A Relação Jurídica entre os Associados e as Sociedades de Advogados
A Relação Jurídica entre os Associados e as Sociedades de Advogados
O advogado está obrigado a defender os direitos liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas (art. 85.º/1 do EOA).
O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais (art. 83.º/1/2 do EOA).
O advogado deve, pois, no exercício da sua profissão, mas também fora dela (na medida em que tal influa na imagem da própria advocacia) adoptar um comportamento consentâneo com os valores que constituem o seu código de ética e que conferem à advocacia o papel ímpar de defesa dos direitos dos cidadãos.
Ora, tal só acontecerá se o advogado cumprir tais princípios, em primeiro lugar, na sua própria casa, ou seja, no seu escritório, aplicando-os no relacionamento que tem com todos os seus colaboradores.
Como é sabido a forma de exercer a profissão tem evoluído de forma muito rápida nos últimos anos.
Às tradicionais formas, puramente liberal (em escritório individual ou partilhado com outros colegas) ou em regime de contrato de trabalho veio juntar-se a realidade, crescente, das sociedades de advogados. Diríamos, das verdadeiras sociedades de advogados, que se organizam de forma mais ou menos empresarial (não falamos aqui das sociedades de advogados de escopo familiar ou das falsas sociedades que têm por base uma mera repartição de espaço e de despesas).
Acresce que, ao fenómeno do aparecimento de sociedades de advogados constituídas apenas pelos seus sócios, todos eles com experiência de exercício individual da advocacia, se seguiu o da estruturação das sociedades de advogados de forma empresarial, em que aos sócios se juntaram outros colegas, vulgarmente designados por colaboradores ou (porventura impropriamente) associados.
Estes exercem a profissão exclusivamente (ou quase) “dentro” da sociedade e integrados em equipas (departamentos) sob a orientação e autoridade (?) de um sócio, exercendo mesmo o mandato forense a coberto de mandato conjunto com a sociedade ou por via de substabelecimento de um dos sócios. De qualquer forma, afigura-se inequívoco que a responsabilidade última de todo o trabalho por eles efectuado é sempre da sociedade ou dos sócios.
Também os advogados estagiários passaram a ser “peças” importantes da mecânica das sociedades de advogados, assumindo, com maior ou menor relevo, um papel na própria organização da forma de funcionamento da sociedade, muito para além do que era o seu tradicional modo de aprendizagem dos rudimentos da profissão.
Esta realidade, em rápida evolução nos grandes centros urbanos do país, acentuou-se, de forma significativa e irreversível, com a entrada em “cena” de sociedades de advogados de outros países com larga tradição no exercício “empresarial” (ou de forma estruturada se se preferir) da advocacia.
De tal forma que temos hoje dezenas de colegas que exercem a advocacia integrados em sociedades de advogados há muitos anos e em que grande parte deles nem sequer a chegou a exercer individualmente. Como temos ouvido a muitos deles, têm uma cultura de sociedade.
Aliás, o exercício da advocacia no âmbito das sociedades de advogados corresponde não só a uma necessidade para grande parte dos jovens advogados, como a um desejo destes que vêem, nessa forma de exercer a profissão, maior racionalidade, eficácia e atractivo.
No entanto, entre estes colaboradores e a sociedade de advogados não se estabelece qualquer vínculo societário (constituindo a aquisição da qualidade de sócio um patamar da progressão na carreira dentro da sociedade). Situação bem evidenciada na novel lei das sociedades de advogados — D.L. n.º 229/2004, de 10 de Dezembro — que impõe, inclusive, a estas que elaborem planos de carreira com definição de categorias e critérios de progressão.
Com efeito, do ponto de vista da relação jurídica entre os associados e a sociedade a mesma tem sido equacionada como se um mero contrato de prestação de serviços se estabelecesse entre as partes.
Cremos, contudo, sem nos alongarmos por razões óbvias, na análise detalhada da natureza jurídica da relação contratual estabelecida entre a sociedade de advogados e os seus associados, que a sua configuração como uma mera prestação de serviços não corresponde à realidade.
Além disso, tal prática é, porventura, susceptível de ser injusta para os associados e de vir a criar graves dificuldades às sociedades. A este propósito, valerá a pena reflectir no que num Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (de 2003) que dirimiu um conflito a propósito deste tipo de relação jurídica, se disse:
“A crescente flexibilização das formas de emprego tem contribuído para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna, por vezes, extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de trabalho subordinado ou de trabalho autónomo.
(...)
É certo que o advogado é, em geral, a profissão apontada como o modelo do profissional liberal, mas a realidade vem revelando cada vez mais um fenómeno novo, que alguns não hesitam em denominar como a “proletarização da advocacia” que deve merecer a atenção da sociedade.
Não podemos deixar de reconhecer que em muitos casos a forma como a profissão é exercida não se encaixa no paradigma liberal e que seria conveniente que fosse devidamente regulado o exercício subordinado da profissão e maxime estabelecida com nitidez a diferenciação entre advogados sócios das sociedades (acautelando a situação destes), como sugere Paulo Rangel no artigo citado, dado que o puro e simples enquadramento no regime jurídico-laboral poderá não ser o mais indicado.”
Esta é uma questão a que nenhum advogado pode ficar indiferente, porque se prende directamente com a forma de exercício da advocacia e, muito menos, a nossa Ordem, a quem cabe velar pelo correcto exercício da profissão e representar todos os advogados.
Trata-se, em última análise, de sermos claros e transparentes em matéria de relações jurídicas estabelecidas entre advogados, de defendermos a segurança jurídica nesse relacionamento, de acautelarmos os interesses de ambas as partes nesse relacionamento e de contribuirmos para uma melhor caracterização da classe que a Ordem representa.
Urge, pois, que a relação jurídica entre as sociedades de advogados e os seus associados (não sócios) seja objecto de regulação especial.
Conclusão
O VI Congresso dos Advogados portugueses recomenda ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados que prepare e, após discussão na classe, se empenhe na aprovação, pelo poder político, de legislação que defina as regras do contrato especial celebrado entre as sociedades de advogados e os seus associados (não sócios).
Subscritores:
Tiago Rodrigues Bastos – Cédula Profissional n.º 9368 L;
Gonçalo Capitão – Cédula profissional n.º 8984 L;
Miguel João Rodrigues Bastos – Cédula Profissional n.º 2660 L;
José Rodrigues Braga – Cédula Profissional n.º 1049 P;
José António Braga – Cédula Profissional n.º 5893 P;
Maria de Lurdes Senra Bessa Monteiro – Cédula Profissional n.º 9038 L;