Acórdão do Conselho Superior de 17 de Dezembro de 2004 - Sociedades de advogados (siglas)
Relator: Dr. Luís Neiva Santos
Assunto: Siglas e Logotipos
Sumário:
1. Pretendendo uma sociedade de advogados adoptar uma sigla que não faz apelo às iniciais dos nomes dos seus sócios, antes se apoia nas iniciais da expressão “international law services” que é ou pode ser comum à actividade de qualquer escritório de advocacia e pretendendo mais que esta sigla e o logotipo apoiado nela — que inclui a expressão “sociedade de advogados” que por lei tem obrigatoriamente de estar presente em todas as firmas — passe a ser “acrescentada” ao papel timbrado, ao lado, acima ou abaixo da sua própria firma, significaria colocar no mesmo papel timbrado expressões concorrentes que, inculcando a ideia de duas sociedades diferentes, envolveria violação do princípio da verdade que domina a composição da firma e, por inerência, tudo quanto com ela se pode confundir, retirando-lhe transparência.
2. Não é por o actual Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei 513-Q/79 de 26 de Dezembro — em vigor ainda por dias — não conter norma proibitiva do uso de siglas e logotipos que se chega, sem mais, à sua livre admissibilidade: com ele e por ele estão proibidas todas as siglas e logotipos cujo uso envolva violação do princípio da verdade em que aquele diploma se inspira e que acolhe.
3. O novo Regime Jurídico das Sociedades de Advogados, aprovado pelo DecretoLei 229 /2004 de 10 de Dezembro e que entra em vigor no dia 9 de Janeiro de 2005, aceitando, embora, o uso de siglas e logotipos em termos, de resto, muito acanhados, continua confessadamente a inspirar-se no princípio da natureza não mercantil das sociedades de advogados, princípio este que dominava de modo inteiramente rígido o regime agora revogado e prestes a cessar vigência: é também por isso que não é legítimo dizer-se que, da não proibição expressa do uso de siglas e logotipos, decorria, na lei antiga, a liberdade do seu uso.
4. Se a nova lei, apesar da sua relativa abertura, ainda assim apenas aceita siglas na firma social que se inspirem nas iniciais dos nomes dos sócios, pode concluir-se, à face desta lei e, por maioria de razão, à face da lei antiga, que não são admitidas siglas diferentes nem denominações de fantasia como marca ou sinal distintivo das sociedades de advogados — excepção feita aos logotipos aprovados pelo Conselho Geral nos termos do disposto no art 11.°, n.° 2 do Decreto-Lei 229/2004 de 10 de Dezembro.
1. … & Associados, Sociedade de Advogados inscrita nesta Ordem sob o n.° …, com sede na … em …, requereu ao Conselho Distrital de Lisboa que lhe fosse autorizada a utilização da sigla “i.l.s. — international law services” e bem assim do logotipo com a representação gráfica constante de documento que juntou, onde, além das iniciais “i.l.s.”, aposta sobre fundo que transita do preto e branco em linhas verticais, para o preto contínuo, aparece a expressão “sociedade de advogados”, tendo por baixo, em extenso, a expressão “internacional law-services”. Sustentou que pretende utilizar, quer a sigla, quer o logotipo, como meio de se identificar e fazer constar do seu papel timbrado e demais documentos referentes à sociedade — isto porque tem em curso um projecto de criação de um grupo de cooperação e intercâmbio com outras sociedades de advogados, de âmbito internacional, por forma a poder colaborar mutuamente com colegas estrangeiros relativamente a assuntos legais de interesse comum. Concluiu referindo que aqueles sinais distintivos se mostravam já, a seu pedido, registados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e que, no pressuposto da legitimidade do seu uso, já tinha mandado imprimir grandes quantidades de papel timbrado, envelopes e outros suportes cuja não autorização lhe traria avultados prejuízos.
O Conselho Distrital de Lisboa, conhecendo do pedido, veio a indeferi-lo por Acórdão de 20 de Fevereiro de 2002 com fundamento, em síntese, na circunstância de a sigla ter de acrescer à razão social e o aditamento que se lhe fizesse de elementos não coincidentes com as iniciais dos nomes dos sócios ou de alguns dos sócios violaria os valores subjacentes à solução legal que se encontra em vigor, isto é, a necessidade de todos os elementos utilizados como identificadores da sociedade de advogados permitiram a sua individualização pública bem como o correcto entendimento geral da actividade exercida. Inconformada, interpôs a Requerente o presente recurso, defendendo que o quadro legal em vigor conduz a solução inversa da que fez vencimento no Acórdão recorrido. Sustenta, também em síntese que, apesar de a sigla pretendida não ser composta pelas iniciais dos seus sócios, ainda assim a sua utilização devia ser autorizada por não existir norma proibitiva da utilização de siglas e a pedida se destinar a ser acrescentada ao papel timbrado da Requerente, sem em nada contender com a sua razão social que dele continuará a fazer parte.
2. Não temos dúvidas de que, tanto no quadro legal em vigor à data em que foi formulado o pedido e proferido o Acórdão recorrido, como no quadro do novo regime jurídico das sociedades de Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 229/2004 de 10 de Dezembro(1), o presente recurso não merece provimento. Dir-se-á porquê.
Para efeito do que aqui importa ter presente, dá-se o nome de “sigla” às letras iniciais que funcionam como abreviatura de uma ou mais palavras e cuja sequência funciona como nova denominação(2). Dá-se, por sua vez o nome de “logotipo”(3) ao conjunto de letras, abreviaturas, desenhos, reunidos numa só peça e que constitui o elemento de identificação visual de uma empresa, instituição ou marca comercial (4). À luz destes conceitos, tem de concluir-se que a Requerente pretende adoptar como sigla, não a sigla extraída das iniciais dos nomes dos sócios que compõem a sociedade requerente, mas a sigla extraída da expressão “international law services” (i.l.s.), sendo o logotipo que igualmente pretende adoptar uma composição visual apoiada nesta sigla “i.l.s.” e não na resultante dos nomes dos sócios, combinada, como se viu atrás, com as expressões “sociedade de advogados” e “International law services” enquadradas graficamente num desenho que tudo envolve.
Sabe-se que, em matéria de firma, vigora o chamado princípio da verdade que significa que a firma deverá corresponder à situação real a que respeita, não podendo conter elementos susceptíveis de a falsear ou de provocar confusão, quer quanto à identidade do empresário, quer quanto à identidade dos sócios, quer ainda quanto à natureza da sociedade e à índole ou âmbito do próprio estabelecimento.(5) Reflexo deste princípio é o ainda vigente(6) art. 7.° do DL 513-Q/79 que estabelece que a razão social deve individualizar todos os sócios da sociedade de advogados ou pelo menos alguns e deve conter, além da expressão “sociedade de advogados”, a expressão “associados” quando não identifique todos os sócios. Reflexo deste mesmo princípio é também o disposto no art. 10.° do novo Decreto-Lei 229/2004, a entrar em vigor daqui a dias e que estabelece que a firma da sociedade de advogados continuará obrigatoriamente a inspirar-se no nome de todos ou pelo menos alguns dos sócios, sendo necessariamente acompanhada das expressões, já exigidas pela lei antiga, como se viu, “associados”(7) e “sociedade de advogados”. A este nível, a diferença entre o antigo e o novo regime está, justamente, na admissibilidade de siglas e logo tipos, todavia em termos particularmente acanhados: as siglas, enquanto denominações abreviadas, só são consentidas se e quando sejam obtidas com recurso às iniciais dos nomes que precisamente compõem a firma da sociedade e os logotipos dependem de aprovação do Conselho Geral, sendo óbvio não poderem estes ser efectuados com incorporação de siglas proibidas.
Dito isto, apodíctico é, data venia, tirar a conclusão incontornável: pretendendo a Recorrente adoptar uma sigla que não faz apelo às iniciais dos nomes dos seus sócios, antes se apoia nas iniciais da expressão “international law services” que é ou pode ser comum à actividade de qualquer escritório de advocacia e pretendendo mais que esta sigla e o logotipo apoiado nela — que inclui, não se esqueça, a expressão “sociedade de advogados” que por lei tem obrigatoriamente de estar presente em todas as firmas — passe a ser “acrescentada”(8) ao papel timbrado, ao lado, acima ou abaixo da sua própria firma, significaria colocar no mesmo papel timbrado expressões concorrentes que, inculcando a ideia de duas sociedades diferentes, envolveria violação do princípio da verdade que, como atrás se viu, domina a composição da firma e, por inerência, tudo quanto com ela se pode confundir, retirando-lhe transparência(9). Por outras palavras: não querendo a Recorrente a sigla pretendida para efeito de a incorporar na sua própria firma, a sua adopção constituiria, até porque inclui a expressão “sociedade de advogados”, inaceitável elemento de confusão com a própria firma. Digamos que não pode um sinal distintivo, uma denominação de fantasia, uma marca ou uma qualquer referência à oferta específica de serviços por parte de uma sociedade de advogados, se admissível fosse, gerar confusão com a própria firma.
E não se diga que a nova lei dá à ideia da proibição um apoio que faltava na lei antiga e que, por faltar, concedia à Recorrente o argumento que esgrime na sua alegação segundo o qual o que não é proibido, é consentido. De facto, a lei antiga já proibia tudo quanto envolvesse violação do princípio da verdade em matéria de firma das sociedades de advogados e, por inerência, tudo quanto levasse à introdução de confusões a propósito da sociedade que opera no mercado. É por isso que, apesar do maior apoio literal que a nova lei dá ao não provimento do presente recurso, sempre ele se impunha ainda quando a lei antiga não estivesse em vésperas de constituir direito revogado. Neste particular, vale a pena referir que o preâmbulo do Decreto-Lei 29/2004 afirma inspirar-se o diploma no “princípio da natureza não mercantil das sociedades de advogados”, por isso que não remete a regulamentação das sociedades de advogados para o direito mercantil como sucede com outras ordens jurídicas. Quer isto significar, como é fora de toda a dúvida, que a nova lei, apesar de conceder a uma abertura a valores e práticas na prestação de serviços que a progressiva “anglo-saxonização” vai culturalmente introduzindo nos nossos hábitos, ainda assim se inspira nuclearmente da cultura que é a sua antítese, ou seja, a cultura continental europeia, mais próxima da austeridade do direito germano-românico do que dos valores meramente mercantis que dominam nos países de tradição anglo-saxónica.
É por isso que o artigo 2.° do Decreto Lei 229/2004 estabelece como direito subsidiário para as sociedades de advogados, não o direito das sociedades comerciais, senão o direito das sociedades civis. (10)(11)
3. Nestes termos e porque, face ao exposto, improcedem as razões sustentadas na alegação da Recorrente, somos de parecer que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
À 1.a Sessão
Porto, 14 de Dezembro de 2004.
O Relator
Acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advogados Portugueses confirmando o Parecer do Relator, que antecede, negar provimento ao recurso interposto pela Sociedade … (Proc. …) e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2004.
Notas:
(1) Este Decreto-Lei n.° 229/2004 de 10 de Dezembro entra em vigor apenas no dia 30 de Janeiro de 2005, ou seja, 30 dias depois da sua publicação (cfr. art. 65.°). Nem por isso deixaremos de o tomar como ponto de referência de todo o raciocínio posterior, certo como é que o diploma está já publicado e só falta deixar esgotar o período de “vacatio”.
(2) Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, pág. 3410.
(3) Ou logotipo, como igualmente se pode dizer e escrever.
(4) Cfr., idem, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, pág. 2294.
(5) Cfr., por todos, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Reprint, Lex, 1994, pág. 153.
(6) Por escassos dias.
(7) Quando não identifique todos os sócios.
(8) Expressão usada pela Recorrente na sua alegação (cfr. pág. 18 dos autos).
(9) Repare-se que tanto a lei antiga como a lei nova estabelecem a obrigatoriedade de a firma aparecer em todos os documentos e correspondência da sociedade, sendo destituído de sentido que a lei, por um lado, pusesse esta exigência e, ao mesmo tempo, estivesse a consentir que se lhe acrescentasse um logotipo apoiado numa sigla que sugere sociedade diferente da própria firma também mencionada no papel timbrado.
(10) Esta matriz cultural de sempre do nosso direito, mesmo do que agora vai entrar em vigor, é que explica que a adopção de siglas se restrinja às iniciais dos nomes dos sócios da sociedade de advogados: se não fosse assim, não tardaria que triunfasse o mau gosto e aparecessem as denominações de fantasia com a corrida ao registo de marcas como “A Ideal dos Divórcios” e outras semelhantes.
(11) Deixa-se aqui referido que, colocada a questão neste pé, de nada releva estar a enfrentar o problema de saber se a sigla e o logotipo pretendidos pela Recorrente implicavam, se autorizados, violação da proibição da publicidade nos termos do disposto no n.° 3 do art. 8.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, questão cuja resposta não é líquida.