Protesto deixa 68 municípios sem advogados de escala nos tribunais

O protesto organizado pela Ordem dos Advogados (OA) a partir de ontem e pelo menos até ao final deste mês fez com que os tribunais reabrissem após as férias judiciais com menos 83% de inscritos nas escalas para as diligências urgentes existentes nos tribunais. Trata-se do sistema que assegura que há sempre um advogado presente nas diligências urgentes em que estes são obrigatórios e o visado não constituiu nenhum.

As escalas podem obrigar os advogados a estar no tribunal (nesse caso são remuneradas com 80,19 euros se não for feito qualquer acto) ou, como acontece na maior parte das comarcas, implicar que os profissionais fiquem 24 horas de prevenção e se desloquem quando são chamados. Neste último caso, só recebem pelos actos que praticam.

Segundo dados divulgados ontem pela Ordem dos Advogados, responsável por gerir a plataforma informática que indica o defensor oficioso atribuído a cada caso, inscreveram-se apenas 1487 advogados em todo o país nas escalas de Setembro, menos 7435 do que no mesmo mês do ano passado.

“Neste momento, cerca de 68 dos municípios do país não têm advogados disponíveis para fazer escalas durante o mês de Setembro e 32 municípios têm apenas um advogado. Até ao momento, não foi dado nenhum sinal por parte do Governo para a revisão desta tabela, o que levou os advogados a manifestar o seu desagrado através da sua indisponibilidade em preencher as vagas existentes para as escalas previstas para este mês”, lê-se no comunicado.

A bastonária da OA, Fernanda de Almeida Pinheiro, explicou ao PÚBLICO que o número de advogados disponíveis para realizar as escalas deste mês ainda pode vir a diminuir, porque há advogados a cancelar a inscrição de Setembro. A responsável, que esteve inscrita durante mais de 20 anos no Sistema de Acesso ao Direito e tem dado a cara pelo protesto, não consegue avaliar as consequências da iniciativa a nível de adiamentos ou atrasos de diligências, considerando que serão necessários alguns dias para perceber o impacto da acção.

Vários juízes-presidentes sustentaram o mesmo, dando conta de que os tribunais ainda estão a funcionar a meio-gás, com juízes ainda de férias e outros ainda a tomar posse. Tanto a presidente da comarca do Porto, Ausenda Gonçalves, como o presidente da comarca de Coimbra, Carlos Oliveira, garantiram ao PÚBLICO que ontem não sentiram qualquer perturbação no normal funcionamento dos tribunais que gerem.

A falta de advogados nas escalas irá previsivelmente provocar constrangimentos ao funcionamento dos tribunais, já que no caso de haver diligências em que o visado não tem advogado e este é obrigatório, como nos interrogatórios de arguidos detidos, a diligência terá de ser adiada. O problema é que, como os suspeitos só podem ficar 48 horas detidos até serem presentes a um juiz, se não for possível encontrar um advogado nesse período, o suspeito terá de ser libertado. Isso mesmo aconteceu várias vezes este ano por causa de outro protesto, o dos funcionários judiciais, cujas greves originaram várias libertações.

Também os julgamentos sumários em que o arguido não tenha advogado ou interrogatórios poderão ser adiados por falta de advogado.

Os advogados reivindicam desta forma a actualização da tabela de renumeração das defesas oficiosas que só foi revista uma vez (2018) nos últimos 20 anos e, nesse ano, registou um aumento dos valores pagos. Entretanto, houve actualizações pontuais decorrentes do ajuste na unidade de conta, que serve de referência ao valor das custas judiciais e indirectamente determina quanto recebem os advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito.

A OA já manifestou junto deste e do anterior Governo a necessidade de rever os valores pagos nas defesas oficiosas, tendo sido criado um grupo de trabalho para actualizar a lista de actos a pagar e o respectivo valor. “O Governo mudou, mas os serviços do Ministério da Justiça são os mesmos e já tínhamos chegado a um consenso sobre as alterações a introduzir na tabela”, afirma a bastonária.

A Ordem dos Advogados exige que o Orçamento do Estado para o próximo ano preveja mais 20 milhões de euros para pagar honorários de advogados, muitos dos quais beneficiam do chamado “apoio judiciário”, que pretende garantir o acesso à justiça a quem não a pode pagar. Actualmente, o Sistema de Acesso ao Direito representa um custo anual próximo dos 60 milhões de euros, que inclui as remunerações dos advogados, perícias e traduções, entre outros serviços.

Os profissionais inscritos no Sistema de Acesso ao Direito ganham por uma consulta jurídica 26,73 euros brutos e por um julgamento criminal comum 213,84. Se tiverem mais de duas sessões, são pagos mais 80,19 euros por cada sessão extra (uma manhã ou uma tarde). Um primeiro interrogatório judicial que dure um dia de trabalho rende 80,19 euros e, quando se prolonga, outro tanto por cada tarde ou manhã.

A ordem garante que este protesto “não coloca em causa a defesa do cidadão”, apesar de reconhecer que representa “um constrangimento à realização de diligências”. Realça, contudo, que a acção só vai perturbar as escalas e não as nomeações para a realização de actos não urgentes, que são feitas através de uma lista paralela. Há advogados inscritos nas duas ou apenas numa.

Para levar a cabo este protesto, a OA organizou um processo de inscrição extraordinária nas escalas, que, ao contrário do habitual, só tem efeitos em Setembro e não anualmente. O mesmo poderá ser feito em Outubro. Habitualmente, as inscrições terminam em Novembro e produzem efeitos a 1 de Janeiro. 

07/01/2025 01:31:40