectiva geral deste instituto ver Menezes Cordeiro, op. cit., págs. 392 e sgs.. Ver ainda para uma perspectiva da violação de deveres de informação ao abrigo do instituto da culpa in contrahendo, Eva Sónia Moreira da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, Almedina, 2003.
(19) Refira-se que a pouca jurisprudência que se encontrou sobre situações patológicas da compra e venda de participações sociais gira à volta da aplicação do artigo 227.º do CC. Veja-se a este título o acórdão do STJ de 4 de Abril de 2006, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2006, Tomo I, págs. 29 e sgs. e o acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Outubro de 2006, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2006, Tomo IV, págs.?85 e sgs. Este enquadramento jurídico parece ter sido da iniciativa dos próprios autores das acções, no âmbito da sua actuação no processo. O acórdão da Relação é bastante curioso, pois se bem que se centra nos requisitos da responsabilidade pré-contratual, utiliza também raciocínios típicos do regime dos artigos 905.º e 913.º do CC. Em qualquer caso, ambos os acórdãos admitem expressamente a possibilidade de aplicação do artigo 227.º a situações de contratos de compra e venda de participações sociais validamente celebrados. Esta não é, como se verá, a solução que se preconiza, onde tal aplicação só parece ser sustentável a título de recurso (e não como regra), pelas razões adiante explicadas. Crê-se que esta tendência da jurisprudência deve-se ao facto de o regime do incumprimento da compra e venda de participações sociais não estar ainda suficientemente definido na nossa ordem jurídica, ao contrário do regime da culpa in contrahendo, sobre o qual incidem já numerosos estudos e decisões. Nota de actualização: vide a lista de jurisprudência citada por Patrícia Afonso Fonseca, op. cit.
(20) Ver sobre este ponto e sobre o impacto dos princípios do direito comercial na compra e venda, Filipe Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, Volume I, 2007, Coimbra Editora, págs 44 e sgs., 152 e sgs. e 364 e sgs.
(21) Embora a lei não pareça atribuir aqui relevância às situações de desconformidade resultantes de uma actuação negligente do vendedor.
(22) Sobre estes pontos, embora em sentido diverso do aqui defendido, ver António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op cit..
(23) Sobre esta distinção ver, por todos, Pedro Romano Martinez, op. cit, pags.?215 e sgs.
(24) O facto de o CC caracterizar este direito como de anulação resulta da forma híbrida como regulou este instituto, algures entre o erro e o incumprimento (ver, por todos, J. Baptista Machado, op. cit, pags. 12 e sgs. e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil (...), págs. 217 e sgs. e Compra e Venda (...), págs. 50 e sgs.). Sustentando um fundamento contratual ao abrigo dos artigos 905.º e 913.º e sgs do CC, para a existência deste direito, ver J. Baptista Machado, op cit e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil (...), págs.?217 e sgs. e Compra e Venda (...), págs. 50 e sgs.. Equiparando este direito de anulação a uma verdadeira resolução por incumprimento, ver Pedro Romano Martinez, op cit., págs. 294 e sgs. Também neste sentido, embora não desenvolvendo o assunto, Engrácia Antunes, op cit, pág. 778.
(25) Cfr. Calvão da Silva, A empresa (...) e bibliografia aí citada. António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op. cit, não tomam uma posição expressa sobre esta questão, deixando-a em aberto.
(26) Não se irá aqui discutir a questão (interessante), de saber se caso a sociedade tiver um imóvel, que prazo será aplicável à verificação de vícios no mesmo (o prazo do 916.º nº.1 do CC ou do n.º 3 do mesmo artigo).
(27) Ver por todos A. Varela e Pires de Lima, CC Anotado, Vol II, Almedina, 1986, págs. 217 e 218.
(28) Refira-se que este ónus será consideravelmente menos forte no caso da aquisição de uma posição minoritária, o que poderá ter implicações relevantes no caso da impossibilidade do conhecimento do defeito e sua relevância, como se verá a seguir.
(29) Para uma descrição e classificação destas garantias, com abundantes referências bibliográficas, ver Engrácia Antunes, op. cit.
(30) Engrácia Antunes menciona outras business warranties, como as cláusulas relativas à gestão interina da sociedade entre a assinatura do contrato e a sua conclusão, quando exista um hiato temporal. Não se tratará aqui deste tema, na medida em que as mesmas são habitualmente construídas como cláusulas autónomas às cláusulas de declarações e garantias tout court e constituem não declarações/garantias sobre o objecto do negócio num determinado momento temporal que definem as características do que se vende, mas sim obrigações de facto positivo ou negativo que incidem sobre o vendedor durante determinado período de tempo a partir da data do contrato.
(31) Parece ser esta a posição de António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, op.?cit., optando aparentemente por atribuir uma relevância autónoma às mesmas.
(32) Assim também António Pinto Monteiro e P. Mota Pinto e Engrácia Antunes, op. cit.
(33) Poder-se-ia dizer que se o contrato contém uma cláusula de declarações e garantias será sempre e desde logo uma compra e venda de empresa, ainda que diga respeito a uma posição minoritária. O entendimento acima adoptado sobre a interpretação do sentido normal de um contrato de compra e venda de participações sociais, que inclui sempre uma representação sobre a realidade subjacente da sociedade em causa, permite afastar o recurso a este argumento, que parece, aliás, um pouco forçado. O que justifica a garantia não é o facto de se transmitir a empresa ou parte dela, que pode até nem existir, mas a constatação de que ao abrigo dos usos e tráfego comercial a compra e venda de participações sociais é sempre um meio e corresponde a algo mais do que a aquisição do feixe de direitos e deveres societários previsto no CSC.
(34) O texto deste capítulo foi retirado, com algumas alterações de pormenor, do meu artigo já citado (Cláusulas de Declarações...)
(35) Neste sentido, Pedro Romano Martinez, op. cit., pags. 498 e sgs..
(36) Neste sentido, Pedro Romano Martinez, op. cit., pags. 498 e sgs..
(37) Já me deparei, na minha vida profissional, com um vendedor que não estava disposto a dar sequer a garantia da titularidade das participações sociais.
(38) Ver também sobre este ponto Pedro Romano Martinez, op. cit., págs. 484 e sgs..
(39) O facto de algumas normas do regime da compra e venda defeituosa ou onerada serem injuntivas não será obstáculo a este entendimento, uma vez que os seus pressupostos de aplicação — a existência de defeito ou desconformidade — não se verificam por força da cláusula de não garantia.
(40) Sobre este conceito e eventuais limitações aplicáveis, ver
(41) Realça-se que estamos a falar de contingências não cobertas por declarações e garantias sobre a situação da sociedade referidas a uma data específica, na maioria dos casos a data do contrato de compra e venda. Contingências ocorridas posteriormente, sem relação com situações anteriores ao contrato, não são normalmente incluídas neste género de cláusulas, sendo assim em regra suportadas pelo comprador.
(42) Sobre o conceito de lacuna e integração do negócio jurídico ver, de entre outros, Menezes Cordeiro, op cit, págs 561. e sgs.