Uniformização da Jurisprudência
2024-07-11 / 19:33
Supremo Tribunal Administrativo (STA)
11-07-2024
Pedido de autorização de residência
Ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias
Atribuição de autorização provisória
Cidadão estrangeiro
Contrato de trabalho
Exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais
Inscrição na Segurança Social
Obrigatoriedade do porte de documento de identificação
Pedido de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias
Referências
CPTA: artigos 109.º a 111.º
Lei n.º 5/95, de 21-02
Lei n.º 23/2007, de 04-07: artigo 88.º, n.º 2 (REDAÇÃO da Lei n.º 102/2017, de 28-08)
Lei n.º 102/2017, de 28-08: artigo 82.º, n.º 1
Acórdão do STA n.º 11/2024 (Série I), de 6 de junho de 2024 ― Processo n.º 741-23.4BELSB ― 1.ª Secção / SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. - Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA. Diário da República. - Série I - n.º 133 (11-07-2024), 26 p.
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 11/2024
Acórdão do STA de 06-06-2024, no Processo n.º 741/23.4BELSB — 1.ª Secção
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I. RELATÓRIO
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - AA, com os sinais dos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA processo de Intimação para a Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, atualmente a seguir termos contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA), no qual pediu que a entidade demandada fosse intimada a decidir o pedido de concessão de autorização de residência que apresentara em 5/5/2020, emitindo o correspondente título de residência ou, a assim se não se entender, a declarar que a sua pretensão fora tacitamente deferida por se mostrar decorrido o prazo legal de decisão. Pediu ainda que fosse aplicada à entidade demandada sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 169.º do CPTA, em montante a fixar pelo Tribunal, por cada dia de incumprimento da sentença que vier a ser proferida.
Para tanto alegou, em síntese, que tendo entrado legalmente em território nacional, deu entrada, no dia 05/05/2020, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do pedido de autorização de residência que formulou ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 04/07, na versão conferida pela Lei n.º 102/2017, de 28/08, para o que juntou a documentação legalmente exigida para o efeito;
Observa que nos termos do n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 102/2017, o pedido de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias, mas no seu caso, não obstante as várias solicitações junto do requerido para entregar mais documentação e para que proferisse decisão, a verdade é que estando volvidos mais de 33 meses sobre o seu requerimento, não foi proferida qualquer decisão;
A falta de decisão desse pedido lesa seriamente os seus direitos constitucionais básicos, desde logo, a segurança no emprego, uma vez que trabalha há mais de 33 meses indocumentado e sob ameaça constante de despedimento;
Está refém da sua entidade empregadora, não tendo direito de escolha, trabalhando sem direito a horas extras ou trabalho suplementar, tudo, porque permanece irregular, tendo em risco o seu trabalho e a sua estabilidade profissional por culpa exclusiva do R.;
Afirma que, tal como se relata nas edições do Jornal Expresso deste ano “há trabalho escravo em Portugal”;
Mais alega que não revê a sua família que se encontra no... há mais de 3 anos, uma vez que, sem título de residência não pode visitar/estar com a sua família no seu país de origem;
Esta situação viola o seu direito à família (artigo 36.º da CRP) e faz de si um homem profundamente infeliz, impedindo-o de reagrupar a sua família, de modo a dar-lhe apoio e receber também o carinho da mesma;
Ademais, está impedido de fazer negócios e criar mais riqueza nacional e a sua permanência em situação irregular retira-lhe tranquilidade, mesmo para andar em público, podendo a todo o tempo ser objeto de ações de fiscalização, em qualquer local (na rua, no metro, no seu local de trabalho), ser mandado parar pela polícia, onde se inclui o SEF, estando também em causa o seu direito à liberdade e à segurança, andando sempre “com o coração nas mãos”;
A Lei n.º 5/95, de 21/02 determina a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, sendo a entidade recorrida quem está a impedir o cumprimento dessa obrigação, violando o seu direito à identidade nacional;
Está também em causa o seu direito à saúde, uma vez que apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas, seja qual for a circunstância, não obstante descontar para a segurança social desde dezembro de 2020 e pagar impostos em território português;
Entende que o cerceamento dos seus direitos fundamentais decorre das próprias regras da experiência, sendo dedutível por mera presunção judicial;
Por estar indocumentado encontra-se privado da possibilidade de beneficiar do princípio da equiparação consagrado no artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que o priva de direitos básicos reconhecidos a qualquer ser humano;
A seu ver, reúne os requisitos legais plasmados nas diversas alíneas do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007 para obter autorização de residência, uma vez que possui contrato de trabalho, entrou legalmente no país e está inscrito na Segurança Social;
Defende que estando em causa uma matéria em que se discutem direitos fundamentais de cidadania e identidade, e outros direitos análogos, não há lugar para decisões provisórias e precárias, as quais sempre poderão ser revogadas na ação principal, em regra morosa, sendo a melhor solução para a defesa dos seus interesses o recurso ao presente meio processual, tanto mais que beneficia de uma proteção multinível quanto a direitos fundamentais;
A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é o meio idóneo para dar cumprimento ao artigo 20.º, n.º 5 da CRP;
Conclui, pedindo a procedência da ação. (...).
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IV - DECISÃO
Nestes termos, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, decidindo em formação alargada, acordam em conceder provimento ao recurso de revista interposto pelo Recorrente e, em consequência revogam o acórdão recorrido proferido pelo TCA Sul, devendo o processo prosseguir como ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, de acordo com o prescrito no artigo 110.º e seguintes do CPTA, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para os devidos efeitos.
Sem custas (cf. al. b), n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Lisboa, 6 de junho de 2024. - Helena Maria Mesquita Ribeiro (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (vencido nos termos da declaração que junto) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com voto de vencido em anexo) - Cláudio Ramos Monteiro - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete - Pedro José Marchão Marques (com voto de vencido anexo). Vencida, por entender ser de manter todo o enquadramento jurídico vertido no Proc. n.º 0455/23.5BELSB, de que fui relatora. - MARIA DO CÉU NEVES.
117869577
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