Parecer D-19/05

ASSUNTO: Do patrocínio contra advogados e magistrados Dever de comunicação prévia

Sumário: I. O advogado, no exercício da sua profissão, encontra-se sujeito ao dever de comunicação prévia de quaisquer diligências judiciais contra outros advogados. II. O processo-crime, até ao momento em que seja proferida a decisão instrutória ou até ao termo do período em que a instrução possa ser requerida, encontra-se sujeito ao segredo de justiça, nos termos do n.º 1 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, a contrario. III. A apresentação, em sede de processo-crime, de rol testemunhas e de requerimento de constituição como assistente, durante a fase de inquérito, configura a prática de actos de natureza secreta, por os mesmos se encontrarem abrangidos pelo segredo de justiça. IV. Não viola o dever de comunicação prévia prescrito no artigo 88.º do EOA, o advogado que não comunica a prática de tais actos, por os mesmos assumirem natureza secreta.

A) DOS FACTOS
I. Por ofício de 17 de Janeiro de 2005, remeteu o Tribunal Judicial de …, ora Participante, ao Conselho Distrital de … da Ordem dos Advogados, certidão do processo n.º …/03, que corre termos no 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de …

II. Da referida certidão do processo n.º …/03 constam:
i) Requerimento de junção de procuração forense, de 29 de Setembro de 2003, conferindo poderes ao Dr. …, por este subscrito;
ii) Requerimento de junção de rol de testemunhas, de 22 de Outubro de 2003, igualmente subscrito pelo Dr. …;
iii) Requerimento de constituição como Assistente, de 15 de Dezembro de 2003, subscrito, também, pelo Dr. …;
iv) Requerimento de dedução de Acusação Particular, de 12 de Julho de 2004, subscrito pelo Dr. … e remetido por fax no dia 9 de Julho de 2004;
v) Exposição, de 20 de Dezembro de 2004, subscrita pela Dra. …, arguida no processo em causa; e
vi) Despacho, de 14 de Janeiro de 2005, que determinou a extracção de certidão e remessa da mesma ao Conselho Distrital de … da Ordem dos Advogados.

III. Na supra referida exposição, de 20 de Dezembro de 2004, subscrita pela Dra. …, ora Interessada, são alegados os seguintes factos:
i) “A fls. 168 foi remetida pela Exma. Magistrada do Ministério Público ao Conselho Distrital de … da Ordem dos Advogados «certidão extraída dos autos de Inquérito n.º …/03, para os efeitos tidos por convenientes”;
ii) “O Exmo. Sr. Dr. …, Advogado, com escritório em …, representa a denunciante neste processo, subscrevendo todos os requerimentos por esta apresentados, conforme procuração junta a fls. 45”;
iii) “A fls. 44 veio apresentar um requerimento de junção de procuração, datada de 12/08/2003, constante de fls. 45”;
iv) “A fls. 47 veio apresentar testemunhas para prova dos factos imputados pela denunciante contra a ora arguida”;
v) “A fls. 56 veio requerer a constituição da denunciante como assistente no procedimento instaurado contra a ora arguida”;
vi) “Em 09/07/2004 subscreveu a acusação particular deduzida contra a ora arguida, conforme folhas de fax juntas de fls. 133 a 145, recebidas no Tribunal entre as 18:14 e as 18:18 horas”;
vii) “Em 12/07/2004, portanto 3 (três) dias depois (cfr. Doc. Nº 1), remeteu à ora arguida, por carta registada, um escrito datado de 09/07/2004 (cfr. Doc. Nº 2)”;
viii) “A carta expedida em 12/07/2004 foi recebida no escritório da ora arguida em 13/07/2004 (cfr. Doc. Nº 3), portanto 4 (quatro) dias depois da entrada em Juízo da acusação particular contra si deduzida”;
ix) “Antes de promover contra a ora arguida, em nome da denunciante F …, as diligências judiciais, designadamente (pelo seu significado apenas a título de exemplo), de fls. 44, 47, 56, e 133 a 145, o Exmo. Sr. Dr. … não comunicou por escrito a sua intenção, nem para tanto ofereceu qualquer explicação”;
x) “Tal matéria poderá constituir ilícito disciplinar (art. 88º do E.O.A), pelo que o Tribunal deve dar do facto conhecimento à Ordem dos Advogados, conforme impõe o art. 95, nº 1, do mesmo Estatuto”;
xi) “Verificando que a fls. 168 foi já dado cumprimento ao disposto no nº 2 do art. 95º do E.O.A., solicita agora o cumprimento do nº 1 da mesma disposição legal, com certidão extraída de fls. 44, 45, 47, 56, 133 a 145, do presente requerimento e do despacho que sobre o mesmo recair”.

IV. Na sequência de despacho do Senhor Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 9 de Março de 2005, foi o Dr. … notificado para se pronunciar sobre o teor da participação, o que fez, tendo, para o efeito, junto a exposição constante de fls. 25 a 39, dos presentes autos, em 5 de Abril de 2005.

V. Assim, esclareceu o Dr. …a, referindo, em síntese, que:
i) “[N]o dia 23 de Julho de 2003 ocorreu um incidente entre a Srª D. …, que se encontrava acamada em casa, e o filho e a nora daquela (…), quando estes se deslocaram à residência da Srª D. …”;
ii) “Na sequência desse incidente, e nesse mesmo dia, a Srª D. … dirigiu-se, por sua própria iniciativa, à Esquadra da PSP de …, e apresentou queixa ? crime contra o filho, A… e a nora, Drª…”;
iii) “O Advogado Signatário não foi consultado sobre este assunto, até porque nessa ocasião se encontrava ausente do Escritório, em gozo de férias, o mesmo sucedendo com Exma. Srª Drª Maria … que é Advogada e trabalha em colaboração com o Advogado Signatário, patrocinado igualmente a Srª D. …”;
iv) “Soube posteriormente o Advogado Signatário que a sua constituinte apenas veio ao escritório no dia 12 de Agosto de 2003 e não o tendo encontrado e nem à Exma Srª Drª Maria …, por estarem ambos de férias, falou com uma Advogada Estagiária que aí se encontrava, DrªB…, a quem relatou, em termos genéricos, o episódio ocorrido em 23 de Julho de 2003, tendo então feito referência a que fora já à Polícia e apresentara queixa-crime contra o filho e a nora”;
v) “Na altura, a Exma Senhora D. … subscreveu uma Procuração Forense a favor do Advogado Signatário e colegas que com ele colaboram, apenas para ficar no escritório, para o caso de ser necessária”;
vi) “Entretanto, no dia 24 de Agosto de 2003, recebeu da Exma Senhora Drª … o fax que se anexa, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido ? Doc. Nº -1”;
vii) Nesse fax, vinha a Drª … informar o Advogado Signatário de que tinha tomado conhecimento da promoção de um procedimento criminal com o Pº- Nº - …/03, em que era participante a Srª D. … e participados o filho e ela própria”;
viii) “No referido fax a Drª… acusava o Advogado Signatário de ter promovido diligências judiciais contra ela sem lhe dar conhecimento prévio dessa intenção, e solicitava-lhe que a informasse dos esforços empregues para evitar o prosseguimento de «mais aquela represália» da Srª D. … contra o filho e contra ela própria”;
ix) “A esse fax, respondeu o Advogado Signatário, por fax datado de 25 de Agosto de 2003, de que se junta cópia, dando-se o seu teor por reproduzido ? Doc. Nº -2”;
x) “Nessa resposta, o Advogado Signatário deixou claro que a queixa em questão tinha sido apresentada sem que lhe tivesse sido dado qualquer conhecimento prévio pela cliente”;
xi) “E ainda que não se tratava de qualquer represália sobre a parte contrária, já que a Srª D. … exercera um direito, por se achar violada nos seus direitos e liberdades fundamentais”;
xii) “Foi assim, desta forma, que o Advogado Signatário tomou conhecimento da existência do referido procedimento criminal, já que até esse momento não chegara a ter nenhuma conferência com a sua cliente, a D. … sobre este assunto”;
xiii) “Conferência essa que só viria a acontecer posteriormente, já em Setembro de 2003”;
xiv) “Porque assim é, não poderia o Advogado Signatário ter dado conhecimento prévio à Exma Colega, Drª … da propositura contra ela do referido procedimento criminal, já que também ele o desconhecia”;
xv) “Tendo sido na sequência do fax de 24.08.2003 que a Exma Colega enviou ao Advogado Signatário, que este contactou telefonicamente a Srª D. … e se inteirou do que acontecera”;
xvi) Na sequência de reunião com a sua constituinte, realizada durante o mês de Setembro de 2003, e a pedido da mesma, “o Advogado Signatário requereu, em 29 de Setembro de 2003, a junção aos autos do referido procedimento criminal, da Procuração por ela emitida em Agosto de 2003”;
xvii) “Tendo sido, pois esse o primeiro acto praticado pelo Advogado signatário naquele procedimentos criminal”;
xviii) “Nessa altura, não fez o Advogado Signatário qualquer comunicação à Colega, Drª …, já que não só não promoveu contra ela quaisquer diligências judiciais, como também porque a Srª Drª … já era conhecedora da instauração do referido procedimento criminal, como o confirma o fax por ela enviado em Agosto de 2003”;
xix) “E ainda porque, aquele processo-crime se encontrava em fase de inquérito, tendo pois natureza secreta (cfr. Artigo 86º do Código de Processo Penal), o que dispensava pois a comunicação a que se refere o Artigo 88º do E.O.A. então em vigor”;
xx) “Posteriormente à junção aos autos da Procuração passada pela queixosa a seu favor, procedeu o Advogado Signatário, à apresentação no identificado process-crime, de dois outros requerimentos, sendo um deles de indicação de testemunhas dos factos denunciados (apresentado em 22.10.2003), e o outro para a constituição da Queixosa como assistente (apresentado em 15.12.2003)”;
xxi) “Mais uma vez, não fez o Advogado Signatário qualquer comunicação à Srª Drª … da apresentação destes requerimentos por não consubstanciarem a promoção de diligências judiciais contra a Exma Colega, mas antes sim meros actos de tramitação processual praticados no âmbito de um procedimento-criminal, que não fora promovido pelo Advogado Signatário, e que já era do conhecimento da Srª Drª …”;
xxii) “Acresce que, tais actos foram praticados no âmbito de um Processo de Inquérito, portanto em segredo de justiça, pelo que também por essa ordem de razões estava o Advogado Signatário dispensado de fazer a comunicação estabelecida no artigo 88º do E.O.A. então em vigor à Ilustre Colega, Drª …, como precisamente o estabelece o mencionado preceito, na sua parte final”;
xxiii) “Somente quando deduziu «Acusação Particular», no identificado Processo-Crime, contra a Exma Colega, Drª …, procedeu o Advogado Signatário à comunicação estabelecida no Artigo 88º do E.O.A., então em vigor”;
xxiv) “Já que a dedução de Acusação Particular contra outro Advogado configura, essa sim, a promoção de diligência judicial contra esse Advogado, conforme tem sido unanimemente entendido”;
xxv) “[C]ontrariamente ao que a Srª Drª … veio referir no requerimento por ela subscrito e que acompanhou a presente participação, aquela comunicação não foi feita apenas por carta expedida em 12.07.2004, recebida no escritório daquela colega em 13.07.2004”;
xxvi) “Na verdade, não refere a Exma Colega o facto de que aquela comunicação já lhe tinha sido feita anteriormente, através de fax enviado para o seu escritório, no dia 09 de Julho de 2004 aí, recebido às 17 H 44 Minutos desse mesmo dia, como atesta o respectivo relatório de envio (cfr. documentos Nºs 3 e 4 em anexo)”;
xxvii) “Assim sendo, considerando que a Acusação Particular deduzida contra a Exma Senhora Drª …, foi enviada para o Tribunal da Comarca de … entre as 18h14m e as 18h18m do dia 09.07.2004, constata-se que antes da apresentação em juízo dessa acusação particular, o Advogado Signatário procedeu à comunicação à Exma Colega, por escrito e através de telefax dirigido e recebido no escritório da mesma da sua intenção de promover contra ela a referida diligência judicial e oferecendo, nessa mesma comunicação, as respectivas explicações”;
xxviii) “Tal comunicação foi realizada pelo Advogado Signatário à Exma Srª Drª … pela forma e nos termos estabelecidos no artigo 88º do E.O.A. então em vigor, não porque isso lhe fosse legalmente exigido, já que na fase em que se encontrava o identificado processo-crime (fase final do Inquérito), tal comunicação não era obrigatória, mas antes e sim por lealdade e correcção para com Exma Srª Drª …”;

VI. Assim, concluiu o Participado pela não violação do dever contido na norma do artigo 88.º do EOA.

VII. Em sede de apreciação preliminar, depois de verificada a competência deste Conselho Superior para se pronunciar sobre a participação ? tendo em conta que o Participado é vogal do Conselho Distrital de …, eleito para o triénio 2005/2007 ?, concluiu-se pela existência de indícios de infracção do artigo 88.º do EOA, e, consequentemente, pela instauração do presente processo disciplinar.

VIII. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 146.º do EOA, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, o Participado voltou a pronunciar-se sobre os factos que compõem o presente processo disciplinar, em 26 de Outubro de 2006, na sequência das considerações tecidas em sede de apreciação preliminar, tendo renovado os argumentos expendidos na sua anterior pronúncia, no sentido de não ter ocorrido qualquer violação do disposto no artigo 88.º do EOA.

IX. Requereu, ainda, o ora Participado, a audição de duas testemunhas, diligência cuja realização não se afigura necessária, tendo em conta a prova documental já existente nos autos e o facto de a matéria em causa não revestir especial complexidade.

B) DO DIREITO
X. Como se deixou referido supra, entende o Participado que a sua conduta não consubstanciou qualquer violação do disposto no artigo 88.º do EOA, porquanto os actos em causa se encontrariam ao abrigo do segredo de justiça que acompanha a fase do inquérito em sede de processo penal e, como tal, abrangidos pela excepção contida na parte final do citada norma do EOA.

XI. Em face do exposto, cumpre agora analisar a questão.
Dispunha o artigo 88.º do EOA ? aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho (aplicável à altura da prática da alegada infracção disciplinar) ? que “[o] advogado, antes de promover quaisquer diligências judiciais contra outros advogados ou magistrados, comunicar-lhes-á por escrito a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias, salvo tratando-se de diligências ou actos de natureza secreta ou urgente”.
No caso em análise, vem imputada ao Participado a violação da supra citada norma, porquanto o mesmo teria omitido a comunicação prévia de certos actos por si praticados, em nome da sua constituinte, em sede de processo-crime movido por esta contra a Dra. …, ora Interessada.
Em concreto, e em face da prova feita nos presentes autos, o Participado não comunicou antecipadamente à Dra. …: (i) requerimento de junção de procuração forense, (ii) requerimento de rol de testemunhas ? a serem ouvidas em sede de inquérito ?, e (iii) requerimento de constituição como assistente.
No que respeita à dedução de acusação particular, o Participado assegurou a comunicação prévia à Dra. …, por fax, no dia 9 de Julho de 2004, como demonstrado através do documento junto a fls. 38 dos autos, tendo, ainda, remetido a carta junta a fls. 39, pelo que se encontra cumprido o disposto no artigo 88.º do EOA.
Resta, assim, apurar se os restantes actos, cuja comunicação prévia não foi assegurada pelo Participado, se encontram abrangidos pela norma contida no artigo 88.º do EOA, isto é, se os mesmos se traduzem em (i) diligências judiciais, (ii) contra outros advogados ou magistrados e (iii) sem natureza secreta ou urgente.

Em primeiro lugar, importa analisar a junção pelo Participado de procuração forense. Como referido em sede de apreciação preliminar, “a junção aos autos da procuração forense em 29 de Setembro de 2003 pode não consubstanciar uma diligência judicial (até porque pode ter por objectivo possibilitar a mera consulta do processo para que o advogado avalie o mesmo e decida sobre a aceitação ou não aceitação do patrocínio)”, juízo que não podemos deixar de acompanhar. Com efeito, a junção de procuração forense, em si, não parece enquadrar-se no conceito de diligências judiciais inserido no artigo 88.º do EOA, o qual pretende referir-se à propositura de uma acção, apresentação de contestação ou, entre outros, à apresentação de queixa-crime contra, no que ao presente caso interessa, outro advogado.
Na sua essência, a procuração forense limita-se a conferir o mandato nos termos que concretamente sejam delimitados, não se consubstanciando a junção da mesma aos autos na prática de uma diligência judicial.
Mas mesmo que se entendesse a junção de procuração forense como diligência judicial, para efeitos do artigo 88.º do EOA, nunca a mesma poderia ser entendida como diligência judicial contra outro advogado, ficando sempre por preencher o tipo da citada norma.
Neste sentido, e por se entender que a junção, pelo Participado, de procuração forense não configura a prática de uma diligência judicial contra outro advogado, encontra-se afastada a alegada violação do artigo 88.º do EOA e, consequentemente, a verificação da pretendida infracção disciplinar.

Em segundo lugar, o Participado subscreveu e apresentou requerimento de apresentação de rol de testemunhas e, posteriormente, requerimento de constituição como assistente, sem que tenha assegurado a prévia comunicação à Dra. …
O processo penal é, nos termos do n.º 1 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, “sob pena de nulidade, público, a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida”, o que, a contrario, significa que, até ao momento em que seja proferida a decisão instrutória ou até ao termo do período em que a instrução possa ser requerida, o processo penal se encontra sujeito ao segredo de justiça.
Por seu turno, “o segredo de justiça vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de: a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir; b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação” (cfr. n.º 4 do artigo 86.º do Código de Processo Penal).
Em face do disposto no n.º 1 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, e salvo a excepção prevista na parte final desse mesmo artigo, cuja aplicação não releva no presente caso, temos que durante toda a fase de inquérito ? e, quando a mesma se verificar, da instrução ?, o processo penal se encontra sujeito ao segredo de justiça.
Como ensina Germano Marques da Silva, “no decurso do inquérito, o MP [? entidade que preside a esta fase processual ?] pode dar ou permitir que seja dado conhecimento a certas pessoas, incluindo o arguido e o assistente, do conteúdo de acto ou documento em segredo justiça, se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade”, nos termos do n.º 5 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, sublinhando, ainda, que se trata, porém, “sempre de uma faculdade da autoridade judiciária, motivada pela utilidade para a investigação, e não de um direito do arguido ou do assistente” (cfr. Curso de Processo Penal, Vol. II, Lisboa, 1999, p.23).
No caso sub judicio, os actos praticados pelo Participado foram-no em sede de inquérito, logo, sujeitos ao segredo de justiça, pelo que o Participado se encontrava obrigado a não dar publicidade aos mesmos.
Ou seja, a decisão quanto à necessidade/oportunidade de se proceder à divulgação de actos processuais ou documentos, durante a fase de inquérito, cabe, no âmbito da respectiva esfera de competência, quer ao Ministério Público, quer ao Juiz de Instrução Criminal, e não aos restantes sujeitos processuais, estando estes vinculados ao segredo de justiça e, como tal, impedidos de actuarem em substituição daquela autoridade judicial, dando publicidade aos actos processuais ou documentos que constem do processo-crime em causa.
Quer isto dizer que os actos ora em causa, ao terem sido praticados em sede de inquérito, assumem a natureza de actos secretos, estando, assim, abrangidos pela parte final da norma contida no artigo 88.º do EOA, pelo que o Participado não se encontrava obrigado a comunicar antecipadamente, à ora Interessada, Dra. …, a prática dos mesmos (neste sentido, Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados n.º R-45/2002, de 8 de Março de 2003).

Nestes termos, atenta a natureza secreta dos actos em causa, encontra-se afastada a verificação da alegada infracção disciplinar, por força do disposto na parte final do artigo 88.º do EOA.

C) PROPOSTA DE DECISÃO
Pelo exposto, sou do parecer que não ocorreu violação do disposto no artigo 88.º do EOA, pelo que proponho o arquivamento dos autos.

Lisboa, 11 de Junho de 2007
O Relator,

J. M. Sérvulo Correia


Relator: J. M. Sérvulo Correia

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