Processo N.º 39/PP/2008-G
13 de março, 2014
OBJECTO DO PARECER
Foi remetido ao Sr. Bastonário “cópia integral de todo o expediente que deu origem ao pedido de Parecer n.º 46/PP/2008-P, solicitado pelo Sr. Dr. …” e aprovado em sessão plenária do Conselho Distrital do Porto, do dia 10/10/2008.
Efectivamente, do ponto III de tal “Parecer”, aprovado, consta a decisão daquela “remessa” para o Conselho Geral da OA, para “conhecimento e para os demais fins tidos por convenientes, designadamente, para decidir sobre a pertinência de uma tomada de posição por parte da OA”.
Na base de tal “Parecer” do Conselho Distrital do Porto da OA esteve a “comunicação”, feita a este órgão pelo Ilustre Colega, Sr. Dr. … , que capeava uma cópia de um requerimento dirigido a sua Excelência o Procurador da República junto do Círculo Judicial de Penafiel, dando notícia a este Magistrado da impossibilidade de consulta dos autos, que identificou (Proc. n.º… – … Juízo, do Tribunal Judicial de Valongo), no prazo legal, apesar de a ter requerido e de a mesma (consulta) ser fundamental para a defesa do direito do seu constituinte, a cumprir pena de prisão, junto do Tribunal de Execução de Penas.
Após ter-se discorrido sobre o teor daquela comunicação e sobre o teor de algumas disposições legais atinentes à mesma (art. 89.º do Código de Processo Penal e arts. 50.º, 67.º e 74.º, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados), foram propostas, e aprovadas, uma reunião com o Sr. Procurador da República do Círculo Judicial de Penafiel, para conhecimento deste Magistrado dos “factos reportados pelo Senhor Advogado e outros casos análogos participados ao CDP e de ver definidas orientações concretas aos senhores magistrados e funcionários judiciais no sentido do cumprimento da lei” e a “remessa” ao Conselho Geral, já atrás referida.
Certamente por se haver entendido que o teor da “comunicação” em causa do Ilustre Colega, Sr. Dr. …, e do “Parecer” que se lhe seguiu, se enquadram nas alíneas b) e e) do art. 3.º e nas alíneas d) e j) do n.º 1 do art. 45.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), ordenou o Sr. Bastonário a emissão de Parecer, cujo objecto, tendo em conta estas últimas disposições legais mencionadas, versará, especificamente, sobre o direito que o advogado tem na consulta de processo, pendente em Tribunal, e da sua confiança, para exame no seu escritório, como corolário do exercício da profissão na defesa dos direitos e legítimos interesses de quem o representa.
PARECER
São conhecidas as dificuldades que, efectivamente, os advogados, um pouco por todo o país, vêm sentindo no acesso à consulta de “autos”, mormente, em sede processual penal, que não se encontram em segredo de justiça e lhes sejam fornecidas, em tempo útil, “cópia, extracto ou certidão”, por si pedidas dos mesmos.
Temos para nós, salvo o devido respeito, que aquelas dificuldades têm na sua génese, as mais das vezes, e à partida, uma atitude de excesso de zelo dos Senhores Magistrados e dos funcionários aos mesmos afectos que, invocando o “segredo de justiça”, os “superiores interesses do Inquérito”, da “Instrução” e/ou do “Processo Penal”, no seu conjunto, acabam por vedar ou dificultar o direito de consulta dos autos pelo advogado e de obter certidão dos mesmos e/ou de tais direitos serem satisfeitos em tempo útil, em desrespeito das normas legais respectivas.
Na verdade, prescreve o n.º 1 do art. 74.º do EOA que “no exercício da sua profissão, o advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração”.
Este é, pois, um “direito específico” de os advogados poderem “solicitar em qualquer tribunal… o exame de processos… que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração” (negrito nosso).
Tal norma (do art. 74.º do EOA) é especial em relação às normas gerais, insertas, respectivamente, nos arts. 163.º, 164.º, 165.º, 167.º, 168.º e 169.º do Código de Processo Civil (CPC) e nos arts. 86.º, 89.º e 90.º do Código de Processo Penal (CPP), já que foi intenção, inequívoca, do legislador em consagrar no EOA aquele direito específico/especial do advogado no exercício do seu munus e não “revogá-lo” ou pô-lo em causa, afectando-o ou restringindo-o, naquelas disposições gerais, atrás citadas dos CPC e CPP.
Assim, entendemos que é direito do advogado, no exercício da sua profissão e sem necessidade de exibir procuração, solicitar em qualquer tribunal o exame de processos, que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões.
Tal direito de exame só não existirá, em sede de processo penal, nomeadamente durante o Inquérito, se o processo se encontrar em segredo de justiça e o Ministério Público a tal se opuser por, fundamentadamente, considerar que tal consulta do advogado pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas (Cfr. n.º 3 do art. 86.º do CPP).
Foi, de resto, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, a redacção do n.º 1 do art. 86.º do CPP que tinha, anteriormente, a seguinte redacção:
“O processo penal é, sob pena de nulidade, público, a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida. O processo é público a partir do recebimento do requerimento a que se refere o art. 287.º, n.º 1, alínea a), se a instrução for requerida penas pelo arguido e este, no requerimento, não declarar que se opõe à publicidade.”
Tendo, actualmente, a que segue:
“O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.” (negrito nosso)
Ora, incontornável é, também, o facto de a “publicidade”, conforme estatuía a al. c) do n.º 2 do art. 86.º do CPP, na sua versão anterior, comportar, além do mais, o direito de “consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele”.
Considerando aquela alteração legislativa, aliás, estruturante, não poderá, pois, seja em que fase for que se encontre o processo penal, designadamente em fase de Inquérito, ser vedada a sua consulta ao advogado que nisso manifeste interesse, se não for lançada mão do mecanismo previsto no cit. n.º 3 do art. 86.º do CPP e sem embargo de tal decisão do Ministério Público estar sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas, sob pena de violação, ostensiva, do preceituado no n.º 1 daquele preceito, que é, de resto, cominada com nulidade pelo mesmo Diploma.
De notar, ademais, que no art. 89.º do CPP (até por contraposição ao que dispõe o art. 90.º do mesmo Diploma Legal) apenas se prevê “a consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais” (Cfr. epígrafe do referido artigo 89.º), a saber, “arguido, assistente, ofendido, lesado e responsável civil”, que não a “consulta” ou o “requerimento” de advogado, relativamente a processo pendente em qualquer tribunal, previstas no aludido art. 74.º do EOA.
Aliás, bem se compreende tal diferenciação de “consulta” e “requerimento” de e em autos processuais, civis ou penais, relativamente a advogados, no exercício da sua profissão e àqueles mencionados “sujeitos processuais”.
Com efeito, o advogado, nessa “consulta” e “requerimento” (oral ou escrito), quando no exercício da sua profissão, está sujeito a deveres ético-deontológicos a que, obviamente, aqueles “sujeitos processuais” não estão, nomeadamente o de manter reserva ou sigilo profissional, se for o caso e, jamais, usar tal “consulta” ou “requerimento” senão no estrito exercício do seu munus.
Evidentemente que aquele direito de consulta de autos deve ser satisfeito pela Secretaria, isto é, pelo funcionário judicial, de imediato à solicitação do advogado, dentro das possibilidades objectivas dos serviços.
No que concerne às fotocópias ou certidões requeridas (por escrito ou oralmente), as mesmas têm de ser fornecidas ou passadas no prazo legal geral respectivo (cinco dias), salvo nos casos de manifesta urgência ou de manifesta impossibilidade, em que se deva consignar o dia em que devem ser levantadas (Cfr. n.º 1 do art. 71.º do CPC, aplicável aos processos de natureza penal, ex vi do art. 3.º do CPP).
Uma última questão, quanto à “confiança do processo” aos mandatários judiciais constituídos pelas partes, para exame fora da secretaria do Tribunal.
Tal solicitação de “confiança”, por escrito ou verbal, pelos mandatários judiciais constituídos pelas partes, pelos Magistrados do Ministério Público e dos que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa, relativamente a processos pendentes, está consagrada no n.º 1 do art. 165.º do CPC, prevendo-se no n.º 2 deste mesmo normativo que tal “confiança” pode ser requerida por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial, a quem seja lícito examinar os ditos processos na secretaria.
No Código de Processo Penal, designadamente no art. 89.º, não se prevê, expressamente, a possibilidade de aqueles mandatários judiciais constituídos pelas partes, magistrados do Ministério Público, pelo que tal lacuna legislativa sempre teria de ser colmatada pelo estatuído no referido artigo 165.º do CPC, como sabemos, de aplicação subsidiária.
Mesmo que assim não fosse, não se descortina qual o fundamento legal, em relação a processos penais pendentes, não sujeitos ao segredo de justiça e sem embargo do regular e normal funcionamento das diligências processuais e do respeito pelos direitos dos outros sujeitos processuais, para se proibir ou vedar a sua confiança, para exame fora da secretaria do tribunal, aos mandatários judiciais constituídos pelas partes ou dos que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa, tanto mais que os magistrados, judiciais ou do Ministério Público, têm, ou poderão ter, a “confiança” desses mesmos processos, a qualquer momento, nos seus gabinetes, fora, portanto, da secretaria.
Acresce, ainda, que jamais pode ser vedada ao advogado, no exercício sagrado do seu munus, mormente no direito de defesa do arguido, aquela “confiança” do processo, que a consulta na secretaria tornará, tantas vezes, inviável, não só pelo volume dos autos, como, também, pela impossibilidade do mandatário poder, eventualmente, apreender e obter pela simples consulta na secretaria, toda a dimensão da “informação” que julgue necessária para o exercício cabal daquele direito de defesa do seu constituinte.
De resto, quer no processo civil, quer no processo penal, estão subjacentes os princípios da “igualdade de armas” dos sujeitos processuais e de um “processo justo e equitativo”.
Logo, podendo, em sede penal, o Ministério Público aceder, a todo o momento, ao processo e examiná-lo no seu gabinete, mal se compreenderia, em respeito daqueles princípios, que fosse proibido, vedado ou dificultado ao defensor do arguido ou ao patrono do ofendido/assistente/demandante aquela “confiança”.
Em conclusão:
I) O n.º 1 do art. 74.º do EOA prevê um direito específico de os advogados poderem, no exercício da sua profissão, solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos, que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração;
II) Este artigo é especial em relação às normas gerais, insertas, respectivamente, nos arts. 163.º, 164.º, 165.º, 167.º, 168.º e 169.º do Código de Processo Civil (CPC) e nos arts. 86.º, 89.º e 90.º do Código de Processo Penal (CPP);
III) Tal direito de exame, em sede de processo penal, nomeadamente durante o Inquérito, só não existirá se este se encontrar em segredo de justiça e o Ministério Público a tal se opuser por, fundamentadamente, considerar que a sua consulta pode prejudicar a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais ou das vítimas, sem embargo de tal decisão estar sujeita a validação pelo Juiz de instrução no prazo de 72 horas (Cfr. n.º 3 do art. 86.º do CPP);
IV) Considerando a nova redacção do art. 86.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, que consagrou uma verdadeira alteração ao paradigma existente, passando a publicidade do processo penal a ser a regra geral, não poderá, seja em que fase for que este se encontre, ser vedada a sua consulta ao advogado, que nisso manifeste interesse, sob pena de violação, ostensiva, do preceituado no n.º 1 daquela norma, cominada, de resto, com nulidade;
V) O direito de consulta dos autos deve ser satisfeito pela Secretaria, isto é, pelo funcionário judicial, de imediato à solicitação (oral ou por escrito) do advogado, dentro das possibilidades objectivas dos serviços;
VI) As fotocópias ou certidões requeridas (por escrito ou oralmente) têm de ser fornecidas ou passadas no prazo legal geral devido (cinco dias), salvo nos casos de manifesta urgência ou de manifesta impossibilidade, consignando-se o dia em que devem ser levantadas (Cfr. n.º 1 do art. 71.º do CPC, aplicável aos processos de natureza penal, ex vi do art. 3.º do CPP);
VII) A solicitação, por escrito ou oral, da “confiança” de processos pendentes, pelos mandatários judiciais constituídos pelas partes, pelos Magistrados do Ministério Público e pelos que exerçam o patrocínio por nomeação oficiosa, está consagrada no n.º 1 do art. 165.º do CPC (aplicável, subsidiariamente, aos processos de natureza penal, como referido em VI).
É este, s.m.o., o n/parecer.
À próxima reunião do Conselho Geral, para deliberação.
Viseu, 7 de Janeiro de 2014
O RELATOR,
A. Pires de Almeida
Aprovado na sessão do Conselho Geral de 13 de Março de 2014
Relator: A. Pires de Almeida