“Unicórnios” querem revisão da lei das startups que vai a votação - Público online
Uma mão cheia de nada? Ou um bom ponto de partida? A nova lei das startups, que está hoje para votação na agenda do Parlamento, está a dividir opiniões. Na opinião de empresários ouvidos pelo PÚBLICO, tanto empreendedores como investidores, a proposta de lei do Governo é "uma oportunidade perdida". Mesmo com as alterações que a bancada do PS pôs em cima da mesa, na tentativa de alinhar o texto original com alguns pareceres recolhidos no debate na especialidade, os líderes de algumas das mais pujantes tecnológicas do país vão organizar-se para pedirem uma revisão do quadro legal que a comissão de orçamento e finanças colocou para hoje na ordem do dia.
Dizer que os "unicórnios" portugueses lideram a "revolta" contra a nova lei das startups seria um duplo exagero. Nem o movimento tem líderes, nem o ambiente é tão dramático. Os sinais que se captam com mais intensidade são, na verdade, de desapontamento. E em vez de uma revolta, prepara-se uma reacção mais "ponderada", mas "forte", por "escrito" e com "contactos através dos canais próprios". Isto é: longe dos holofotes mediáticos.
Mas é um facto que são os empresários das startups que já captaram doses cavalares de capital de risco que dão neste momento a cara, com "mágoa", contra a reforma do regime de tributação das opções de compra de acções (as chamadas stock options).
Como o PÚBLICO noticiou, gestores de topo e fundadores ficam excluídos do regime. O PS ainda propôs excepções à regra, para tentar incluir os que tenham menos de 20% de capital e estejam em micro e pequenas empresas ou startups mais jovens e de menor escala. Mas no mercado desconfia-se do verdadeiro impacto destas excepções, que são vistas como "complicações".
A polémica, o debate, correu depressa das páginas de jornais para redes sociais como o LinkedIn. O primeiro lamento do presidente da Feedzai, Nuno Sebastião, teve dezenas de milhares de impressões, dezenas de reacções e partilhas, dentro do país e fora dele.
Lurdes Gramaxo, da associação Investors Portugal, que representa mais de 300 investidores em fase inicial (os chamados business angels), vê o país a dar um tiro no pé. Encara a proposta de lei como um "convite ao Portugal dos pequeninos". Critica a "complexidade", a "entropia" de um quadro legal que "ficou longe" da promessa feita pelo ministro da Economia (a lei "mais competitiva do mercado europeu e, quem sabe, do mercado internacional").
"Não basta contar com o clima ameno, a segurança, o talento e a simpatia dos portugueses para fazer progredir" a indústria tecnológica. "No mundo destas empresas, as stock options são um instrumento poderoso para atrair os melhores gestores, os melhores trabalhadores. Com esta lei, nada disso vai funcionar aqui."
Na empresa em que trabalha, que tem dezenas de investimentos activos na Península Ibérica, Lurdes Gramaxo recebeu "muitas reacções" negativas. Acredita que tanto as tecnológicas como quem investe nelas tem razões para estar desiludido.
Nuno Sebastião, presidente da Feedzai, de Coimbra, sabe o que é apostar tudo o que tem no nascimento de uma empresa. Fê-lo em 2011, com dois amigos. E deu tão certo que desde 2021 é a empresa nacional que mais pede patentes. Ele próprio, com a experiência e algum dinheiro acumulado, já apoia o nascimento de outras empresas.
Preocupa-o a lei que hoje vai ser votada. E sente-se quase traído pelo seu próprio país. "Contratámos dois administradores de topo, não executivos, no estrangeiro. Um deles acaba de vender a empresa dele por 16 mil milhões. Como é que lhe vamos explicar que ele fica fora do regime das stock options, só porque está numa empresa que já tem mais de 250 trabalhadores e porque ele está nos órgãos sociais? Isto não faz sentido nenhum", avalia, em declarações ao PÚBLICO.
Resumindo o problema, a lei das startups altera o estatuto dos benefícios fiscais na parte que diz respeito às stock options. No modelo actual, estas são tributadas em sede de IRS à cabeça, antes de gerarem rendimento, e depois são tributadas como mais-valias, quando são vendidas. O Governo quis alinhar a legislação portuguesa com práticas internacionais e quer a tributação apenas no momento em que haja rendimento, propondo uma taxa efectiva de 14% em sede de mais-valias, o que é uma das mais baixas do mercado.
O problema é que o executivo dividiu as empresas pelo tamanho. As muito pequenas e pequenas têm este regime para toda a gente, mas nas médias/grandes e muito grandes ficam excluídos fundadores e accionistas que tenham mais de 20% do capital da empresa, bem como membros dos órgãos sociais. Também exclui os que mudem de país, mesmo que continuem na empresa.
Nuno Sebastião não vê vantagens naquelas excepções. "São um travão, um convite a continuares pequeno. Se vais ganhar escala, deixas de ter este regime. Ora isto não é uma lei competitiva. É uma lei complicada. É um convite a sair do país."
O mesmo representante aponta para a "injustiça" dos que saem do país a pedido da empresa, "como acontece tantas vezes na Feedzai". "É justo penalizar desta forma quem nos vai abrir o mercado em Singapura ou na Austrália?", questiona.
António Dias Martins, director executivo da Startup Portugal (que apoia o Governo na política de empreendedorismo, e esteve envolvido nos trabalhos preparatórios desta proposta de lei), sustenta que o "balanço global é positivo". Mas compreende as críticas das grandes startups, que passam a chamar-se scaleups segundo esta lei.
"Somos solidários com as nossas scaleups e com os nossos 'unicórnios', mas num cenário de limitação do âmbito consideramos que esta proposta é um bom primeiro passo na direcção certa", afirma ao PÚBLICO. "A lei que temos está errada. Fazer esta mudança é sem dúvida um avanço."
Martins reconhece contudo que há opções negativas, como a penalização de quem saia do país ou trabalhe de forma remota. "Somos frontalmente contra", vinca. "Manter esta exit tax é limitar a nossa atractividade. A mobilidade internacional é hoje uma condição sine qua non", sublinha.
Quanto às stock options, assume que "o foco desta lei está nas pequenas e médias" startups, aquelas que ainda não podem pagar salários tão elevados mas podem usar as stock options como um atractivo adicional na contratação. Ouve-se muita gente a desconfiar do real alcance desta orientação. Mas como diz Martins, vai ser preciso esperar e avaliar os resultados.
"Sabemos que o bom é inimigo do óptimo. Sentimos que o Governo está aberto a rever, a melhorar." Por agora, a palavra pertence aos deputados, a partir das 10h.