Luís de Lima Pinheiro - O regulamento comunitário sobre insolvência - Uma introdução


O REGULAMENTO COMUNITÁRIO SOBRE INSOLVÊNCIA — UMA INTRODUÇÃO(*)

Pelo Professor Doutor Luís de Lima Pinheiro(**)

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO. I. SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO DA INSOLVÊNCIA INTERNACIONAL. II. ÂMBITO DE APLICAÇÃO. A) Âmbito material de aplicação. B) Âmbito espacial de aplicação. C) Âmbito temporal de aplicação. III. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. A) Aspectos gerais. B) Conflitos de competência. C) Âmbito da competência. D) Medidas provisórias e cautelares. IV. DIREITO APLICÁVEL. A) A regra da lex fori concursus. B) Regras materiais complementares. C) Direitos reais. D) Compensação. E) Contratos em curso. F) Sistemas de pagamento e mercados financeiros. G) Direitos sujeitos a registo obrigatório. H) Direitos comunitários de propriedade industrial. I) Actos prejudiciais à massa. J) Protecção do terceiro adquirente. L) Acções pendentes. M) Referência material. V. RECONHECIMENTO DE DECISÕES ESTRANGEIRAS. A) Aspectos gerais. B) Reconhecimento de efeitos. C) Atribuição de força executiva. D) Condições de reconhecimento. VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS. BIBLIOGRAFIA.

INTRODUÇÃO

I. Em época de globalização da economia as actividades dos agentes económicos têm frequentemente uma dimensão transnacional. Na realização das suas actividades, estes agentes contratam com fornecedores e clientes estabelecidos no estrangeiro, abrem sucursais no estrangeiro e, em certos tipos de empresa transnacional, criam uma pluralidade de filiais em países estrangeiros. Esta é, justamente, a principal razão para a importância que hoje assumem as insolvências transnacionais.

Suponha-se que uma sociedade com sede social e estabelecimento principal em Portugal, que desenvolve a sua actividade também em Espanha e França, onde possui sucursais, se mostra incapaz de pagar a generalidade das suas dívidas. Um banco espanhol pretende requerer a declaração de insolvência da sociedade.

Suponha-se também que uma sociedade com sede estatutária em Inglaterra, que é administrada na Holanda e tem um estabelecimento em Portugal, não cumpre as suas obrigações com a generalidade dos credores portugueses, que pretendem requerer a declaração de insolvência da sociedade. Entretanto, é proferida na Holanda uma decisão de insolvência da mesma sociedade.

Em casos como estes não se pode dar por adquirida a competência dos tribunais portugueses e a aplicabilidade do regime comum da insolvência vigente na nossa ordem jurídica. Do carácter transnacional da insolvência decorre todo um conjunto de questões específicas que importa resolver antes do mais, designadamente:

— a questão de saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a declaração de insolvência;

— em caso afirmativo, o problema da determinação da lei ou leis nacionais aplicáveis à insolvência;

— a questão de saber se a declaração de insolvência proferida em Portugal abrange os bens localizados no estrangeiro e, inversamente, se a declaração de insolvência proferida no estrangeiro abrange os bens situados em Portugal;

— ligada com a anterior, a questão dos efeitos que a decisão de insolvência proferida em Portugal produz noutros Estados e dos efeitos que a decisão proferida no estrangeiro produz em Portugal (reconhecimento de decisões estrangeiras).

Pertence ao Direito Internacional Privado a espinhosa missão de dar resposta a estas questões.

II. Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes de Direito Internacional Privado nesta matéria: o regime comunitário e o regime interno. O regime comunitário consta principalmente do Reg. (CE) n.° 1346/2000, de 29/5, Relativo aos Processos de Insolvência (doravante designado Regulamento sobre insolvência). Este Regulamento entrou em vigor em 31 de Maio de 2002 (1). Contrariamente ao que a sua designação poderia sugerir, este diploma não regula o processo de insolvência, não estabelece um Direito Europeu da Insolvência. Os tribunais de cada Estado-Membro continuam a aplicar o Direito processual interno às insolvências internacionais. O Regulamento sobre insolvência regula fundamentalmente a competência internacional, a determinação do Direito aplicável e o reconhecimento de decisões estrangeiras. Trata-se, portanto, de uma fonte comunitária de Direito Internacional Privado.

Isto não obsta a que o Regulamento contenha um conjunto de normas materiais unificadas complementares, quer de carácter processual quer de carácter substantivo, designadamente nos arts. 19.° a 24.° e 29.° a 42.°. Estas normas visam, entre outros aspectos, a coordenação entre processos instaurados em vários Estados-Membros e a adopção de medidas de publicidade (2).

Assim, o Regulamento sobre insolvência não prejudica, em princípio, a aplicação pelos tribunais portugueses do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Em caso de conflito, prevalecem as normas do Regulamento, que é uma fonte do Direito hierarquicamente superior à lei ordinária na ordem jurídica interna. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas contém ainda algumas normas de execução do Regulamento (arts. 271.° a 274.°).

III. O Regulamento sobre insolvência foi adoptado pelo Conselho da União Europeia, com invocação da competência que lhe é atribuída pelos arts. 61.°/c e 65.° do Tratado da Comunidade Europeia, com a redacção dada pelo Tratado de Amesterdão.

Noutro lugar, assinalei as dúvidas que se suscitam relativamente à atribuição de competência legislativa à Comunidade Europeia em matéria de Direito Internacional Privado, ao alcance da competência atribuída e ao respeito do princípio da subsidiariedade (3). Tive então ocasião de assinalar o carácter muito vago ou artificioso das razões apresentadas, nos Considerandos dos Regulamentos comunitários, para a necessidade de uma intervenção legislativa comunitária.

Esta crítica encontra certo campo de aplicação com respeito ao Regulamento sobre insolvência, quando se pretende estabelecer um nexo directo entre o bom funcionamento do mercado interno e a insolvência das empresas com actividade transnacional (Considerandos n.os 2 a 4). Admito que nesta matéria pesem considerações específicas à luz das quais seja conveniente uma unificação ou harmonização do Direito material da insolvência à escala comunitária. Mas estas considerações não são transponíveis mecanicamente para a unificação do Direito Internacional Privado da Insolvência. A unificação do Direito Internacional Privado da Insolvência é sem dúvida desejável, designadamente porque promove a previsibilidade sobre a jurisdição competente, o Direito aplicável e a eficácia das decisões estrangeiras, bem como a distribuição harmoniosa das esferas de competência jurisdicional dos Estados (reduzindo assim as oportunidades de forum shopping). Quando feita à escala comunitária, esta unificação pode dar algum contributo para a criação de um ambiente mais favorável ao comércio intracomunitário. Já seria forçado pretender que esta unificação é uma condição necessária ao bom funcionamento do mercado interno.

As dúvidas relativas ao respeito do princípio da subsidiariedade poderiam ser, nesta matéria, atenuadas pela circunstância de a adopção de uma Convenção internacional pelos Estados-Membros ter encontrado mais dificuldades do que nas matérias cobertas pela Convenção de Bruxelas sobre a Competência Judiciária e a Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial. De todo o modo, estas dificuldades parecem ter sido alheias ao regime jurídico em causa e sempre poderiam ser obviadas pelo recurso a um instrumento mais flexível e respeitador da autonomia dos Estados-Membros, como a elaboração de Leis-Modelo que os Estados--Membros seriam livres de adoptar.

IV. Na verdade, o Regulamento sobre insolvência foi precedido de uma Convenção sobre os Procedimentos de Insolvência, aberta à assinatura dos Estados-Membros em Bruxelas, em 23 de Novembro de 1995. Esta Convenção foi adoptada ao abrigo do art. 220.° do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 293.°) e foi assinada por todos os Estados-Membros, com excepção do Reino Unido, aparentemente por razões alheias à própria Convenção (4), nunca tendo entrado em vigor.

Perante a competência atribuída à Comunidade Europeia, em matéria de Direito Internacional Privado, pelo Tratado de Amesterdão, os órgãos comunitários decidiram transformar esta Convenção num Regulamento comunitário com um texto normativo praticamente idêntico. Dada esta identidade, os trabalhos preparatórios da Convenção constituem um precioso elemento de interpretação do Regulamento, em especial o Relatório Explicativo VIRGÓS/SCHMIT, que foi negociado pelos Estados-Membros e em que se explica a origem e a teleologia dos seus preceitos.

V. A Dinamarca, nos termos dos arts. 1.° e 2.° do Protocolo Relativo à Posição da Dinamarca anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, não está vinculada pelo Regulamento nem sujeita à sua aplicação. Para os outros Estados-Membros isto significa que a Dinamarca deve ser considerada como um Estado terceiro.

VI. O TCE tem competência para decidir sobre a interpretação do Regulamento sobre insolvência nos termos dos arts. 68.° e 234.° do Tratado da Comunidade Europeia. Assim, sempre que uma questão de interpretação seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso previsto no Direito interno, este órgão, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, deve pedir ao TCE que sobre ela se pronuncie (art. 68.°/1) (5).

VII. Com o presente estudo proponho-me fazer uma introdução ao Regulamento sobre insolvência, examinando o sistema de organização da insolvência internacional (I), o âmbito de aplicação do Regulamento (II), os regimes de determinação da competência internacional (III) e do Direito aplicável (IV) e o regime de reconhecimento de decisões estrangeiras (V). Incluem-se ainda umas breves considerações finais (VI). Não entrarei no estudo das normas materiais unificadas contidas no Regulamento, sem prejuízo das referências que se mostrem apropriadas.

I. SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO DA INSOLVÊNCIA IN-TERNACIONAL

São dois os sistemas básicos de organização da insolvência internacional: o sistema territorial e o sistema universal. No sistema territorial, cada Estado organiza o processo de insolvência sobre os bens situados no seu território segundo o seu próprio Direito. O sistema territorial tende, por isso, para uma pluralidade de processos de insolvência relativos ao mesmo devedor. No sistema universal, o processo de insolvência instaurado num Estado abrange todos os bens do devedor. O sistema universal aspira, por isso, a uma unidade do processo de insolvência relativo a determinado devedor.

Estes sistemas básicos apresentam diversas variantes e podem ser objecto de combinação dando então lugar a sistemas mistos (6).

São variados os argumentos esgrimidos a favor e contra cada um dos sistemas (7).

O principal argumento que hoje se pode invocar a favor do sistema territorial é a protecção dos pequenos credores locais. O sistema universal obriga os pequenos credores situados nos diferentes países em que o devedor desenvolve actividade a fazerem valer os seus créditos num processo instaurado no estrangeiro segundo uma lei estrangeira, sem que estes credores tenham geralmente força negocial para repercutir este risco no preço do seu crédito. Por outro lado, a admissibilidade de processos territoriais pode em certos casos facilitar a realização das finalidades do processo de insolvência. Em primeiro lugar, um processo de insolvência limitado aos bens situados em determinado Estado pode ser suficiente para recuperar uma empresa transnacional, evitando-se a extinção da empresa e os custos de um processo universal. Segundo, um processo único pode suscitar mais custos e dificuldades do que um sistema misto em que se combine um processo principal com processos territoriais secundários. Por exemplo, quando os tribunais do Estado de abertura do processo principal sejam confrontados com direitos de garantia constituídos com base em leis estrangeiras e que não são facilmente transponíveis para as categorias da lei do foro ou quando o número de credores seja muito elevado.

Contra o sistema territorial pesam, porém, razões ponderosas, que podem ser invocadas a favor do sistema universal. Primeiro, os custos processuais e substantivos de uma pluralidade de processos de insolvência são mais elevados que os custos de um processo único. Segundo, se a posição de um credor no concurso depender da localização dos bens, gera-se incerteza jurídica e permite-se manobras fraudulentas destinadas a favorecer uns credores em prejuízo dos outros através da deslocação internacional dos bens ou do encerramento de estabelecimentos. Em ligação com isto, e em terceiro lugar, a unidade de processo e lei aplicável promove a igualdade dos credores. Quarto, as decisões que visem a recuperação da empresa são na maior parte dos casos mais viáveis quando produzam efeitos relativamente a todo o património da empresa do que quando incidam apenas sobre uma parte deste património.

Em todo o caso, um puro sistema universal não atende suficientemente aos interesses dos pequenos credores locais e às vantagens oferecidas por processos territoriais de insolvência em certas circunstâncias. Daí que mereça preferência uma sistema misto de pendor universalista.

O Regulamento sobre insolvência adopta um sistema deste tipo. Segundo este sistema, o processo de insolvência principal é aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos principais interesses do devedor e tem vocação para abranger todo o património do devedor (8). Mas admite-se a instauração de processos territoriais noutros Estados-Membros em que o devedor tenha estabelecimentos; os efeitos destes processos secundários são limitados aos bens situados no território dos Estados em que são instaurados (9).

Os processos territoriais podem ser independentes ou secundários. O processo territorial é independente se e enquanto não for aberto um processo principal. O processo territorial independente só pode ser instaurado quando não for possível abrir um processo de insolvência principal ou a requerimento dos credores locais ou dos credores do estabelecimento local (10). O processo territorial é secundário sempre que corra paralelamente com o processo prin-cipal.

Com a instauração de um processo secundário pode visar-se quer a protecção de credores locais quer a eficácia da administração do património, designadamente quando o património seja demasiado complexo para ser administrado como uma unidade ou quando as diferenças entre os sistemas jurídicos sejam tão substanciais que se revele preferível evitar a aplicação da lei do Estado de abertura do processo principal relativamente aos bens situados noutros Estados.

O Regulamento articula a competência internacional com o Direito aplicável: a lei aplicável não só ao processo mas também aos aspectos substantivos da insolvência é, em regra, a do Estado--Membro de abertura do processo. A competência da lei do Estado de abertura do processo é afastada relativamente aos efeitos do processo de insolvência sobre situações jurídicas particularmente significativas, tais como os direitos reais de terceiros e os contratos de trabalho (11).

II. ÂMBITO DE APLICAÇÃO

A) Âmbito material de aplicação

O âmbito material de aplicação do Regulamento abrange os processos colectivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico (art. 1.°/1), com algumas excepções (art. 1.°/2).

Para a determinação dos devedores que podem ser sujeitos a um processo de insolvência o Regulamento remete para a lei do Estado de abertura do processo (que é, como adiante se verá, a lei reguladora da insolvência) (art. 4.°/2/a). O Regulamento é aplicável independentemente de o devedor ser uma pessoa singular ou colectiva, um comerciante ou um não comerciante (12). Daqui resulta que cabe à lei reguladora da insolvência determinar em cada caso que pessoas ou organizações de pessoas ou bens sem personalidade jurídica podem ser sujeitas a um processo de insolvência e a que tipo de processo (13).

O Regulamento exclui expressamente a sua aplicação a empresas de seguros e instituições de crédito (14), a empresas de investimento que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros e a organismos de investimento colectivo (art. 1.°/2). Os conceitos de “empresa de seguros”, “instituição de crédito”, “empresa de investimento” e “organismo de investimento colectivo” devem ser entendidos à luz das normas comunitárias que regulam o acesso e exercício de actividades destas empresas (15).

Os processos abrangidos são os que se revestem das quatro características enunciadas no art. 1.°/1 e que estão incluídos expressamente nos Anexos do Regulamento (art. 2.ª/1/a e c).

Primeiro, trata-se de processos colectivos que são aqueles que têm por finalidade a satisfação conjunta dos credores. Segundo, estes processos devem ser fundados na insolvência do devedor. A este respeito o Regulamento baseia-se na ideia de crise financeira mas, como não contém uma noção autónoma de insolvência, pertence à lei reguladora da insolvência definir os pressupostos da insolvência (16). Terceiro, os processos devem determinar a inibição parcial ou total da administração ou disposição de bens pelo devedor, i.e., a transferência para outra pessoa dos poderes de administração e disposição sobre toda ou sobre uma parte do seu património ou a limitação dos ditos poderes mediante a intervenção de outra pessoa ou o controlo dos seus actos por outra pessoa (17). Enfim, e em correlação com a nota anterior, os processos devem implicar a designação de um síndico, i.e., qualquer pessoa ou órgão cuja função seja administrar ou liquidar os bens de cuja administração ou disposição o devedor esteja inibido ou fiscalizar a gestão dos negócios do devedor (art. 2.°/b). A lista destas pessoas e órgãos consta do anexo C. Em Portugal, são o administrador da insolvência, o gestor judicial, o liquidatário judicial e a comissão de credores.

Para ser abrangido pelo Regulamento não basta que o processo se revista destas características; é necessário que conste das listas contidas nos Anexos A e B (art. 2.°/a e c) (18). Em Portugal, são abrangidos o processo de insolvência, o processo de falência e os processos especiais de recuperação de empresa (concordata, reconstituição empresarial, reestruturação financeira e gestão controlada).

Cabe observar que as listas contidas nos Anexos do Regulamento, apesar de alteradas pelo Reg. n.° 694/2006, estão desactualizadas pelo que toca a Portugal. Com efeito, com a entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas passou a haver um processo de insolvência único, que pode seguir duas vias: os trâmites processuais de liquidação estabelecidos pelo Código ou um plano de insolvência que pode basear-se na recuperação da empresa. O novo Código também deixou de contemplar as figuras do gestor judicial e do liquidatário judicial.

B) Âmbito espacial de aplicação

O Regulamento não delimita o seu âmbito de aplicação no espaço no texto normativo. Seguindo uma técnica legislativa criticável (19), o critério de delimitação é enunciado no seu Preâmbulo: de acordo com o Considerando n.° 14 o Regulamento aplica-se “exclusivamente aos processos em que o centro dos interesses principais do devedor está situado na Comunidade” (20).

Por conseguinte, aos processos de insolvência instaurados num Estado-Membro sobre devedores que não têm o centro dos principais interesses na Comunidade aplica-se o Direito Internacional Privado de cada Estado. Na ordem jurídica portuguesa há que atender ao art. 65.°/1/b e d e ao art. 65.°-A/b CPC (21), conjugados com o art. 7.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como aos arts. 275.° e segs. deste Código. Sendo uma fonte de Direito Internacional Privado, o Regulamento só se aplica a insolvências transnacionais, em que há uma conexão relevante com outro Estado (Considerandos n.os 2 e 3) (22). Por exemplo, quando há bens ou credores situados noutros países. Controverso é se tem de haver uma conexão com outro Estado-Membro (23). Nem as normas do Regulamento nem o seu Preâmbulo dão apoio a esta exigência e nenhuma justificação razoável se vislumbra para estabelecer este limite adicional ao seu âmbito de aplicação (24). Dificilmente se pode retirar um argumento do fundamento da competência legislativa da Comunidade, quando este se refere ao bom funcionamento do mercado interno, uma vez que os órgãos comunitários não têm atribuído qualquer relevância prática a esta referência no exercício da sua competência nem, segundo a doutrina dominante, se deduzem daí limites ao âmbito de aplicação dos outros Regulamentos comunitários em matéria de competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras (25). A invocação do princípio da confiança mútua também parece despropositada, uma vez que este princípio serve fundamentalmente para justificar um regime liberal de reconhecimento de decisões estrangeiras e, neste domínio, o âmbito de aplicação no espaço do Regulamento é mais restrito (só abrange as decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de outros Estados--Membros).

Isto não exclui que determinadas normas do Regulamento contenham pressupostos adicionais de aplicação no espaço.

Primeiro, no que toca ao Direito de Conflitos, quase todas as normas especiais que limitam o âmbito de aplicação da lei reguladora da insolvência são aplicáveis apenas quando há uma conexão com outro Estado-Membro (arts. 5.° a 15.°, com excepção do art. 6.°, relativo à compensação, e do art. 14.°, relativo à protecção do terceiro adquirente). Mas isto não exclui que a norma de conflitos geral, que remete para a lei reguladora da insolvência, se aplique mesmo quando só há uma conexão com um Estado terceiro, desde que o centro dos principais interesses do devedor se situe na Comunidade.

Segundo, quanto ao reconhecimento de decisões estrangeiras, como já se assinalou, o Regulamento só disciplina o reconhecimento de decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de outros Estados-Membros.

Terceiro, no que se refere aos processos de insolvência secundários, as normas de coordenação contidas no Regulamento aplicam-se apenas aos processos em curso em Estados-Membros (26).

Por último, as regras materiais unificadas do Regulamento sobre informação dos credores e reclamação dos seus créditos só se aplicam aos credores que tenham residência habitual, domicílio ou sede num Estado-Membro (arts. 39.°, 40.°/1 e 42.°/2).

O conceito de centro dos principais interesses é objecto de uma definição legal autónoma contida no Considerando n.° 13 do Regulamento: o lugar onde o devedor exerce habitualmente — e que é, por isso, reconhecível por terceiros — a administração dos seus interesses (27).

No caso das “sociedades e pessoas colectivas”, presume-se que o centro dos principais interesses está localizado no lugar da sede estatutária (art. 3.°/1). A fórmula utilizada pelo Regulamento torna claro que esta presunção também é aplicável a entes colectivos sem personalidade jurídica desde que disponham de uma organização externa e de uma sede social designada no acto constitutivo ou nos estatutos e sujeita a requisitos de publicidade (28).

Esta presunção é ilidível (29). A doutrina tem geralmente entendido que, no caso de haver divergência entre a sede estatutária e a sede da administração, o centro dos principais interesses se localiza, em regra, no lugar da sede principal da administração (30). Em minha opinião, este entendimento não atende suficientemente à exigência de reconhecibilidade por terceiros. Como assinalei noutro lugar (31), o lugar da sede estatutária é o ponto privilegiado de referência de terceiros para a localização da pessoa colectiva. Na maior parte dos casos, não é reconhecível por terceiros que a pessoa colectiva tem a sede da administração num país diferente do da sede estatutária (32). Por isso, defendo que a presunção só pode ser ilidida quando se demonstre que a generalidade dos credores sabia ou devia saber que a pessoa colectiva é administrada noutro Estado. Isto pode ser o caso, designadamente, quando a pessoa colectiva não desenvolve qualquer actividade económica no Estado da sede estatutária e se apresenta com uma conexão especialmente significativa, reconhecível por terceiros, com outro Estado.

Uma decisão recente do TCE, no caso Eurofood (2006) (33), converge com este entendimento. Neste caso colocava-se a questão de saber se o centro dos principais interesses de uma filial irlandesa de uma sociedade-mãe italiana se situa na Irlanda, onde é correntemente gerida, ou na Itália, onde é exercido o controlo sobre a administração da filial. O TCE, ao decidir que o centro dos principais interesses se situa na Irlanda, não afastou necessariamente a relevância da sede da administração, visto que segundo o melhor entendimento as filiais têm a sede da administração no lugar onde as decisões fundamentais da direcção são convertidas em actos de administração corrente (34). Mas a fundamentação da decisão vai claramente mais além.

Com efeito, o TCE afirmou que resulta da definição contida no Considerando n.° 13 do Regulamento “que o centro dos interesses principais deve ser identificado em função de critérios simultaneamente objectivos e determináveis por terceiros”; “quando o devedor seja uma filial cuja sede estatutária e a sede da sua sociedade mãe estão situadas em dois Estados Membros diferentes, a presunção (…) segundo a qual o centro dos interesses principais dessa filial se situa no Estado Membro da respectiva sede estatutária só pode ser ilidida se elementos objectivos e determináveis por terceiros permitirem estabelecer a existência de uma situação real diferente daquela que a localização na referida sede estatutária é suposto reflectir. Tal pode ser, nomeadamente, o caso de uma sociedade que não exerça qualquer actividade no território do Estado Membro da sua sede social. Ao invés, quando uma sociedade exerça a sua actividade no território do Estado Membro onde se situa a respectiva sede social, o simples facto de as suas decisões económicas serem ou poderem ser controladas por uma sociedade mãe noutro Estado Membro não é suficiente para ilidir a presunção prevista no referido regulamento”. Vem a propósito referir, com respeito às coligações de sociedades, que a abertura ou consolidação de processos de insolvência contra qualquer das sociedades coligadas, como devedor principal ou solidariamente responsável, depende da verificação da competência internacional relativamente a cada um dos devedores em causa dotado de personalidade jurídica distinta (35).

Os entes colectivos sem personalidade jurídica podem não ter sede estatutária. Não sendo reconhecível por terceiros a localização da sede da sua administração será de atender ao lugar em que exercem a actividade principal, designadamente ao estabelecimento principal. Relativamente aos patrimónios autónomos terá de se atender ao lugar da sua administração externa. Enfim, no que toca à herança jacente já foi sugerido que se atenda ao lugar do último domicílio do autor da sucessão (36).

No seu Relatório Explicativo, VIRGÓS/SCHMIT entendem que o centro dos principais interesses se situa, no caso de profissionais independentes, no domicílio profissional e, relativamente a outras pessoas singulares, no lugar da residência habitual (37).

Na doutrina há a registar algumas flutuações a este respeito. Alguns autores colocam o acento no domicílio sem distinguirem entre diferentes categorias de pessoas singulares (38). Outros defendem que, relativamente às pessoas que desenvolvem uma actividade profissional independente, o centro dos principais interesses se encontra, em regra, no lugar onde exercem esta actividade. Já no que toca a outras pessoas singulares deve partir-se do princípio que esse centro se localiza na residência habitual (39).

A resolução deste problema interpretativo deve em minha opinião basear-se em duas considerações: cada pessoa só pode ter um centro dos principais interesses e os elementos de conexão devem ser de fácil concretização. A esta luz creio que é preferível atender, com respeito aos profissionais independentes, ao lugar onde é exercida a principal actividade, e, no que toca às outras pessoas singulares, ao lugar da residência habitual (ou da principal residência habitual, nos casos raros em que tenham mais de uma residência habitual).

C) Âmbito temporal de aplicação

No que se refere ao âmbito temporal de aplicação, o Regulamento baseia-se no princípio da irretroactividade: só é aplicável aos processos de insolvência abertos posteriormente à sua entrada em vigor (art. 43.°). O processo considera-se aberto no momento em que a decisão de abertura produz efeitos, independentemente de essa decisão ser ou não definitiva (art. 2.°/f).

O preceito acrescenta que “os actos realizados pelo devedor antes da entrada em vigor do Regulamento continuam a ser regidos pela legislação que lhes era aplicável no momento em que foram praticados”. Isto significa que as normas de conflitos contidas no Regulamento só se aplicam aos actos praticados depois da sua entrada em vigor e não prejudica a aplicação da lei designada pelo Regulamento aos efeitos falimentares desses actos quando o processo tenha sido aberto depois da sua entrada em vigor (40).

III. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

A) Aspectos gerais

O Regulamento estabelece duas regras de competência internacional: uma para o processo de insolvência principal e outra para o processo de insolvência territorial.

São competentes para abrir o processo de insolvência principal os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos principais interesses do devedor (art. 3.°/1). A determinação do centro dos principais interesses já foi anteriormente objecto de exame (II).

Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o devedor, com o centro dos principais interesses noutro Estado-Membro, possuir um estabelecimento, são competentes para abrir um processo de insolvência territorial, i.e., como foi atrás assinalado (I) limitado aos bens do devedor que se encontram no seu território (art. 3.°/2).

Para o efeito releva um conceito autónomo de estabelecimento definido no próprio Regulamento “o local de operações em que o devedor exerça de maneira estável uma actividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais” (art. 2.°/h).

O Regulamento também estabelece regras materiais unificadas sobre a localização dos bens para efeitos da aplicação das suas regras. Os bens corpóreos consideram-se, em princípio, localizados no Estado-Membro da sua situação; os bens e direitos que devam ser inscritos num registo público consideram-se localizados no Estado-Membro de registo; os créditos consideram-se localizados no Estado-Membro em que está situado o centro dos principais interesses do terceiro devedor (art. 2.°/g). Creio que este último critério é aplicável analogicamente à localização de outros bens incorpóreos (41). Quanto aos títulos de crédito já foi sugerido que se atenda ao lugar da situação do documento (42).

Na decisão de abertura do processo o órgão jurisdicional deverá indicar se a sua competência se fundamenta no n.° 1 ou n.° 2 do art. 3.° (cf. art. 21.°/1).

O processo de insolvência territorial que seja aberto depois de um processo principal (processo secundário) deve ser um processo de liquidação (art. 3.°/3). Entende-se por “processo de liquidação” um processo de insolvência que determine a liquidação dos bens do devedor, incluindo os casos em que o processo for encerrado através de concordata ou de qualquer outra medida que ponha fim à situação de insolvência ou em virtude da insuficiência do activo. Por acréscimo, só são considerados processos de liquidação os que constam do Anexo B (art. 2.°/c). Este Anexo refere, relativamente a Portugal, o processo de insolvência e o processo de falência (referência que, conforme foi atrás assinalado, está desactualizada).

Assim, enquanto os processos territoriais independentes podem ser processos de liquidação ou de recuperação de empresas, contanto que constem das listas contidas nos Anexos A e B (43), os processos secundários só podem ser um dos processos de liquidação enunciados no Anexo B. Ressalva-se a possibilidade de o processo territorial ser aberto antes do principal e de o síndico do processo principal não requerer a sua conversão num processo de liquidação nos termos do art. 37.° (44).

Quer do texto do art. 3.° quer do Considerando n.° 15 decorre que, em matéria de competência, o Regulamento disciplina apenas a competência internacional. A competência territorial interna deve ser determinada pelo Direito interno do Estado-Membro do foro. Em Portugal, a competência territorial determina-se com base no art. 7.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Deve entender-se que, à semelhança do que se verifica com o Reg. (CE) n.° 44/2001, de 22/12/2000, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (doravante designado Regulamento em matéria civil e comercial) (45), as competências estabelecidas nos termos do art. 3.° do Regulamento sobre insolvência não podem ser afastadas com base numa avaliação das circunstâncias do caso concreto, que leve a concluir que existe outra jurisdição competente mais bem colocada para decidir a causa. Torna-se assim claro que a cláusula do forum non conveniens não pode ser invocada pelo tribunal de um Estado-Membro para declinar a sua competência (46).

O momento relevante para fixar a competência internacional é o da apresentação do requerimento de abertura do processo de insolvência. O TCE já teve ocasião de decidir que o órgão jurisdicional do Estado-Membro em que está situado o centro dos principais interesses do devedor neste momento mantém a sua competência para abrir o referido processo quando o devedor transfere o centro dos principais interesses para o território de outro Estado-Membro após a apresentação do requerimento (47). De outro modo o devedor poderia, através da deslocação do centro dos principais interesses, manipular a determinação do tribunal competente e da lei aplicável e obrigar-se-ia os credores a perseguir o devedor de país para país com o consequente risco de prolongamento do processo.

B) Conflitos de competência

Sobre um mesmo devedor só pode ser instaurado um processo principal na Comunidade Europeia (48). No entanto, como o critério de competência estabelecido para o processo principal utiliza um conceito indeterminado (centro dos principais interesses), é facilmente concebível que os órgãos jurisdicionais de dois Estados-Membros se declarem concorrentemente competentes. Estes conflitos positivos de competência resolvem-se com base no princípio da prioridade: a decisão proferida pelo órgão jurisdicional que proceder à abertura em primeiro lugar deve ser reconhecida automaticamente nos demais Estados-Membros sem controlo da competência do tribunal de origem e, por conseguinte, o órgão jurisdicional do outro Estado-Membro tem de declarar-se incompetente.

Em conformidade com esta regra, o art. 272.°/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas determina que aberto um processo principal de insolvência noutro Estado-Membro apenas é admissível a instauração ou prosseguimento em Portugal de processo secundário (49).

A parte que não concorde com a aceitação da competência num Estado-Membro deve utilizar os meios de recurso que aí lhe sejam facultados e, em última análise, a uniformidade de interpretação pode ser assegurada pelo “reenvio prejudicial” do tribunal de última instância para o TCE (supra Introdução VI).

Se por desconhecimento do processo aberto em primeiro lugar for aberto um segundo processo principal, este processo deve ser extinto ou transformado num processo territorial secundário nos termos do art. 3.°/2 (50). Se for requerida a abertura do processo num Estado-Membro depois de o mesmo requerimento ser apresentado noutro Estado-Membro mas antes de proferida uma decisão de abertura neste Estado-Membro, o órgão jurisdicional demandado em segundo lugar deve esperar até que o órgão jurisdicional demandado em primeiro lugar se pronuncie para não incentivar a competição entre jurisdições (51).

Nas relações com Estados terceiros, os tribunais portugueses devem aplicar o regime interno do reconhecimento de decisões estrangeiras e de litispendência estrangeira. A competência estabelecida pelo art. 3.°/1 do Regulamento deve ser considerada uma competência exclusiva e, por conseguinte, não poderão ser reconhecidas, por força do próprio Regulamento, decisões de tribunais de Estados terceiros de abertura de um processo de insolvência principal (i.e., com vocação universal) quando o centro dos principais interesses do devedor se situar em Portugal ou noutro Estado--Membro (52).

No que se refere a conflitos negativos de competência, deve entender-se que se o órgão jurisdicional de um Estado-Membro declinar a competência os órgãos jurisdicionais de outros Estados--Membros têm de respeitar esta decisão e não podem alegar, para assumir a mesma atitude, que é competente a jurisdição desse Estado (53). Neste sentido dispõe também o art. 272.°/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

C) Âmbito da competência

Na determinação do âmbito material da competência fundada no art. 3.° do Regulamento sobre insolvência deve atender-se ao entendimento seguido para delimitar o âmbito material de aplicação da Convenção de Bruxelas e do Regulamento em matéria civil e comercial perante o art. 1.°/2/b destes instrumentos (54). Assim, entende-se que só estão excluídos do âmbito de aplicação destes instrumentos os litígios que derivem directamente da falência ou de processo análogo (55).

A este respeito também tem interesse referir o critério definido pelo TCE, com respeito à declaração de executoriedade de uma decisão, para a delimitação das decisões excluídas do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas: “que elas derivem directamente da falência e que se insiram estreitamente no quadro de um processo de liquidação de bens ou de uma concordata, assim caracterizado” (56).

Os litígios que, nesta base, se encontram excluídos do âmbito de aplicação destes instrumentos são abrangidos pela competência atribuída pelo art. 3.° do Regulamento sobre insolvência (57) (ver também infra V.A).

A competência da jurisdição do Estado de abertura do processo só é absolutamente exclusiva com respeito às questões relativas à abertura, tramitação e encerramento de um processo de insolvência. No que toca às acções directamente decorrentes do processo de insolvência, decorre expressamente do art. 25.°/1/§ 2.° que esta competência concorre com a de outras jurisdições estaduais. Parece todavia de entender que, neste caso, se trata de uma competência relativamente exclusiva: só o síndico pode recorrer a órgãos jurisdicionais que não sejam os do Estado de abertura do processo (58). Neste sentido pode invocar-se o disposto no art. 18.°/2 que constituirá uma manifestação particular de uma regra geral.

D) Medidas provisórias e cautelares

O Regulamento contém algumas regras relevantes em matéria de medidas provisórias e cautelares (art. 25.°/1/§ 3.° e art. 38.°), mas é no Considerando n.° 16 e no Relatório VIRGÓS//SCHMIT que se encontra desenhado o esquema subjacente em matéria de competência internacional e reconhecimento nesta matéria. O Regulamento será aplicável a uma medida cautelar quando esta for instrumental em relação a um processo sujeito ao Regulamento (59).

Têm competência internacional para decretar medidas provisórias e cautelares quer o órgão jurisdicional competente para abrir o processo de insolvência principal, a partir da apresentação do requerimento para a abertura do processo, quer os tribunais do Estado em que essas medidas devam ser executadas (60). As medidas decretadas pelo órgão jurisdicional competente para o processo de insolvência principal podem ter por objecto bens que se encontram no território de outros Estados-Membros e são reconhecidas nestoutros Estados-Membros ao abrigo do regime de reconhecimento do Regulamento (Considerando n.° 16 e art. 25.°/1/§ 3.°). O Regulamento prevê, especificamente, que o síndico provisório designado pelo órgão jurisdicional competente para o processo principal está habilitado a requerer medidas de conservação ou de protecção noutro Estado-Membro, previstas na lei desse Estado, pelo período compreendido entre o requerimento de abertura de um processo de insolvência e a decisão de abertura (art. 38.°).

As medidas decretadas pelo tribunal do Estado-Membro em que devam ser executadas têm, em princípio, eficácia meramente territorial. Quando estas medidas forem instrumentais relativamente ao processo de insolvência principal (61), deve entender-se que o órgão jurisdicional competente para o processo principal pode ordenar o levantamento, a modificação ou a continuação dessas medidas (62).

IV. DIREITO APLICÁVEL

A) A regra da lex fori concursus

Como já foi atrás assinalado, o Regulamento sobre insolvência articula a competência internacional com o Direito aplicável: a lei reguladora da insolvência é a lex fori concursus.

Assim, em regra, é aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos a lei do Estado-Membro em que é aberto o processo. Isto aplica-se quer ao processo principal (art. 4.°/1) quer ao processo territorial secundário (art. 28.°) ou independente (63), e inclui não só os aspectos processuais mas também, em princípio, os aspectos substantivos (art. 4.°/2).

A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência (art. 4.°/2). O art. 4.°/2 do Regulamento contém uma enumeração exemplificativa das questões submetidas à lei reguladora insolvência (64). O âmbito de aplicação da lei reguladora da insolvência inclui, designadamente, os pressupostos da declaração de insolvência, a legitimidade para a requerer, a designação dos administradores da insolvência e síndicos provisórios, a formação da massa activa e passiva, a administração da massa insolvente, o reconhecimento e a graduação de créditos, a participação dos credores e os modos de encerramento, mormente por liquidação e repartição, concordata ou plano de reorganização da empresa (65). Compreende igualmente os efeitos falimentares do processo de insolvência sobre o universo de relações patrimoniais do devedor e, no caso de o devedor ser uma pessoa colectiva, sobre o funcionamento da pessoa colectiva.

Como bem assinalam VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ (66), esta lei não se aplica à constituição dos direitos que os credores pretendem fazer valer na insolvência, que é regida pela lei designada pelo Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica dos Estados-Membros, designadamente em matéria de contratos obrigacionais e de direitos reais (67). A lei reguladora da insolvência ocupa-se antes da definição da “posição falimentar” destes direitos. Mas os arts. 5.° a 15.° vêm estabelecer desvios excepcionais a esta regra geral com respeito à “posição falimentar” de certos direitos, adiante examinados (C-L).

Quanto ao fundamento da regra da lex fori concursus são invocadas diversas razões de que se salientam (68):

—a facilidade e certeza na determinação da lei aplicável graças ao emprego de um critério de conexão bem determinado e de simples actuação;

—a coincidência entre o foro competente e o Direito material aplicável, que facilita a administração da justiça, porque tanto os aspectos processuais como os aspectos substantivos ficam submetidos ao Direito material do foro;

—a sujeição a uma lei única de todos os aspectos da insolvência, que promove a unidade e a coerência do processo e a igualdade dos credores.

B) Regras materiais complementares

No que toca à abertura de processos territoriais, a competência da lei reguladora da insolvência é complementada por certas regras materiais unificadas, que distinguem conforme se trata de um processo independente ou de um processo secundário.

Um processo independente só pode ser aberto caso se verifique um dos seguintes pressupostos (art. 3.°/4):

—não for possível abrir um processo de insolvência principal em virtude das condições estabelecidas pela lei do Estado--Membro em cujo território se situa o centro dos principais interesses do devedor;

—a abertura for requerida por um credor que tenha residência habitual, domicílio ou sede no Estado-Membro em que se situa o estabelecimento, ou cujo crédito tenha origem na exploração desse estabelecimento.

Quanto à abertura de um processo secundário a competência da lei reguladora da insolvência é limitada por determinadas regras materiais unificadas:

—não têm de se verificar os pressupostos da insolvência definidos pela lei do Estado de abertura desde que a decisão de abertura do processo principal seja reconhecida (art. 27.°);

—o síndico do processo principal tem legitimidade para requerer a abertura do processo secundário (art. 29.°/a).

O Regulamento também estabelece regras materiais unificadas sobre os direitos dos credores que não podem ser derrogadas pela lei reguladora da insolvência. Resulta do art. 32.°/1 que a massa passiva é sempre universal: qualquer credor pode reclamar o respectivo crédito no processo principal e em qualquer processo territorial. O preceito não exige que se trate de um credor comunitário. Mas o art. 39.° apenas refere o direito de reclamação de créditos aos credores que tenham residência habitual, domicílio ou sede num Estado-Membro que não seja o Estado de abertura do processo, deixando aparentemente à lei aplicável à insolvência a regulação do direito de reclamação dos credores locais e dos credores extracomunitários (69). O Considerando n.° 21 também aponta neste sentido.

Examinemos agora, com brevidade, as regras excepcionais estabelecidas nos arts. 5.° a 15.° do Regulamento.

C) Direitos reais

O art. 5.°/1 determina que a abertura do processo de insolvência não afecta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, quer sejam bens específicos, quer sejam conjuntos de bens indeterminados considerados como um todo, cuja composição pode sofrer alterações ao longo do tempo, pertencentes ao devedor e que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de outro Estado-Membro.

Os direitos reais podem desempenhar uma função de garantia do crédito. Através da constituição destes direitos, os credores podem reduzir ou eliminar o risco que advém para a satisfação do crédito da insolvência do devedor, o que permite reduzir o custo do financiamento. Quando a coisa se localiza num Estado-Membro distinto do Estado da abertura do processo, a aplicação da lei do Estado de abertura do processo aos efeitos destes direitos na insolvência poderia frustrar a confiança depositada na sua eficácia segundo a lei da situação da coisa e criaria, por isso, uma indesejável incerteza jurídica. Por esta razão, o art. 5.° afasta qualquer limitação (processual ou substantiva) estabelecida pela lei reguladora da insolvência à eficácia destes direitos (70). Os direitos reais de credores ou de terceiros produzirão, perante a massa insolvente, os efeitos que lhes foram atribuídos pela lei que lhes for aplicável segundo o Direito Internacional Privado do Estado do foro e que, com respeito aos direitos sobre coisas corpóreas, é, normalmente, a lei da situação da coisa.

Isto não obsta a que no caso de ser instaurado um processo de insolvência territorial no Estado-Membro da situação da coisa estes direitos possam ser afectados se a lei falimentar deste Estado o permitir (71). Não sendo aberto um processo secundário, o credor está obrigado a entregar à massa o excedente, relativamente ao valor do crédito, da venda do bem sobre o qual incide o direito real (Considerando n.° 25 in fine).

Embora o Relatório VIRGÓS/SCHMIT aluda a uma qualificação lege causae dos direitos reais (72), por forma a que pertenceria ao Direito da situação da coisa determinar quais são os direitos reais constituídos sobre bens do devedor, parece logicamente inevitável uma interpretação autónoma do conceito de direito real (73), que poderá socorrer-se dos comentários e da jurisprudência relativos à Convenção de Bruxelas e ao Regulamento em matéria civil e comercial. Neste contexto (74), o conceito autónomo de direito real é caracterizado pela “faculdade de o seu titular poder reclamar o bem que é objecto desse direito a qualquer pessoa que não possua um direito real hierarquicamente superior” (75). Este conceito é aliás desenvolvido pelo próprio Relatório VIRGÓS/SCHMIT (76), que refere duas notas típicas: “relação directa e imediata com o bem sobre o qual recai (…), independentemente da pertença do bem ao património de uma determinada pessoa ou da relação do titular do direito com outra pessoa” e o “carácter absoluto da atribuição do direito ao seu titular”, o que significa que o titular do direito o pode fazer valer contra qualquer pessoa. Naturalmente que terá de se examinar perante a lei potencialmente aplicável ao direito real se estas características de verificam no caso concreto (caracterização lege causae).

O art. 5.°/2 contém uma enumeração não taxativa dos poderes tipicamente conferidos pelos direitos reais que contribuem para este conceito autónomo. O n.° 3 “equipara” a um direito real o direito, inscrito num registo público e oponível a terceiros, que permita obter um direito real na acepção do n.° 1.

O conceito de direito real relevante para o art. 5.° é mais amplo do que o adoptado no Direito português, uma vez que abrange direitos sobre bens incorpóreos, tais como bens intelectuais e créditos.

Os privilégios creditórios, que apenas conferem ao credor uma graduação preferencial no pagamento do seu crédito, não são considerados como direitos reais para efeitos do art. 5.° do Regulamento (77).

O momento temporal relevante é o da abertura do processo de insolvência: o art. 5.° só é aplicável aos direitos reais constituídos antes da abertura do processo (78), sobre bens situados nesse momento noutro Estado-Membro. A posterior deslocação do bem para o Estado de abertura do processo é irrelevante (79).

Enquanto o art. 5.° se refere aos direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens do devedor, o art. 7.° estabelece um regime semelhante para a reserva da propriedade. O art. 7.° distingue conforme o processo de insolvência é instaurado contra o comprador ou contra o vendedor.

No primeiro caso, determina que a “abertura de um processo de insolvência contra o comprador de um bem não afecta os direitos do vendedor que se fundamentem numa reserva de propriedade, desde que, no momento da abertura do processo, esse bem se encontre no território de um Estado-Membro que não o Estado de abertura do processo” (n.° 1).

No segundo caso, estabelece que a “abertura de um processo de insolvência contra o vendedor de um bem, após a entrega desse bem, não constitui fundamento de resolução ou de rescisão da venda nem obsta à aquisição pelo comprador da propriedade do bem vendido, desde que, no momento da abertura do processo, esse bem se encontre no território de um Estado-Membro que não o Estado de abertura do processo” (n.° 2). Trata-se de uma regra material que tem por fim proteger o comprador perante a eventualidade da lei reguladora da insolvência considerar o bem como parte da massa activa e obrigar o comprador à sua devolução ou permitir a resolução do contrato.

O disposto nos arts. 5.° e 7.° não prejudica a competência da lei reguladora da insolvência (art. 4.°/2/m) no que se refere às acções de nulidade, anulação e de impugnação de actos prejudiciais aos credores (art. 5.°/4 e art. 7.° /3). A este respeito, contudo, é necessário ter em conta a excepção estabelecida no art. 13.°, adiante examinada.

D) Compensação

As condições de oponibilidade à massa insolvente de uma compensação de um crédito sobre o devedor insolvente com um crédito do devedor insolvente estão, em princípio, submetidas à lei reguladora da insolvência. Perante alguns sistemas, porém, a compensação pode desempenhar uma função de garantia, e os credores do devedor insolvente podem ter-lhe concedido crédito confiando na faculdade de compensação conferida por um destes sistemas (80). Por isso, o art. 6.° vem estabelecer uma conexão alternativa, dispondo que “a abertura do processo de insolvência não afecta o direito de um credor a invocar a compensação do seu crédito com o crédito do devedor, desde que essa compensação seja permitida pela lei aplicável ao crédito do devedor insolvente”. Por outras palavras, a compensação é oponível à massa insolvente se tal decorrer seja da lei reguladora da insolvência seja da lei aplicável ao crédito do devedor insolvente (81).

Este preceito abrange apenas as faculdades de compensação nascidas antes da abertura do processo relativamente a créditos recíprocos. Após essa abertura aplica-se exclusivamente a lei reguladora da insolvência para determinar se a compensação é admissível (82).

Embora, relativamente à Convenção de 1995, o Relatório VIRGÓS/SCHMIT (83), defenda que o art. 6.° deva ser interpretado no sentido de se aplicar apenas quando o crédito do devedor insolvente é regido pela lei de um Estado Contratante, não é razoável atribuir a lapso do legislador comunitário a omissão de qualquer referência a um Estado-Membro na disposição do Regulamento (84). Nem se vê razão de fundo para excluir o mecanismo do art. 6.° pela simples circunstância de a lei aplicável ao crédito do devedor insolvente ser a de um Estado terceiro.

A questão prévia da existência dos direitos de crédito em causa deve ser apreciada segundo o Direito de Conflitos aplicável no Estado do foro (tratando-se de crédito contratual, a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais).

Tal como no caso dos direitos reais de terceiros sobre bens do devedor e da reserva da propriedade, qualquer acto praticado em prejuízo dos credores pode ser atacado com base na lei reguladora da insolvência (art. 6.°/2), com a limitação decorrente do art. 13.°, adiante examinado.

E) Contratos em curso

Passemos agora às regras excepcionais relativas aos efeitos da insolvência sobre os contratos em curso (arts. 8.° e 10.°). Em princípio, a formação, a execução e a cessação dos contratos obrigacionais são regidas pela Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais. No entanto, o Regulamento submete, em regra, os efeitos do processo de insolvência sobre os contratos em curso nos quais o devedor seja parte à lei reguladora da insolvência (art. 4.°/2/e). Estes efeitos sobrepõem-se ao regime comum do contrato contido na lei designada pela Convenção de Roma. A lei reguladora da insolvência determina, designadamente, se a declaração de abertura do processo modifica o regime geral de cessação do contrato, os poderes do administrador para optar entre a manutenção ou a resolução do contrato e a “posição falimentar” que em cada caso caberá à contraparte (85).

O Regulamento estabelece desvios a esta regra com respeito aos contratos de aquisição ou uso de bens imóveis e aos contratos de trabalho. Segundo os arts. 8.° e 10.°, os efeitos do processo de insolvência sobre estes contratos não são regidos pela lei reguladora da insolvência, mas exclusivamente pelas normas falimentares da lei do Estado-Membro da situação do imóvel e da lei do Estado-Membro aplicável ao contrato, respectivamente (86).

Estes desvios fundamentam-se na existência, em muitos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, de regras imperativas nestas matérias (87). No caso dos contratos relativos a imóveis, estas regras visam quer a protecção de uma das partes contratuais (por exemplo, o arrendatário) quer a prossecução de interesses gerais. No que toca ao contrato de trabalho, essas regras visam na maior parte dos casos a protecção do trabalhador. O legislador comunitário entendeu que a lei do Estado da situação imóvel e a lei aplicável ao contrato de trabalho estão em melhor posição do que a lei reguladora da insolvência para prosseguir estas finalidades.

Na versão em língua portuguesa, o art. 8.° refere-se aos “contratos que conferem o direito de adquirir um bem imóvel ou de o usufruir”, o que poderia suscitar algumas dúvidas sobre o alcance da sua previsão, mas o Relatório VIRGÓS/SCHMIT (88), bem como outras versões linguísticas (89), permitem afirmar com segurança que é abrangida a generalidade dos contratos que têm por objecto o uso do imóvel e a sua transmissão.

Diferentemente dos artigos anteriores, o art. 8.° não contém uma ressalva da competência da lei reguladora da insolvência às acções de impugnação de actos prejudiciais aos credores nos termos do art. 4.°/2/m. A doutrina dominante entende, contudo, que o art. 8.° não prejudica esta competência (90).

O art. 10.°, por seu turno, ressalva a competência da lei do Estado-Membro aplicável ao contrato de trabalho com respeito aos efeitos do processo de insolvência “nos contratos de trabalho e na relação laboral”. Com esta formulação quer-se evidenciar que a conexão especial se aplica não só aos efeitos sobre o contrato mas também aos efeitos sobre os direitos e obrigações que derivam do contrato ex lege ou ex convenção colectiva de trabalho (91). Em todo o caso, esta excepção só abrange os efeitos da abertura do processo sobre a relação laboral; outras questões, designadamente a de saber se os créditos dos trabalhadores se encontram garantidos por privilégios e qual o grau desses privilégios, continuam a ser reguladas pelo Direito do Estado da abertura do processo (Considerando n.° 28).

O conceito de “contrato de trabalho” deve ser objecto de uma interpretação autónoma com base nas finalidades prosseguidas pelo Regulamento, mas em princípio do mesmo modo que perante o art. 6.° da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais.

F) Sistemas de pagamento e mercados financeiros

O art. 9.°/1 determina que, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°, os efeitos do processo de insolvência nos direitos e nas obrigações dos participantes num sistema de pagamento ou de liquidação ou num mercado financeiro regem-se exclusivamente pela lei do Estado-Membro aplicável ao referido sistema ou mercado.

O fundamento deste desvio reside, em primeiro lugar, na protecção da confiança geral nos mecanismos que os sistemas de pagamento ou os mercados financeiros regulados dos Estados-Membros prevêem para o pagamento e a liquidação de transacções, designadamente a exigibilidade antecipada da obrigação e a compensação e, desde que o bem que constitui a garantia se encontre nesse mesmo Estado-Membro, a realização de garantias (Considerando n.° 27) (92).

O art. 9.° distingue entre “sistemas de pagamento ou de liquidação” e “mercados financeiros”.

Para a interpretação do conceito de “sistemas de pagamento ou de liquidação” deve atender-se à Directiva 98/26/CE, de 19/5, Relativa ao Carácter Definitivo da Liquidação nos Sistemas de Pagamentos e de Liquidação de Valores Mobiliários (93): um acordo formal, com regras comuns e procedimentos padronizados para a execução de ordens de transferência entre os participantes, regulado pela legislação de um Estado-Membro escolhida pelos participantes e designado como sistema e notificado à Comissão pelo Estado-Membro cuja legislação é aplicável (art. 2.°/a).

Quanto ao conceito de “mercado financeiro”, o Relatório VIRGÓS/SCHMIT considera como tal “qualquer mercado de um Estado Contratante em que se negociem instrumentos financeiros, outros activos financeiros ou contratos a prazo sobre mercadorias e direitos de opção, caracterizado por um funcionamento regular e cujas condições de funcionamento e acesso estejam sujeitas à lei do Estado Contratante em questão” (94).

Com a ressalva do disposto no art. 5.°, o legislador comunitário quis tornar claro que os direitos reais detidos por credores ou terceiros sobre bens pertencentes ao devedor são protegidos com base na lei designada pelo Direito de Conflitos do Estado do foro, mesmo que o credor ou a entidade a favor do qual foi constituída a garantia participe no sistema (95).

Na versão em língua portuguesa, o n.° 2 do art. 9.° estabelece que o “n.° 1 não obsta a uma acção de nulidade, de anulação ou de impugnação dos pagamentos ou das transacções celebradas ao abrigo da lei aplicável ao sistema de pagamento ou ao mercado financeiro em causa”. Isto poderia significar a aplicação a estas acções da lei reguladora da insolvência. As outras versões linguísticas que consultei, sem serem inequívocas, admitem uma interpretação no sentido de ser também aplicável à impugnação a lei que rege o sistema ou mercado (alemã, espanhola, francesa, inglesa e italiana). Esta interpretação, embora colida com a formulação da regra do n.° 2 como excepção à regra do n.° 1, é seguida pelo Relatório VIRGÓS/SCHMIT (96), bem como pela doutrina consultada (97).

G) Direitos sujeitos a registo obrigatório

O art. 11.° estabelece uma excepção com respeito aos efeitos do processo de insolvência sobre direitos sujeitos a registo obrigatório. Trata-se dos direitos do devedor relativos a um bem imóvel, a um navio ou a uma aeronave, cuja inscrição num registo público seja obrigatória (98). Nestes casos, os efeitos falimentares regem-se pela lei do Estado-Membro sob cuja autoridade é mantido esse registo.

A finalidade deste preceito é a protecção da confiança depositada no conteúdo e efeitos dos sistemas de registo. Esta finalidade justifica um desvio à regra da competência da lei reguladora da insolvência em favor da lei do Estado-Membro do registo (99).

No entanto, contrariamente ao que se verifica com os arts. 8.°, 9.° e 10.°, o art. 11.° não sujeita os efeitos do processo de insolvência “exclusivamente” à lei do Estado-Membro do registo. Daí decorre, segundo o Relatório VIRGÓS/SCHMIT, que a lei do Estado-Membro do registo é aplicável cumulativamente com a lei do Estado da abertura do processo (100). Configura-se assim uma conexão plural condicionante: a lei do Estado-Membro da abertura do processo ordena as modificações que o processo de insolvência deve produzir sobre os direitos do devedor relativos aos bens em causa, a lei do Estado-Membro do registo determina se esses efeitos podem produzir-se, bem como os registos obrigatórios e os respectivos efeitos (101).

H) Direitos comunitários de propriedade industrial

O art. 12.°, relativo a direitos comunitários de propriedade industrial, não contém em rigor uma excepção à competência da lei reguladora da insolvência, mas uma norma material que determina a exclusão destes direitos do âmbito dos processos territoriais (102). Com efeito, o preceito estabelece que “uma patente comunitária, uma marca comunitária ou qualquer outro direito análogo instituído por força de disposições comunitárias apenas pode ser abrangido por um processo referido no n.° 1 do artigo 3.°”.

O preceito visa aqueles direitos de propriedade industrial que são organizados por normas comunitárias e produzem efeitos em todo o território da Comunidade Europeia (103). É o que se verifica com o Reg. (CE) n.° 40/94, de 20/12/93, Sobre a Marca Comunitária (designadamente os arts. 92.° a 94.°) (104), o Reg. (CE) n.° 2100/94, de 27/7/94, Relativo ao Regime Comunitário de Protecção das Variedades Vegetais (arts. 101.° e 102.°) (105) e o Reg. CE n.° 6/2002, de 12/12/2001, Relativo aos Desenhos ou Modelos Comunitários (arts. 81.° e segs.) (106).

O Regulamento sobre a marca comunitária (art. 21.°/1) e o Regulamento sobre variedades vegetais (art. 25.°) continham preceitos no sentido de o direito comunitário deles resultante só poder incluído do processo de insolvência instaurado em primeiro lugar (independentemente de este processo ser principal ou territorial). O art. 12.° do Regulamento sobre insolvência vem derrogar estas regras com respeito aos processos de insolvência instaurados sobre devedores com o centro dos principais interesses no território de um Estado-Membro.

O Regulamento sobre desenhos ou modelos comunitários já contém um preceito no mesmo sentido (art. 31.°/1), e o mesmo se verifica com o projecto de Regulamento sobre patente comunitária (art. 18.°/1).

I) Actos prejudiciais à massa

A maioria dos sistemas jurídicos estabelece uma faculdade de impugnação de actos prejudiciais à massa, designadamente os actos praticados num determinado período anterior à declaração de insolvência (ver, no Direito português, arts. 120.° e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). O Regulamento parte da competência da lei reguladora da insolvência nesta matéria (art. 4.°/2/m), mas permite que o beneficiário do acto invoque a lei aplicável ao acto, quando esta lei seja a de um Estado-Membro que não é o da abertura do processo e não permita a impugnação do acto por nenhum meio no caso concreto (art. 13.°).

A oponibilidade da impugnação ao beneficiário do acto fica assim dependente de uma conexão plural condicionante: é primariamente aplicável a lei reguladora da insolvência, mas a impugnação só é oponível se a lei aplicável ao acto a admitir.

O “veto” da lei aplicável ao acto só actua quando o acto não for passível de impugnação “por nenhum meio”, i.e., nem segundo as normas falimentares nem segundo as normas comuns dessa lei, após terem sido consideradas todas as circunstâncias concretas do caso (107).

O fim da regra do art. 13.° é o de “preservar as expectativas legítimas de credores ou terceiros quanto à validade do acto nos termos do Direito nacional normalmente aplicável, perante a interferência de uma lex concursus diferente” (108).

À luz deste fim, o art. 13.° só deve ser considerado aplicável aos actos praticados antes da abertura do processo de insolvência. Após a abertura do processo num Estado-Membro todos os actos não autorizados de disposição praticados pelo devedor são, em princípio, ineficazes em virtude do efeito inibitório dos seus poderes de disposição desencadeado em todos os Estados-Membros pela decisão de abertura do processo (109).

Em todo o caso, a solução parece discutível, visto que mediante a designação de uma lei que não admite a impugnação do acto, ao abrigo do princípio da liberdade de designação da lei aplicável aos contratos obrigacionais, o devedor pode realizar actos de dissipação do património que ficam subtraídos aos meios de impugnação previstos pela lei reguladora da insolvência (110).

O regime conflitual que resulta da conjugação do art. 4.°/2/m e do art. 13.° tem alcance geral dentro do Regulamento e é aplicável mesmo nos casos previstos nos arts. 5.° (direitos reais), 6.° (compensação), 7.° (reservas de propriedade), 8.° (contratos relativos a bens imóveis) e 10.° (contratos de trabalho). Já não é aplicável, segundo o entendimento dominante atrás referido, aos actos praticados no âmbito de sistemas de pagamento ou de liquidação e de mercados financeiros.

Este regime conflitual só é aplicável à impugnação dos actos prejudiciais a todos os credores (111), o que deve ser entendido no sentido de acções de impugnação com fundamento falimentar. As acções de impugnação baseadas no Direito comum (por exemplo, a impugnação pauliana) não são abrangidas (112).

J) Protecção do terceiro adquirente

O art. 14.° contém uma excepção à competência da lei reguladora da insolvência para protecção do terceiro adquirente que beneficie de certos actos de disposição do devedor celebrados após a abertura do processo de insolvência. Trata-se dos actos onerosos de disposição de bem imóvel, de navio ou de aeronave cuja inscrição num registo público seja obrigatória ou de valores mobiliários cuja existência pressuponha a respectiva inscrição num registo previsto pela lei. A validade deste acto rege-se pela lei do Estado em cujo território está situado o referido bem imóvel ou sob cuja autoridade é mantido esse registo.

Em princípio, os actos de disposição do devedor praticados depois de aberto o processo de insolvência são ineficazes ou sujeitos a impugnação nos termos da lei do Estado de abertura, visto que um dos efeitos típicos da declaração de insolvência é a inibição dos poderes de disposição do devedor ou a sua sujeição a algum tipo de supervisão ou controle. O desvio introduzido pelo art. 14.° visa assegurar que a confiança depositada por terceiro de boa fé nos sistemas de publicidade de “direitos reais” é protegida com base na lei do Estado de registo mesmo que o processo de insolvência seja instaurado noutro Estado (113).

Para este efeito, devem ser considerados “actos de disposição” não só os actos de alienação da propriedade mas também os actos de constituição ou alienação de “direitos reais” menores sobre os bens em causa (114). Resulta a meu ver claramente da epígrafe, do texto e do fim do preceito a sua inaplicabilidade quando o devedor é a parte adquirente (115).

Contrariamente ao defendido por alguns autores (116), também aqui não se vê razão de fundo para excluir do âmbito de aplicação do preceito os casos em que o bem se encontre registado num Estado terceiro (117).

L) Acções pendentes

O Regulamento estabelece uma distinção entre os efeitos do processo de insolvência sobre as acções individuais de execução e sobre as acções declarativas pendentes. Os efeitos sobre as acções individuais de execução são regidos pela lei do Estado de abertura (art. 4.°/2/f), os efeitos sobre outras acções pendentes relativas a bens ou direitos do património do insolvente são regidos exclusivamente pela lei do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente (art. 15.°) (118).

Assim, a lei processual do Estado em que acção está pendente determina se o processo deve ou não ser suspenso, a forma sob a qual deve prosseguir e as alterações processuais adequadas para reflectir a perda ou limitação do poder de disposição e administração do devedor e a intervenção do síndico em seu lugar (119).

Esta excepção à competência da lei reguladora da insolvência é justificada fundamentalmente por duas razões. Por um lado, nas acções declarativas não está em causa o princípio da acção colectiva aplicável aos processos de insolvência. Por outro, a estreita vinculação dessas acções com o regime processual do Estado em que estão pendentes (120).

Deve entender-se que o preceito opera independentemente da posição processual das partes e, portanto, quer o devedor seja autor ou réu (121).

O Regulamento não prevê o caso de estar pendente um processo arbitral. A questão dos efeitos do processo de insolvência sobre processos arbitrais não se coloca do mesmo modo que relativamente às acções nos tribunais estaduais porque os tribunais arbitrais não estão normalmente submetidos à lei processual comum e, no caso da arbitragem transnacional, não estão submetidos exclusivamente a uma determinada ordem jurídica estadual (122). Acresce que o Regulamento sobre insolvência, à semelhança de outros regulamentos comunitários já adoptados ou em preparação no domínio do Direito Internacional Privado, só tem em vista unificar o Direito Internacional Privado aplicável pelos tribunais estaduais (123). Estes regulamentos não têm qualquer vocação para criar obrigações para os árbitros.

Por conseguinte, entendo que o Regulamento sobre insolvência não se aplica aos efeitos do processo de insolvência sobre os processos arbitrais em curso (124). Nas arbitragens internas, os árbitros deverão respeitar as normas especiais de fonte interna que regulem estes efeitos (ver, na ordem jurídica portuguesa, art. 87.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) (125). Nas arbitragens transnacionais, os árbitros deverão ter em conta o Direito Transnacional da Arbitragem e as directrizes dos Estados que têm uma ligação significativa com a arbitragem ou em que pode previsivelmente ser requerida a execução da decisão arbitral, mas têm uma margem de apreciação destas directrizes (126).

M) Referência material

O Relatório VIRGÓS/SCHMIT esclarece que a remissão feita pelas normas de conflitos contidas no Regulamento para a lei de um Estado Contratante (leia-se, à face do Regulamento, lei de um Estado-Membro) deve ser entendida como uma referência material, i.e., uma remissão directa para o Direito material desse Estado-Membro, com exclusão das suas normas de Direito Internacional Privado (127). Na verdade, nas matérias em que o Regulamento unifica o Direito de Conflitos aplicável não faz sentido colocar um problema de devolução quando é designada a lei de um Estado-Membro.

V. RECONHECIMENTO DE DECISÕES ESTRANGEIRAS

A) Aspectos gerais

O Regulamento sobre insolvência aplica-se também ao reconhecimento de decisões proferidas por órgãos jurisdicionais de outros Estados-Membros que determinem a abertura de um processo de insolvência, que designem um síndico, que sejam relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência ou que homologuem qualquer acordo proferidas por um órgão jurisdicional competente segundo as regras do Regulamento (arts. 16.°, 18.° e 25.°). São ainda abrangidas as decisões directamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional (art. 25.°/1/§ 2.°), e as decisões relativas às medidas cautelares tomadas após a apresentação do requerimento de abertura de um processo de insolvência (§ 3.°).

Releva um conceito amplo de órgão jurisdicional, que inclui qualquer autoridade com competência para abrir um processo de insolvência ou tomar decisões durante a tramitação do processo (art. 2.°/d), incluindo autoridades administrativas (128).

São de considerar como directamente decorrentes do processo de insolvência as acções que se fundamentem no Direito falimentar e que apenas sejam possíveis durante o processo de insolvência ou em relação directa com este, tais como as acções revogatórias de actos prejudiciais à massa, as acções relativas à responsabilidade pessoal dos administradores baseadas no Direito falimentar, as acções referentes à admissibilidade ou ao grau de um crédito e os litígios entre o síndico e o devedor sobre a pertença de um bem ao património deste último (129). O Regulamento sobre insolvência, à semelhança de outros instrumentos comunitários em matéria de reconhecimento de decisões estrangeiras, distingue entre reconhecimento na ordem local de efeitos produzidos pela decisão na ordem jurídica de origem e “execução”, i.e., atribuição de força executiva (130). Estes instrumentos utilizam a palavra “reconhecimento” na acepção restrita de reconhecimento de efeitos.

Enquanto o reconhecimento de efeitos é automático, i.e., decorre do preenchimento das condições de reconhecimento sem a necessidade de qualquer procedimento prévio de controlo (131), a atribuição de força executiva depende de uma declaração de executoriedade obtida mediante a instauração de um procedimento prévio no Estado de reconhecimento.

B) Reconhecimento de efeitos

Os efeitos da decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um tribunal competente nos termos do Regulamento, são reconhecidos imediata e automaticamente em todos os outros Estados-Membros (art. 16.°/1 e art. 17.°/1). O mesmo se diga dos efeitos de decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas, em seguida, pelo mesmo órgão jurisdicional, de qualquer acordo homologado por esse órgão, das decisões directamente decorrentes do processo de insolvência e das decisões relativas às medidas cautelares tomadas após a apresentação do requerimento de abertura de um processo de insolvência (art. 25.°/1).

O reconhecimento de uma decisão de abertura do processo principal não obsta à abertura de um processo secundário noutro Estado-Membro (art. 16.°/2). Neste caso são aplicáveis as normas materiais de coordenação de processos contidas nos arts. 31.° a 35.°.

O regime de reconhecimento automático é aplicável a todos os processos de insolvência instaurados num Estado-Membro, quer sejam principais ou territoriais e, neste segundo caso, tanto aos procedimentos secundários como aos independentes. Neste segundo caso, o reconhecimento limita-se aos efeitos territoriais do processo (132).

Isto não exclui que as autoridades do Estado de reconhecimento possam ser chamadas a verificar, a título incidental, se a decisão deve ser reconhecida, quando esta for invocada junto destas autoridades (133). Por exemplo, quando a decisão for invocada para paralisar uma acção individual de um credor, como fundamento de uma acção de impugnação falimentar ou para titular uma inscrição num registo público. Como o Regulamento não estabelece um procedimento para este controlo incidental, serão aplicáveis as regras processuais do Estado de reconhecimento (134).

Quanto ao objecto do reconhecimento, o art. 17.° distingue entre o reconhecimento da decisão de abertura do processo principal e o reconhecimento da decisão de abertura de um processo territorial.

No primeiro caso, a decisão produz nos demais Estados-Membros os mesmos efeitos que lhe são atribuídos pela lei do Estado de origem, enquanto não tiver sido aberto nesse outro Estado-Membro um processo territorial (art. 17.°/1). Vale aqui, plenamente, a teoria da extensão de eficácia (135). Incluem-se aqui quer os efeitos materiais quer os efeitos processuais, designadamente a inibição do devedor, a nomeação do síndico, a proibição de execuções individuais, a incorporação de todos os bens do devedor na massa insolvente e a obrigação de restituição de tudo o que os credores tiverem obtido a título individual após a abertura do processo (136).

Todavia, no que toca aos efeitos materiais, o Relatório VIRGÓS/SCHMIT estabelece um paralelo com o âmbito de aplicação da lei do Estado da abertura do processo (supra IV). Isto tem por consequência a exclusão do reconhecimento dos efeitos que, nos termos dos arts. 5.° a 15.°, não são regulados pela lei do Estado da abertura do processo (137).

O problema do reconhecimento dos efeitos constitutivos, que assume certa especificidade noutras matérias (138), não parece autonomizar-se com respeito ao Regulamento sobre insolvência. Na verdade, a lei do Estado de origem da decisão de abertura do processo é também, em princípio, a lei aplicável, por força da norma de conflitos geral contida no Regulamento, à produção dos efeitos falimentares constitutivos, modificativos ou extintivos de situações jurídicas, designadamente a inibição dos poderes do devedor relativamente aos bens do seu património e a atribuição de poderes ao síndico. E acabámos de ver que os efeitos que não são regulados pela lei do Estado da abertura do processo também não são objecto de reconhecimento ao abrigo do Regulamento. Os efeitos reconhecidos por força do Regulamento são, portanto, efeitos que se produzem na ordem jurídica competente para os reger. O Regulamento logra, deste modo, uma correcta articulação do Direito de Conflitos com o Direito de Reconhecimento.

Um dos efeitos principais implicados no reconhecimento da decisão de abertura do processo de insolvência é o reconhecimento da designação do síndico e dos seus poderes. Foi atrás assinalado que releva um conceito amplo de “síndico” (II. A). O síndico designado por um tribunal competente por força do n.° 1 do art. 3.° do Regulamento pode exercer no território de outro Estado-Membro todos os poderes que lhe são conferidos pela lei do Estado da abertura do processo, enquanto nesse Estado-Membro não tiver sido aberto qualquer processo de insolvência, nem tiver sido tomada qualquer medida cautelar em contrário na sequência de um requerimento de abertura de um processo de insolvência (art. 18.°/1). No entanto, no exercício dos seus poderes, o síndico deve observar a lei do Estado-Membro em cujo território pretende agir, em especial as disposições que digam respeito às formas de liquidação dos bens. Além disso, o emprego de meios coercivos depende da intervenção das autoridades locais (art. 18.°/3).

A decisão de abertura do processo principal produz ainda um outro efeito nos demais Estados-Membros: a faculdade de abrir noutros Estados-Membros um processo de insolvência secundário sem que seja necessário examinar os pressupostos da insolvência nestoutro Estado (art. 27.°/1).

No caso Eurofood (2006) (139), o TCE foi chamado a interpretar o conceito de “decisão que determine a abertura de um processo de insolvência”, contido no art. 16.°/1. O tribunal entendeu que “para assegurar a eficácia do sistema instituído pelo regulamento, importa que o princípio do reconhecimento mútuo previsto no artigo 16. °, n.° 1, primeiro parágrafo, deste possa ser aplicado o mais cedo possível no decurso do processo. O mecanismo que prevê que só pode ser aberto um único processo principal, o qual produz os seus efeitos em todos os Estados Membros onde o regulamento é aplicável, poderia ser gravemente perturbado se os órgãos jurisdicionais destes últimos, chamados concomitantemente a conhecer de pedidos baseados na insolvência de um devedor, pudessem reivindicar uma competência concorrente durante um longo período de tempo” (140). A esta luz, “deve ser considerada uma ‘decisão que determina a abertura de um processo de insolvência’ na acepção do regulamento não apenas a decisão formalmente qualificada de decisão de abertura pela legislação do Estado Membro do órgão jurisdicional que a profere, mas também a decisão proferida na sequência de um pedido, baseado na insolvência do devedor, destinado à abertura de um processo enumerado no Anexo A do referido regulamento, quando essa decisão implique a inibição do devedor e nomeie um síndico mencionado no Anexo C do referido regulamento” (141).

O reconhecimento da decisão de abertura de um processo principal é limitado pela abertura de um processo territorial. Não são reconhecidos os efeitos do processo principal que dizem respeito aos bens e às situações jurídicas que estejam abrangidas pelo âmbito do processo territorial (142).

No que toca à decisão de abertura de um processo territorial, só são reconhecidos os efeitos relativos a bens localizados no território do Estado de abertura do processo. A extensão de eficácia aos outros Estados-Membros limita-se pois ao reconhecimento da validade da abertura do processo territorial e dos efeitos por este produzidos sobre os bens localizados no território do Estado de abertura do processo (143). Estes efeitos não podem ser impugnados noutro Estado-Membro (art. 17.°/2). Por exemplo, quando o síndico do processo territorial pretenda exigir a reintegração de bens que pertencem à massa do processo territorial mas que foram transferidos para o território de outro Estado-Membro depois da abertura do processo (art. 18.°/2).

Qualquer limitação dos direitos dos credores, nomeadamente uma moratória ou um perdão de dívida resultante de um processo territorial, só é oponível, relativamente aos bens situados noutro Estado-Membro, aos credores que tiverem concordado com essa limitação (art. 17.°/2/2.ª parte).

C) Atribuição de força executiva

A atribuição de força executiva às decisões proferidas no âmbito de um processo de insolvência rege-se pelo disposto nos arts. 31.° a 51.°, com excepção do n.° 2 do art. 34.°, da Convenção de Bruxelas sobre Competência Judiciária e Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (art. 25.°/1). Como a Convenção de Bruxelas foi substituída pelo Regulamento em matéria civil e comercial, nas relações entre os Estados-Membros vinculados por este último Regulamento a referência à Convenção de Bruxelas deve considerar-se feita aos arts. 38.° a 58.° deste último Regulamento, com excepção do n.° 1 do art. 45.° (art. 68.°/2) (144).

Deste modo, o Regulamento sobre insolvência regula indirectamente o processo de declaração de executoriedade. A execução propriamente dita segue os trâmites definidos pelo Direito processual interno do Estado de execução, ainda que ajustadas, quando seja necessário, para assegurar o “efeito útil” do Regulamento (145).

D) Condições de reconhecimento

Vejamos agora as condições de reconhecimento e de atribuição de força executiva ao abrigo do regime do Regulamento.

O Regulamento só estabelece um fundamento de recusa de reconhecimento e de atribuição de força executiva: manifesta contrariedade do reconhecimento ou da “execução” à ordem pública do Estado-Membro local, em especial aos seus princípios fundamentais ou aos direitos e liberdades individuais garantidos pela sua Constituição (art. 26.°). Trata-se, indiscutivelmente, da ordem pública internacional do Estado de reconhecimento, cláusula geral que só funciona em casos excepcionais, e abrange princípios fundamentais tanto materiais como processuais (146).

Para a concretização da cláusula de ordem pública internacional são relevantes os Relatórios Explicativos e a jurisprudência do TCE com respeito à condição de reconhecimento homóloga que consta da Convenção de Bruxelas e do Regulamento em matéria civil e comercial (147). Especificamente com respeito ao Regulamento sobre insolvência, o TCE já teve ocasião de decidir que o art. 26.° “deve ser interpretado no sentido de que um Estado Membro pode recusar se a reconhecer um processo de insolvência aberto noutro Estado Membro quando a decisão de abertura tenha sido tomada em manifesta violação do direito fundamental de audição de que dispõe uma pessoa afectada por esse processo” (148).

O art. 25.°/3 contém uma concretização particular desta cláusula geral, ao dispor que os Estados-Membros não são obrigados a reconhecer ou executar decisões referidas no n.° 1 do mesmo artigo que possam resultar numa restrição da liberdade individual ou do sigilo postal (art. 25.°/3). Por outro lado, o art. 16.°/1/§ 2.° delimita negativamente a cláusula quando obriga ao reconhecimento da decisão de abertura de um processo de insolvência mesmo que o devedor, em virtude da sua qualidade (designadamente por não ser comerciante), não possa ser sujeito a um processo de insolvência no Estado de reconhecimento. Com efeito, o Estado de reconhecimento não pode invocar a contrariedade à sua ordem pública por este motivo (149).

O reconhecimento pode ser meramente parcial quando apenas uma parte dissociável da decisão seja manifestamente contrária à ordem pública (150).

Além disso, porém, há outras condições de reconhecimento impostas pela coerência intrassistemática. Primeiro, que a decisão tenha sido proferida por um órgão jurisdicional de um Estado--Membro no sentido do art. 2.°/2. Segundo, que este órgão jurisdicional se tenha considerado competente por força do art. 3.° (art. 16.°/1). Terceiro, que a decisão caia dentro do âmbito material e espacial de aplicação do Regulamento (supra II).

Constitui ainda pressuposto específico da atribuição de força executiva que a decisão tenha força executiva no Estado de origem (art. 38.°/1 do Regulamento em matéria civil e comercial aplicável ex vi art. 25.°/1 do Regulamento sobre insolvência).

Não pode sujeitar-se a decisão de outro Estado-Membro a um controlo de mérito nem pode controlar-se a competência do órgão jurisdicional do Estado de origem (151). Pelo que toca a este segundo aspecto, o órgão jurisdicional do Estado requerido deve limitar-se a verificar se a decisão emana de um órgão jurisdicional de um Estado-Membro que se declara competente ao abrigo do art. 3.° do Regulamento. E não pode invocar-se a contrariedade à ordem pública internacional com fundamento na incompetência do órgão jurisdicional que proferiu a decisão (152).

Isto é até certo ponto justificado, porque o Regulamento também unifica as normas de conflitos e as normas de competência internacional. Não obstante, foi atrás assinalado que o Regulamento não exclui em absoluto que a competência internacional em matéria de acções decorrentes do processo de insolvência se possa fundamentar no Direito interno (supra III.C). Nesta medida, o Regulamento obriga ao reconhecimento de decisões que foram proferidas com base em regras de competência não unificadas, como decorre expressamente do art. 25.°/1/§ 2.°. Neste caso, deveria ser admitido um controlo da competência do órgão jurisdicional do Estado de origem (competência internacional indirecta) com base no regime interno do Estado de reconhecimento.

O trânsito em julgado da decisão (i.e., que não seja susceptível de recurso ordinário) não constitui condição de reconhecimento. O reconhecimento automático opera tanto com as decisões definitivas como com as decisões provisórias que produzam efeitos segundo a lei do Estado de origem (153).

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Regulamento sobre insolvência representa um inegável progresso na disciplina jurídica das insolvências transnacionais relativas a devedores com centro dos principais interesses na União Europeia. O sistema de organização da insolvência transnacional adoptado por este Regulamento é equilibrado e constitui um modelo universalizável. A grande maioria das soluções afigura-se adequada. Foram assinaladas algumas imperfeições técnicas, que, em todo o caso, não são tão numerosas quanto por vezes se afirma (154).

Não deve esquecer-se que para o desenvolvimento do comércio internacional seria importante uma unificação do Direito Internacional Privado da Insolvência à escala mundial. Espera-se que o Regulamento sobre insolvência, ao realizar uma unificação bem sucedida à escala regional, contribua para um processo mais amplo de unificação internacional.

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Notas:

(*) O presente estudo foi elaborado com vista ao Livro de Homenagem aos Professores Doutores Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Xavier —Comemoração dos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais.

(**) Professor da Faculdade de Direito de Lisboa.

(1) JOCE L 160/1, de 30/6/2000.

(2) Ver VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 167 e segs. e 226 e segs.], EHRICKE [2001: 345 e segs.], MENJUCQ [2001: 422 e segs.], BUREAU [2002: 652 e segs. e 665 e segs.], VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 197 e segs. e 219 e segs.] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.os 477 e segs. e 674 e segs.].

(3) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 178 e segs. e 2003: 333 e segs.].

(4) Ver BUREAU [2002: 617 n. 13].

(5) Ver, com mais desenvolvimento e referências, LIMA PINHEIRO [2002b: 57 e seg.].

(6) Ver SCHACK [2002: 437 e seg.] e SCOLES/HAY/BORCHERS/SYMEONIDES [2000: 1248 e seg.].

(7) Ver VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 22 e segs.], SCHACK [2002: 437 e seg.] e CALVO CARAVACA/CARRASCOSA GONZÁLEZ [2004: 24 e segs. e 2005: 219].

(8) Observe-se que o Regulamento só assegura o reconhecimento e a execução das decisões do tribunal do Estado de abertura do processo nos Estados-Membros. Relativamente ao património situado em Estados terceiros a eficácia destas decisões depende do Direito em vigor nestes Estados.

(9) Cf. Considerandos n.os 11 e 12.

(10) Cf. Considerando n.º 17.

(11) Ver também Considerando n.º 11.

(12) Cf. Considerando n.º 9.

(13) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 33 e seg.].

(14) Ver DL n.º 199/2006, de 25/10, que regula a liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal e suas sucursais criadas noutro Estado--Membro, transpondo para a ordem jurídica interna a Dir. n.º 2001/24/CE, de 4/4, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito.

(15) Ver VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 56-60]. Ver, sobre o conceito de “empresa de seguros”, Dir. 73/239/CEE, de 24/7 e Dir. 79/267/CEE, de 5/3; sobre o conceito de “instituição de crédito”, Dir. 2000/12/CE, de 20/3; sobre o conceito de “empresa de investimento”, Dir. 93/22/CEE, de 10/5; e sobre o conceito de “organismo de investimento colectivo”, Dir. 85/611/CEE, de 20/12.

(16) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 49].

(17) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 35].

(18) Ver ainda BUREAU [2002: 629].

(19) Ver também BUREAU [2002: 621].

(20) Ver também VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 11]; HUBER [2001: 137]; LIMA PINHEIRO [2002a: 273]; SCHACK [2002: 440]; MENJUCQ [2001: 407]; DUURSMA-KEPPLINGER/ /DUURSMA/CHALUPSKI [2002: 63].

(21) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 195 e 208 e seg.].

(22) Ver também HUBER [2001: 136], com mais desenvolvimento, SCHACK [2002: 441] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 77]. Em sentido diferente, CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 3.º n.º 9].

(23) Neste sentido, designadamente, DUURSMA-KEPPLINGER/DUURSMA/CHALUPSKI/ /DUURSMA-KEPPLINGER [2002: 83] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 82]. Mais limitadamente, VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 44] inferiam da referência feita pelo Preâmbulo da Convenção de 1995 aos “efeitos intracomunitários dos processos de insolvência” que as normas de conflitos contidas na Convenção se aplicavam apenas nas relações com outros Estados Contratantes; VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 30 e seg.] mantêm este entendimento com respeito ao Regulamento.

(24) Ver, neste sentido, designadamente, HUBER [2001: 138 e seg.] e SCHACK [2002: 441]. Entre nós, ver HELENA BRITO [2005: 191 e seg.]. (25) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 68].

(26) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 32].

(27) Ver ainda VIRGOS/SCHMIT [1996 n.º 75] e DUURSMA-KEPPLINGER/DUURSMA//CHALUPSKI [2002: 126].

(28) Ver, em sentido convergente, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 51].

(29) Cf. VIRGOS/SCHMIT [1996 n.º 75].

(30) Ver SIEHR [2001: 539]; SCHACK [2002: 443]; MOSS/FLETCHER/ ISAACS/FLETCHER [2002: 39 e seg.]; MOSS/FLETCHER/ISAACS/MOSS/SMITH [2002 n.º 8.39]; DUURSMA-KEPPLINGER/DUURSMA/CHALUPSKI [2002: 133 e seg.].

(31) Ver, com mais desenvolvimento, LIMA PINHEIRO [2002a: 99].

(32) Ver, em sentido diferente, CALVO CARAVACA/CARRASCOSA GONZÁLEZ [2005: 227].

(33) 2/5/2006 in http://curia.europa.eu.

(34) Ver, com mais desenvolvimento, LIMA PINHEIRO [2002a: 82 e seg.].

(35) Cf. VIRGOS/SCHMIT [1996 n.º 76]. Cp. MENJUCQ [2001: 412] e BUREAU [2002: 635 e seg.].

(36) Neste sentido, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 53].

(37) 1996 n.º 75. No mesmo sentido, MOSS/FLETCHER/ISAACS/MOSS/SMITH [2002 n.º 8.41].

(38) Ver, designadamente, SCHACK [2002: 442] e CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 2.º n.º 15].

(39) Cf. DUURSMA-KEPPLINGER/DUURSMA/CHALUPSKI [2002: 132] e Münch-Komm./KINDLER [2006 IntInsR n.os 133-137].

(40) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 38 e seg.].

(41) Ver, em sentido convergente, CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 2.º n.º 13] e VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 167].

(42) Ver VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 167].

(43) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 31].

(44) Ibidem. Portugal fez uma declaração relativa à aplicação dos arts. 26.º e 37.º [JOCE C 183/1, de 30/6/2000] segundo a qual o art. 37.º deve ser interpretado no sentido de que a conversão em processo de liquidação de um processo territorial aberto antes do processo principal não exclui a apreciação judicial da situação no processo local (como é o caso no art. 36.º) ou da “aplicação dos interesses de ordem pública mencionados no artigo 26.º”.

(45) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 75 e seg.].

(46) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 57].

(47) 17/1/2006, no caso Susanne Staubitz-Schreiber [in http://curia.europa.eu].

(48) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 73].

(49) Ver, porém, sobre os efeitos do encerramento do processo, art. 273.º deste Código.

(50) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 59].

(51) No mesmo sentido, mas com justificação algo diversa, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 59]. Em sentido diferente, DANIELE [2004: 299 e seg.].

(52) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 59].

(53) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 60].

(54) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 73]. Sobre o âmbito material de aplicação da Convenção de Bruxelas e do Regulamento comunitário em matéria civil e comercial, ver LIMA PINHEIRO [2002b: 63 e seg.].

(55) Cf. JENARD [1979: 133].

(56) Cf. TCE 22/2/1979, no caso Gourdain [CTCE (1979) 733], n.º 4.

(57) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 66]; em sentido convergente, com base numa aplicação analógica, MünchKomm./KINDLER

[2006 IntInsR n.º 583]. Cp., em sentido diferente, DANIELE [2004: 300 e seg.] e HELENA BRITO [2005 n.° 7].

(58) Ver, com mais desenvolvimento, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 69 e segs.].

(59) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 199]. Relativamente ao Regulamento em matéria civil e comercial, ver LIMA PINHEIRO [2002b: 159].

(60) Ver Considerando n.º 16 e VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 78].

(61) E não relativamente a um processo de insolvência territorial instaurado no mesmo Estado-Membro.

(62) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 78] e VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 72 e seg.].

(63) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 89].

(64) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 91].

(65) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 77].

(66) 2003. 75 e seg.

(67) No que toca à ordem jurídica portuguesa, ver LIMA PINHEIRO [2002a: 177 e segs. e 257 e segs.].

(68) Ver, designadamente, CALVO CARAVACA/CARRASCOSA/GONZÁLEZ [2004: 109 e segs.] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.os 202 e seg.].

(69) Neste sentido, VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 269]. Ver também BUREAU [2002: 652 e 675], CALVO CARAVACA/CARRASCOSA GONZÁLEZ [2004: 172] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.os 730 e 819].

(70) Ver VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 95 e segs. e 105 e segs.].

(71) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 98].

(72) 1996 n.º 100, mas cp. n.º 103. Sobre a interpretação das normas de competência internacional, ver LIMA PINHEIRO [2002b: 38 e segs.].

(73) Cf. MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 256].

(74) Ver, com mais desenvolvimento, LIMA PINHEIRO [2002b: 122 e seg.].

(75) Cf. SCHLOSSER [1979 n.º 166].

(76) 1996 n.º 103.

(77) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 99].

(78) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 96].

(79) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 101].

(80) Ver VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 108 e seg.].

(81) Ver ainda CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 7.º n.º 5]. Em sentido diferente, BUREAU [2002: 663 e seg.].

(82) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 108 e seg.].

(83) 1996 n.º 93.

(84) Ver DANIELE [2004: 315 e seg.]. Cp., em sentido diferente, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 118] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 286].

(85) Ver VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 122 e seg.].

(86) Ver VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 118 e 127].

(87) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 118].

(88) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 119].

(89) Designadamente as versões francesa e inglesa.

(90) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 125] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 322]. Em sentido contrário, CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 8.º n.º 6].

(91) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 125].

(92) Ver também VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 120].

(93) JOCE L 166/45, de 11/6/1998.

(94) 1996 n.º 120.

(95) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 124].

(96) 1996 n.º 122.

(97) Ver, designadamente, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 130], CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 9.º n.º 7] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 334].

(98) Ver também VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 131].

(99) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 129 e seg.].

(100) 1996 n.º 130.

(101) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 130].

(102) Ver também VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 133].

(103) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 133] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.os 357-360].

(104) JOCE L 011/1, de 14/1/1994.

(105) JOCE L 227/1, de 1/9/1994.

(106) JOCE L 3/1, de 5/1/2002.

(107) Ver VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 137].

(108) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 138].

(109) Ibidem.

(110) Ver BUREAU [2002: 640 e seg.].

(111) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 91, m].

(112) No entanto, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 135] defendem que a lei reguladora da insolvência estabelece os limites para o exercício destas acções.

(113) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 141].

(114) Ibidem.

(115) Em sentido contrário, CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 14.º n.º 5].

(116) Ver, designadamente, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 135] e MünchKomm./KINDLER [2006 IntInsR n.º 401].

(117) Ver DANIELE [2004: 315 e seg.].

(118) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 142]. Cp. CARVALHO FERNANDES/LABAREDA [2003 Art. 15.º n.º 4].

(119) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 142].

(120) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 140].

(121) Ibidem.

(122) Ver LIMA PINHEIRO [2005: 142 e segs., 223 e segs. e 477 e segs.].

(123) Ver LIMA PINHEIRO [2005: 573 e segs., maxime 582 e seg.].

(124) Cp., em sentido diferente, VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 141].

(125) Ver ainda LIMA PINHEIRO [2005: 87 n. 169], com mais referências.

(126) Ver, com mais desenvolvimento, LIMA PINHEIRO [2005: 517 e segs.].

(127) 1996 n.º 87.

(128) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 187].

(129) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 196].

(130) Sobre esta dicotomia, ver LIMA PINHEIRO [2002b: 232 e seg.].

(131) Ver também VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 143].

(132) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 146].

(133) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 152].

(134) Ver VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 184 e seg.]. O Regulamento não exclui que possa ser proposta uma acção de reconhecimento a título principal, que ficará sujeita ao Direito processual interno do Estado de reconhecimento. Já não parece que possa aplicar-se analogicamente o processo estabelecido pelo Regulamento em matéria civil e comercial, como sugerem os autores citados [loc. cit.].

(135) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 248 e segs.].

(136) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 154].

(137) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 153].

(138) Ver LIMA PINHEIRO [2002b: 250, 277 e seg. e 332 e segs.].

(139) TCE 2/5/2006 [in http://curia.europa.eu].

(140) N.º 52. (141) N.º 54.

(142) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 155].

(143) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 156].

(144) Ver, sobre o regime processual aplicável à face do Regulamento em matéria civil e comercial, LIMA PINHEIRO [2002b: 280 e segs.].

(145) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 185].

(146) Ver, com mais desenvolvimento, VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.os 204 e 206]. Sobre o conceito de ordem pública internacional, ver ainda LIMA PINHEIRO [2001: 461 e segs.].

(147) Cf. TCE 2/5/2006, no caso Eurofood [in http://curia.europa.eu], n.º 64. Ver, sobre o ponto, LIMA PINHEIRO [2002b: 297 e segs.].

(148) TCE 2/5/2006, no caso Eurofood [in http://curia.europa.eu].

(149) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 148].

(150) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 209].

(151) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 202], bem como, quando ao segundo aspecto, TCE 2/5/2006, no caso Eurofood [in http://curia.europa.eu].

(152) Cf. VIRGÓS SORIANO/GARCIMARTÍN ALFÉREZ [2003: 209]. Em sentido diferente, DANIELE [2004: 303].

(153) Cf. VIRGÓS/SCHMIT [1996 n.º 147].

(154) Ver, designadamente, BUREAU [2002: 677].

22/07/2025 18:23:07