José de Oliveira Ascensão - A Lei N.º 32/06, sobre procriação medicamente assistida
Pelo Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão
SUMÁRIO:
1. Antecedentes e aspectos gerais da lei; 2. Os “beneficiários”; 3. A in-seminação artificial; 4. Anonimato ou identificação do dador?; 5. Embriões criados in vitro; 6. Os embriões excedentários; 7. “Investigação científica” e aplicação clínica; 8. A liquidação de embriões; 9. Clonagem; 10. A gestação para outrem; 11. O diagnóstico genético pré-implantação (DGPI); 12. A questão ética; 13. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA); 14. Apreciação geral.
Antecedentes e aspectos gerais da lei
Procurando os antecedentes da Lei n.° 32/06, de 26 de Julho, encontramos, além de referências dispersas, um primeiro diploma dedicado especificamente ao tema: o Dec.-Lei n.° 319/86, de 25 de Setembro, sobre “procriação artificial humana”. É muito insuficiente, sendo o seu significado (e provavelmente o seu objectivo prioritário) a consagração implícita da admissibilidade da procriação artificial heteróloga.
Houve depois tentativas malogradas. Uma, mais abrangente, chegou a ser aprovada pela Assembleia da República mas foi frustrada por veto do então Presidente da República. Mais recentemente, surgiram projectos de lei sobre os quais foi pedido Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). A lei veio enfim a ser aprovada, mas afasta-se em muitos aspectos do Parecer emitido.
A lei deveria ser regulamentada no prazo máximo de 180 dias (art. 48). Na altura em que escrevemos (Novembro de 2007) ainda não o foi.
A omissão é neste caso agravada porque, como observou o actual Presidente da República na Mensagem que enviou à Assembleia da República quando promulgou a lei(1), há vários “domínios cuja regulação complementar ou regulamentação administrativa pode assumir particular sensibilidade”.
Embora a lei mencione no art. 1, bastante inutilmente aliás, que “regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA)”, extrapola esta divisa. Regula por exemplo a destinação de embriões à investigação científica (art. 9), que em si não é procriação; pelo contrário, é a liquidação dos embriões para outras finalidades (2). É uma lei ambiciosa e algo desordenada, que procura abranger numerosos domínios (3).
A lei pressupõe que as práticas de PMA são actos médicos (art. 11, por exemplo). É necessário porém entendermo-nos sobre o que por tal se tome. O art. 4/2 dispõe que a utilização das técnicas de PMA “só pode verificar-se mediante diagnóstico de infertilidade” ou ainda “para tratamento de doença grave ou do risco de transmissão de doenças graves de origem genética, infecciosa ou outras”.
Descodificando, temos que a PMA não é apenas técnica de superação de infertilidade; pode ainda justificar-se para “tratamento”. Mas como, tratamento? A lei assenta numa larga admissão da procriação heteróloga. A procriação heteróloga é tratamento? Aí não se supera uma situação de doença dum potencial genitor, substitui-se (4).
Fica a mensagem que as técnicas de PMA são um método subsidiário e não alternativo de procriação (art. 4/1). E isso espraia-se por várias restrições ou cautelas que afloram no texto. Desde já acentuámos o que respeita à “maternidade de substituição”.
Por vezes toma-se mesmo um ar de conselho que quadra pouco a um diploma legislativo (5).
Mas estes traços moderados contrastam afinal com outros de sinal contrário. Não só pelo que se estabelece como sobretudo pelo que se silencia. Há uma cortina de fumo lançada sobre aspectos que são verdadeiramente essenciais. Não se toma posição expressa, mas deixa-se a porta aberta (6) para se chegar a resultados muito mais graves. Teremos ocasião de o comprovar ao longo desta análise.
Isto não nos deve espantar. Basta ter presente que neste domínio se perfilam hoje interesses milionários, como aliás em todo o sector da saúde. O lobby da liberalização (7) é muito poderoso e activo e tem entrada franca nos meios políticos e na comunicação social. As preocupações éticas surgem naturalmente como um impecilho à expansão empresarial. Isto explica o carácter ambíguo da lei, que é destinada a permitir muito mais do que aparenta.
Enfim, neste enunciado de aspectos gerais, observe-se que se estabelece como que uma administrativização do sistema. As técnicas de PMA só podem ser ministradas em centros expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde. Diploma próprio fixará os requisitos e regime pertinentes (art. 5). Por outro lado é criado o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a quem cabe superintender e fiscalizar a aplicação das técnicas e centralizar toda a informação relevante, nomeadamente o registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas (art. 30).
Os “beneficiários”
O art. 6 introduz a categoria dos “beneficiários”. São as pessoas a quem o ente nascido de técnicas de PMA seria destinado.
Assim se designam “pessoas casadas que não se encontrem judicialmente separadas de pessoas e bens (sic) ou separadas de facto ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos” (art. 6/1). Daqui resulta que beneficiário deve ser um casal (7), o que é uma cautela importante. Implica que sejam pessoas de sexo diferente mas não implica já que sejam casadas, bastando que vivam em condições análogas às dos cônjuges.
Exige-se ainda que os beneficiários tenham mais de 18 anos e não se encontrem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica (art. 6/2). O preceito não acautela porém situações necessariamente associadas. Que acontece, se algum dos candidatos sofre notoriamente de anomalia psíquica mas não está interdito nem inabilitado? A lei não deu por isso. O centro que aplica as técnicas de PMA pode mesmo assim avançar?
A categoria de “beneficiário” exige um esclarecimento.
A lei nunca fala nos pais ou progenitores, nem tem qualquer referência à continuidade biológica.
Esta pode existir plenamente. A inseminação artificial homóloga, por exemplo, coloca-nos perante beneficiários que são progenitores.
Mas pode também não existir, sempre que houver PMA heteróloga. Basta que se recorra a gâmetas de um terceiro para que os beneficiários não sejam identificáveis com “os progenitores”, porque um deles não contribui geneticamente para a procriação.
E pode mesmo faltar totalmente, quando a procriação for exclusivamente heteróloga: o embrião seria formado por gâmetas de pessoas estranhas ao casal.
Vemos assim que a categoria beneficiário é independente da continuidade biológica. Aparecem assim uns como que “pais de destinação” ou “sociais” do novo ser, que podem até nada ter que ver com a constituição do genoma deste. A palavra beneficiários foi assim cuidadosamente escolhida.
Mas então surge a anomalia: o regime estabelecido é exactamente o mesmo, quer se trate dos pais biológicos quer de pessoas biologicamente de todo estranhas. Assim, havendo fertilização in vitro e embriões excedentários, os beneficiários comprometem-se a utilizá-los em novo processo de transferência embrionária no prazo máximo de três anos (art. 25/1). A entrega dos embriões para outros fins é feita recorrendo-se uniformemente à figura geral do consentimento informado (art. 9/5). Este supõe todavia como base ética a existência de uma forte ligação humana e não um mero negócio jurídico.
Os beneficiários podem doar os embriões a outro casal (art. 25/2 e 3); e podem consentir na destinação à utilização científica (art. 9/5). Se isto é inteligível quando há continuidade biológica, ao menos de um dos membros do casal, já cria perplexidade quando ela falta de todo. Temos pessoas cuja posição se funda apenas no contrato de PMA: a lei contenta-se com o vínculo de destinação, o que o art. 9/5 reforça ao referir os beneficiários “aos quais se destinavam”. O vínculo não é familiar nem se requer base biológica mas os “beneficiários” são dotados de completo domínio, de vida ou de morte até, sobre o embrião.. Será proprietarista? É por isso que o art. 25/2 diz que os embriões podem ser doados? Ou o consentimento tornou-se palavra mágica, que sacraliza tudo, incluindo quando se defrontam posições de natureza meramente contratual?
A inseminação artificial
Dissemos que a lei especifica várias modalidades de técnicas de PMA. Essas matérias estariam compreendidas nos capítulos III a IV, que são intitulados:
—inseminação artificial
—fertilização in vitro
—diagnóstico genético pré-implantação
Comecemos pela “inseminação artificial”, que compreende os arts. 19 a 23.
A lei abre imediatamente no art. 19 com a inseminação com sémen de dador (inseminação heteróloga). O art. 19/1 dispõe que “só pode verificar-se” (9) quando não for possível a gravidez com sémen do marido ou daquele com quem viva em união de facto. É o mínimo que se poderia exigir. Mas, sob formulação aparentemente restritiva, o grande princípio afinal resultante é o da permissão da inseminação heteróloga (10).
O que a lei regula é sobretudo a determinação da paternidade. Os grandes problemas surgem com a inseminação artificial heteróloga. O art. 1839/3 do Código Civil não permitia a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu. Só referia o cônjuge, agora generaliza-se a quem está em união de facto (11).
A inseminação artificial realizada com sémen do marido ou do varão com quem a mulher esteja em união de facto só é prevista nos arts. 22 e 23. Estabelece-se como princípio a proibição da inseminação pós-morte (art. 22/1) e a destruição nesse caso do sémen eventualmente crio-preservado (art. 22/2). Mas admite-se a transferência pós-morte de embrião (art. 22/3), dentro de um projecto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai (12).
É de aplaudir a resistência da lei à realização da fertilização pós-morte, ou da transferência pós-morte de embrião. Provoca as maiores perturbações nas relações familiares e sucessórias, perturbações que aumentam à medida que a técnica dilata sempre mais o período em que a gestação se pode realizar (13). Tratámos dessa matéria no nosso Procriação assistida e direito (14). Haveria a confusão de gerações, a indefinição da situação sucessória e, sobretudo, o menosprezo do interesse do novo ser.
Não basta porém uma proibição legal, porque se essa proibição for violada haverá da mesma maneira que determinar a filiação da criança que vier a nascer. A situações de facto dessa ordem provê o art. 23, dispondo que a criança é havida como filha do falecido (art. 23/1), salvo se à data da inseminação a mulher tiver contraído casamento ou viver há pelo menos dois anos em união de facto com homem que dê o seu consentimento. Neste caso aplica-se o art. 1839/3 CC e a criança é considerada filha desse homem (art. 23/2) (15).
Se a inseminação heteróloga se dá em vida do dador, estabelece-se categoricamente que este não é havido como pai da criança, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela (art. 21). Repete o que constava já com mais generalidade do art. 10/2. É aplicável à fertilização in vitro pós-morte, com recurso a sémen ou ovócitos de dador (art. 27).
É bom que a lei torne expressa esta determinação, pois o terceiro é um mero fornecedor de gâmetas. Não participa de um projecto de paternidade nem é responsável por um acto gerador consciente. Note-se porém que a posição tomada é teleologicamente contraditória com a que se adopta em matéria de gestação para outrem, pois como veremos aí é a mulher que perfaz a gestação quem é considerada juridicamente a mãe.
Anonimato ou identificação do dador?
Uma grande problemática ética suscitada pela procriação heteróloga está em saber se se deve manter ou não o anonimato do dador.
A questão é tão antiga quanto a própria procriação heteróloga. A orientação originária foi no sentido do anonimato do dador. A preocupação principal era a de colocar a família de destino ao abrigo da intromissão incómoda do dador — e também a de liberar o dador de quaisquer responsabilidades.
A partir de certa altura avultou outra posição. Considerou-se que é um direito do novo ser conhecer a ascendência. Este primaria sobre quaisquer outras considerações. Foram pioneiros neste sentido os países escandinavos.
Pelo menos, teve de se admitir que se revelassem elementos do dador quando razões médicas exigissem o conhecimento dos antecedentes genéticos do novo ser. Mas isso não levaria ao conhecimento do dador, mas apenas ao do genoma. Em todo o caso, implica que esses dados devem ser conservados (16).
Com o tempo, o ambiente mudou. A orientação pró-identificação do dador, como direito do novo ser, ganhou a primazia. Invocou-se também a necessidade de assegurar que não haveria um impedimento de casamento. Isto não tinha nenhuma implicação sobre o estabelecimento de vínculos familiares entre o dador e o ser dele biologicamente derivado nem importaria em responsabilidades, aliás para qualquer deles.
Quando o Parecer sobre a PMA foi discutido no CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, pensar-se-ia que se iria travar um longo debate sobre o tema. Afinal foi aprovado por unanimidade e sem controvérsia o direito do novo ser ao conhecimento da sua origem biológica.
Mas a Lei n.° 32/06 traz a surpresa: a posição unânime do CNECV é invertida. O princípio é o do sigilo sobre a identidade dos participantes, bem como sobre o próprio acto de PMA (art. 15/1).
Esta mudança de posição é elucidativa. Dissemos que para a procriação heteróloga concorrem poderosos interesses empresariais, naturalmente sempre preocupados em abater as barreiras ao negócio. Foram eles que falaram mais alto na Assembleia da República, levando à impressionante inversão da posição unânime do CNECV.
O novo ser pode, “junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética” que lhe respeitem, mas não pode conhecer a identidade do dador (art. 15/2). Note-se porém que mesmo no ponto de vista restrito da saúde ainda é pouco: não basta conhecer o património genético, é necessário ainda conhecer a história clínica do dador para saber quais os factores de risco. Isto não implica, note-se, a revelação da identidade do dador.
Pode-se ainda obter informação sobre eventual impedimento legal a projectado casamento junto do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, mas a identidade do dador só poderá ser revelada se este expressamente o permitir (n.° 3).
Isto pressupõe que o órgão previsto nos arts. 30 e seguintes tem como responsabilidade o arquivo dos dados das intervenções realizadas. Efectivamente, o art. 30/2, que estabelece as atribuições do CNPMA, inclui a de “centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação de técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas” (al. p).
Até aqui o sistema é muito pesado e rígido, apenas abrindo excepções contadas, aliás não originais, mas que não chegam nunca à revelação da identidade do dador.
Mas o art. 15 da Lei n.° 32/06 contém um n.° 4, que estabelece: “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, podem ainda ser obtidas informações sobre a identidade do dador por razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial”.
Agora muda-se bruscamente de flanco de jogo. Onde havia previsões extremamente restritivas enxerta-se uma cláusula aberta que pode dar para tudo. É um puro apelo ao arbítrio judicial, uma carta em branco. Quando o importante seria fixar os critérios que deveriam pautar a intervenção do juiz.
Pode perguntar-se se o direito de obter informações é recíproco: se o dador também o tem. Respondemos negativamente. O dador é um fornecedor de “material”, não um participante num projecto de paternidade. O conhecimento que pudesse obter de seres gerados a partir daí seria perigoso, desde logo pela possibilidade de se imiscuir na vida familiar com finalidades turvas. Quem tem razões pessoais a invocar é o ser gerado por PMA heteróloga, e só ele.
Por outro lado, o monumental sistema de informação e registo estabelecido arrisca-se a ser em larga medida ineficaz.
Parte-se do princípio que quem foi gerado por procriação heteróloga conhece essa sua proveniência. Mas nada o assegura. Só o sabe se o casal de destino, ou alguém que teve conhecimento particular, lho revelar. Se nada lhe disserem, não adianta dar-lhe o direito de se informar sobre impedimento legal para projectado casamento, por exemplo (art. 15/3), porque nem se apercebe da eventualidade.
O que significa que o denso silêncio imposto quanto ao dador acaba por se virar contra o próprio ser que for gerado por PMA heteróloga.
Pensamos que esta matéria toca os direitos fundamentais. E consequentemente que só pode ser devidamente resolvida por interpretação destes.
O art. 26 da Constituição tem duas previsões que não podem deixar de ser consideradas.
O n.° 1 reconhece o direito à identidade pessoal.
O n.° 3 garante a identidade genética do ser humano.
São dois preceitos de difícil interpretação. Mas só à luz deles encontramos a fronteira entre o que é ou não permitido.
Um ser que nasce sem história, a partir de gâmetas anónimos, pelo menos no que respeita a uma das suas vertentes, é um ser amputado. O conhecimento da origem biológica pode ser muito importante para restabelecer a sua inserção na cadeia geracional.
O direito à identidade genética implica também a origem genética e pode não se bastar com a mera indicação anónima de dados genéticos.
Eis porque nos permitimos considerar que a questão continua em aberto.
Embriões criados in vitro
Conjugando preceitos dispersos e frequentemente obscuros, podemos chegar a este quadro:
1. É lícito criar embriões in vitro para transferência embrionária (art. 24).
2. É proibido criar embriões para fins de utilização na investigação científica (art. 9/1).
3. É permitido utilizar na investigação científica embriões que não foram utilizados para efeitos de procriação (art. 9/2 a 5).
Torna-se assim claro que para a lei a PMA é uma mera técnica, que abrange a criação deliberada de embriões para utilização científica (art. 9/1), embora a proíba.
O recurso a embriões por fertilização in vitro é implicitamente autorizado. Seja o caso do art. 10/1, por exemplo, ao prever a dádiva de ovócitos, de espermatozóides bem como de embriões, quando não possa obter-se gravidez por técnica que utilize gâmetas dos beneficiários.
Deste preceito resulta a admissão da procriação heteróloga, nomeadamente no seu aspecto mais grave, que é o da utilização de embrião resultante de gâmetas inteiramente estranhos ao casal. É um procedimento eticamente contestado, mas manifesta a indiscriminação instalada na lei. O único adoçamento está na apresentação como sendo um método a utilizar em último recurso, mas a restrição afigura-se teórica. Acrescenta-se: “e desde que sejam asseguradas condições eficazes de garantir a qualidade dos gâmetas”, o que é técnico e óbvio e não acrescenta praticamente nada.
É proibida a compra e venda de óvulos, sémen e embriões, bem como de outro material genético utilizado na PMA (art. 18). Nenhum valor pode ser atribuído a esse material no cálculo da retribuição (art. 17/1). Desenha-se assim um quadro idílico, de pura gratuitidade. Nomeadamente, a dação de ovócitos é gratuita, não obstante o carácter altamente traumatizante para a mulher da estimulação ovárica que aquela obtenção pressupõe. É de supor que estejamos no mundo do faz de conta. O escândalo sul-coreano não adiantou nada.
Segundo o art. 25/1, os embriões que não tiverem de ser transferidos, “devem ser criopreservados, comprometendo-se os beneficiários a utilizá-los em novo processo de transferência embrionária no prazo máximo de três anos”.
Esta regra não se destina a elucidar, destina-se a esconder.
Que compromisso é este? Onde se estabelece a obrigatoriedade de utilizar durante esse período? Não consta de lugar nenhum nem, evidentemente, há qualquer tipo de sanção se o não fizerem. Nem sequer se dispõe que se o casal, dentro do prazo de três anos, pretender nova gravidez deve recorrer a estes embriões remanescentes.
A regra não tem conteúdo. Está lá só para dar a ilusão que prevalece ainda o aproveitamento para nova gravidez. Poderia ser suprimida e o artigo começar pelo actual n.° 2. É uma bolha vazia.
Não obstante, prevê-se expressamente que haja centros onde são ministradas as técnicas de PMA e centros onde sejam preservados gâmetas e embriões (art. 30/2 b). E será também admitida a criação de bancos de embriões, disponíveis para casais incapacitados de os produzir eles próprios — a supor que possam ser depois introduzidos no útero da destinatária para fins de gestação? (17)
A terminologia utilizada denúncia um espírito que, a nosso parecer, não está de acordo com a dignidade que se pretende aparentar.
O art. 10 admite a dádiva de material genético e embriões.
O art. 17/1 fala em material genético doado ou embriões doados.
O art. 25/2 refere a doação de embriões.
Não se repara que se deixa transparecer a coisificação destes elementos.
Todo o elemento genético é da ordem das pessoas. Particularmente no que respeita aos embriões, mesmo quem não aceita que sejam pessoas deve reconhecer que são da ordem das pessoas. Isso significa que o seu estatuto não pode ser desligado do da pessoa e tratado como se fosse coisa. Por isso não são venais; não podem ser objecto de comércio.
Mas falando-se em doação deixa-se escapar uma visão defeituosa. O objecto da doação são coisas; cede-se a propriedade. Se o elemento genético não é coisa, não pode ser objecto de doação.
Isto é ainda mais chocante no que respeita aos embriões. Assim, o art. 25/2 e 3 dispõe que, decorrido o prazo de três anos, podem os embriões ser doados a outro casal, mediante o consentimento dos beneficiários originários... Os “beneficiários” podem até não coincidir com os que forneceram gâmetas, serem meros destinatários. Os beneficiários são donos?
Mas vamos supor que há PMA homóloga. O art. 1878 do Código Civil, regulando o poder paternal, determina que compete aos pais, no interesse dos filhos, representá-los, ainda que nascituros... É pois um direito-dever, porque toda a representação é atribuída no interesse do representado. Como é porém compatível com uma doação? Não cabe no interesse do representado ser doado; menos ainda, seguramente, ser entregue para ser aniquilado para outras finalidades, como as previstas no art. 9.
Esta última destinação é directamente estabelecida no próprio art. 25. O n.° 5 dispõe que aos embriões que não tiverem possibilidade de ser envolvidos num processo parental é aplicável o disposto no art. 9 — portanto, a entrega para “investigação científica”.
Repare-se ainda que as disposições sobre fertilização in vitro são aplicáveis a outras técnicas laboratoriais de manipulação genética ou embrionária, equivalentes ou subsidiárias (art. 47) — ex., a injecção introcitoplasmática de espermatozóides. Têm uma grande extensão e uma posição fulcral na lei.
Os embriões excedentários
Isto mostra como é grave a problemática dos “embriões excedentários”.
A Lei n.° 32/06 parte de uma proibição e de uma recomendação.
A proibição é a de produzir embriões com destino à investigação científica, que já conhecemos (art. 9/1).
A recomendação é a de a produção de embriões para transferência ser limitada ao número necessário para o êxito do processo (art. 24/1).
Salvo lapso nosso, nem uma nem outra têm qualquer espécie de sanção. O que significa que são apenas destinadas a sossegar a boa consciência do público.
Os embriões excedentários resultam normalmente da produção de embriões num número superior ao que se prevê utilizar, dadas as elevadas taxas de frustração. Ficariam já de reserva para tentativas futuras. Aproveita-se a estimulação ovárica que precede o processo e que conduz à produção de vários óvulos — evitando-se assim o trauma que a repetição dessa estimulação, em caso de falha de anteriores tentativas, provoca na mulher.
Será porém realmente inevitável a produção de embriões excedentários?
Há uma orientação que a exclui. A técnica utilizada em vários países, como a Alemanha e a Áustria, e entre nós pelo menos nos Hospitais da Universidade de Coimbra, consiste em levar o processo de fecundação a desenvolver-se até ao momento anterior à singamia e suspendê-lo então, por meio da criopreservação: temos aí um pré-embrião, na verdadeira acepção do termo, mas ainda não um embrião.
Se amanhã se quiser prosseguir, em nova tentativa de gravidez com vista a procriação, a singamia completa-se por si após descongelamento. Isto significa que só se produzem os embriões que realmente irão ser implantados; e significaria também que se superam as questões éticas ligadas aos embriões excedentários.
Os resultados desta técnica são análogos aos obtidos pela criopreservação de embriões; são até superiores, na lição do Prof. Doutor Agostinho de Almeida Santos.
Não temos capacidade para apreciar os pressupostos biológicas desta posição, que não é genericamente acolhida. Mas observamos que, se um processo que não suscita questões éticas for tecnicamente possível, esse processo torna-se eticamente obrigatório. Deixa de haver justificação para utilizar métodos que as suscitem.
Por isso se lamenta que a lei portuguesa, ao menos por uma razão de prudência, não considerasse esta opção que estava ao seu alcance e tinha em seu abono a experiência coroada de êxito em países de ponta neste domínio.
De todo o modo, há uma ressalva a fazer.
A lei podia ter vedado a produção intencional de embriões excedentários, mesmo que no âmbito de um processo de procriação. Mas isso não significaria que a necessidade de previsão do regime aplicável aos embriões excedentários desapareça.
Continuaríamos a ter de entrar em conta com eles, quanto mais não seja em consequência das possíveis violações da proibição. O embrião excedentário é uma realidade histórica a que há que dar destino.
Até na observância de uma eventual lei proibitiva, poderiam configurar-se embriões excedentários. É sempre possível o falecimento da mulher, já após consumada a singamia, mas antes da implantação. Como o é em consequência de ter sobrevindo contra-indicação médica.
Portanto, a indiferença da lei no que respeita à criação de embriões excedentários não se justifica; mas em qualquer caso será sempre necessário regular o destino destes, quando facticamente forem criados.
Vejamos como procede a lei neste sentido.
“Investigação científica” e aplicação clínica
Os embriões excedentários seriam destinados, em princípio, à investigação científica (art. 9).
Teriam esta destinação:
— aqueles cuja caracterização morfológica não indique condições mínimas de viabilidade
— os que não forem utilizados no prazo máximo de três anos (que parece assim ficar marcado como prazo-limite a observar para servirem noutra tentativa de procriação).
Quer a destinação à procriação em benefício de casal infértil (art. 25/3), quer a destinação à investigação científica (art. 9/5) carecem de consentimento dos beneficiários. Deve entender-se que há uma hierarquização entre os dois destinos, pois a destinação à investigação científica pressupõe que não exista projecto parental (art. 9/4 a, que é generalizável).
O consentimento deve ser do casal: o art. 25/3 refere os “beneficiários originários”. Se só um consente, não vale como consentimento do casal. O art. 25/3 especifica ainda o consentimento apenas do membro que for sobrevivo; é decerto aplicável também à destinação à investigação científica. Fora disso, resulta daqui que só o consentimento de ambos os membros do casal destinatário releva.
De resto, já exprimimos anteriormente a nossa perplexidade sobre o modo indiferenciado como a lei constrói este consentimento dos “beneficiários” (18).
A epígrafe do art. 9, “Investigação com recurso a embriões”, é enganosa. Apresenta-se como se a única eventualidade fosse a destinação nobre de sustentar a investigação científica.
No art. 9/2 prevêem-se “finalidades terapêuticas” que tornam lícita a investigação científica, em áreas como as de “prevenção, diagnóstico ou terapia de embriões, de aperfeiçoamento das técnicas de PMA, de constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação”.
É perturbador. Haverá investigação científica em Portugal que necessite de tantos embriões? Mas na realidade, é verdadeiramente a investigação científica que aqui se contempla?
Prevê-se, por exemplo, a “constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação” (n.° 2) (19). Mas isto não é investigação científica, é actividade clínica ou mesmo médico-empresarial. Ter-se-á aproveitado para introduzir a despropósito a previsão do aniquilamento de embriões para a obtenção de células estaminais? Uma vez que a previsão de bancos de células estaminais numa lei sobre PMA só pode referir-se a células estaminais com origem embrionária: só células com esta origem podem estar relacionadas com a PMA. Quer dizer, ter-se-á aproveitado a oportunidade para dar letra de lei a este método altamente contestável de obtenção de células estaminais.
Tudo a lei unifica sob a referência a “finalidades terapêuticas” (n.° 2). Mas é a investigação científica ou a prática clínica? Se esta não está aqui compreendida, onde está então? Porque depois se prevêem “os centros onde sejam preservados gâmetas ou embriões”, juntamente com “os centros onde são ministradas as técnicas de PMA” (art. 30/2 b). De onde vêm esses gâmetas e embriões? A única fonte, não se tratando de processos individuais, parece estar no art. 9, sob a referência à investigação científica. Então, temos de concluir que se acena para a investigação científica quando o que se tem verdadeiramente em vista é a abertura à prática, que fica com as mãos livres para tudo fazer a coberto da etiqueta “investigação científica”. Os programas de transplantação (art. 9/2), são investigação científica? Ou a constituição de bancos de embriões para casais inférteis?
Parece assim que a lei só refere como finalidade a investigação, mas para fazer passar sub-repticiamente o que verdadeiramente lhe interessa: o aproveitamento destes processos na prática clínica.
A liquidação de embriões
Mas ainda que a destinação fosse apenas a investigação científica, os problemas suscitados seriam da maior gravidade. Situemo-nos na entrega de embriões para serem liquidados, uma vez que aí se atinge o ponto máximo.
O embrião tem uma dignidade que o faz ultrapassar qualquer elemento a partir do qual se forme. Tem um genoma inteiramente definido, que faz dele um ser único e irrepetível. Operada a singamia, nenhum elemento recebe do exterior que altere a sua identidade; até o seu eixo está já definido. No seu desenvolvimento natural levará a um ser como nós, sem alteração qualitativa até ao nascimento.
Entregar um embrião, uma vida nova e autónoma, para ser aniquilada, mesmo que para fins de investigação científica, é muito grave. Nem os progenitores o podem doar, pois como dissemos estes são representantes do nascituro e a representação faz-se no interesse do representado: nunca se poderá pretender que o interesse do embrião é ser suprimido. Com a entrega à destruição científica, o embrião é ignorado como fim em si mesmo. O seu interesse é ser trazido à vida e não ser aniquilado.
Compreendem-se por isso todas as restrições que semelhantes práticas suscitam, pelo menos no sentido de as reduzir ao mínimo possível.
Só há um argumento utilizável em abono da entrega de embriões para serem aniquilados na investigação científica: é o argumento do mal menor.
Atendendo às situações contempladas no art. 25, vemos que tudo se reduz a um denominador comum: os embriões que não tiverem possibilidade de ser envolvidos num projecto parental são disponibilizados para investigação científica, se houver o consentimento dos “destinatários”. Como esses embriões estariam destinados a perecer de qualquer modo, o argumento do mal menor consiste em realçar a superioridade de uma destruição útil à ciência sobre o perecimento a que estão condenados, sem qualquer proveito.
O argumento é de duvidosa suficiência, mas em qualquer caso tem subjacente uma ponderação ética. Ultrapassa nesse sentido uma mera moral utilitária.
Mais segura é em todo o caso a observação que utilizar os embriões nessas condições para efeitos de procriação, mesmo heteróloga, é eticamente mais valioso que votá-los ao perecimento puro e simples pelo decurso do tempo. Isto apesar de a procriação heteróloga suscitar graves objecções e de a destinação do embrião a pessoas que não concorreram com gâmetas seus para a concepção, ou ser procriação heteróloga, ou representar uma anomalia ainda maior por não haver sequer um destinatário que tenha contribuído para a prociação. Simplesmente, a ética funda-se em valores absolutos mas aplica-se ponderando as circunstâncias concretas. Neste caso, trazer o embrião à vida, mesmo que por procriação heteróloga, é verdadeiramente um mal menor que abandoná-lo a uma destruição em que a vocação para a vida do embrião não é contemplada.
Mas por maior que seja a pulsão para a paternidade (que em si deve ser positivamente valorada) que conduza à procriação heteróloga(20), deve dizer-se que ainda mais valioso é o recurso à adopção. Ocorrendo tantas situações de abandono de crianças que carecem de um lar e permitindo expandir uma dedicação desinteressada em que o outro está em primeiro lugar, a adopção tem maior valia ética que a procriação heteróloga, porque não participa dos desvios éticos em que esta incorre. Observe-se que a lei contém um aceno neste sentido, ao estabelecer como direitos dos beneficiários “ser informados das condições em que lhes seria permitido recorrer à adopção e da relevância social deste instituto” (art. 12 e).
Esta matéria sofreu já desenvolvimento posterior. Foi pedido parecer ao CNECV, com carácter de urgência, sobre investigação em células estaminais. Na origem estavam dois projectos de lei que, embora se centralizem sempre na “investigação científica”, previam também a obtenção de células estaminais embrionárias. Nada acrescentavam porém ao constante da Lei n.° 32/06, neste domínio.
O Parecer do CNECV foi emitido, com a urgência pedida (21), mas a Assembleia da República não se pronunciou ainda.
Clonagem
O art. 9/4 d prevê a utilização para investigação científica de “embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide”. Com esta linguagem arrevezada é a clonagem que fica assim admitida, sem fazer barulho, na ordem jurídica portuguesa.
Há logo uma diferença de regime. Nos outros casos, como acabamos de ver, a destinação à investigação científica pressupõe o consentimento dos “beneficiários”. Mas o art. 9/5 exclui desse consentimento o embrião obtido por clonagem. Então devemos concluir que não há destinatários, há apenas um produto laboratorial.
Novo traço de regime consta do art. 36/1. Aí utiliza-se mesmo o termo clonagem, pois a epígrafe é “clonagem reprodutiva”. Pune-se “quem transferir para o útero embrião obtido através da técnica de transferência de núcleo”. Até aí, dá-se cumprimento a convenções internacionais, de que Portugal é parte. Mas excepciona se: “salvo quando essa transferência seja necessária à aplicação das técnicas de PMA”. Através desta ameaçadora ressalva, está dada abertura para em processo de reprodução serem utilizados embriões clonados. É uma carta branca que provoca os maiores receios. Visar-se-ão experimentações com clones no útero? Ou abre-se mesmo uma viela para a clonagem dita reprodutiva?
A qualificação da clonagem como “reprodutiva” não deve induzir em erro. Contrapõe-se por vezes à clonagem não reprodutiva ou terapêutica. Mas a clonagem é só uma. Pode é ser usada ou para reprodução ou para obter material de laboratório — para ser destruído, mormente para fornecer células estaminais. Vê-se pois que a destinação é extrínseca, não cinde em duas a clonagem.
A própria lei qualifica como “embrião” o “produto” obtido através destas técnicas (art. 9/4 d). É correcto que o faça, pois esse “produto”, por seu desenvolvimento natural, é dirigido a um ser como qualquer de nós. O facto de até hoje não se ter tecnicamente chegado ao nascimento não é motivo para o excluir, porque não sabemos quando essa barreira será vencida. Aliás, as técnicas de clonagem progridem sempre, abrangendo cada vez mais espécies de mamíferos superiores. Ao menos por prudência, haveria que aplicar ao embrião clonado o estatuto geral do embrião. Mas não encontramos na lei a mínima cautela. Olha-o, dissemos, como mero produto laboratorial. Que esteja ou não na origem potencial dum ser humano é ignorado pela lei.
Uma vez porém que o embrião clonado é um embrião, a ele se aplica o que posteriormente dissermos em geral sobre o estatuto do embrião. Não há motivo para tratar estes embriões de maneira diferente dos que provêm de reprodução biparental.
A gestação para outrem
O art. 8 da Lei n.° 32/06 prevê o que chama a “maternidade de substituição”.
A definição de maternidade de substituição ultrapassa o domínio da PMA. Não é dela requisito que se utilizem gâmetas de ambos ou mesmo de um só dos membros do casal destinatário, basta que uma mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem. Após o parto entregaria a criança, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade (art. 8/2).
Aqui, a posição da lei é rotundamente adversa. Os negócios de maternidade de substituição, sejam gratuitos ou onerosos, são nulos (art. 8/1) e puníveis (art. 39).
Mas a rejeição é feita pela lei com escassa lucidez.
Começa pelo próprio nome — maternidade de substituição. Não havia que proceder a nenhuma qualificação à cabeça. Bastaria falar em gestação para outrem, que é na realidade o que se verifica.
Sobretudo, há a disposição do n.° 3: “A mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer”.
A reacção é extrema e percebe-se o intento: pretende-se desanimar o negócio, determinando que terá sempre o efeito contrário ao pretendido. A gestante será considerada a mãe.
Mas a solução é gravemente errada. A maternidade não pode ser atribuída a título de sanção. O interesse prioritário é o do novo ser e este é de todo menosprezado com semelhante vínculo jurídico de filiação.
Situemo-nos. Na ordem jurídica portuguesa, até agora, o princípio fundamental determinante da filiação era o da continuidade biológica. Foi o entendimento que expusemos na nossa Procriação assistida e Direito (22).
Mas na gestação para outrem só haverá continuidade biológica no caso de o sémen provir do varão (23). Segue-se a gestação, com o fim da entrega do novo ser aos encomendantes.
Desconsideremos todavia esta distinção para nos limitarmos àquilo que se terá paradigmaticamente tido em vista: uma mulher recebe um embrião, normalmente resultante de gâmetas do casal, mas em que o elemento feminino do casal, por abortamento espontâneo, não consegue levar a gravidez a bom termo.
Em todos estes casos, não há nenhuma derivação biológica da gestante. Esta nunca poderia, pelos princípios gerais, ser considerada mãe.
Também por aplicação das técnicas de PMA, que trazem a possibilidade de alguém fornecer simplesmente gâmetas para a procriação que se destina a outrem, o mero dador de gâmetas não tem vínculo de paternidade. Não participa de nenhum projecto de paternidade nem é autor de acto que o responsabilize caso ocorra gravidez. É posição que podemos considerar assente, e é o que estabelece claramente para os dadores a própria Lei n.° 32/06, no art. 10/2 e noutros lugares.
Perante isto, qual a posição da mera gestante para fins de entrega final a outrem?
Se não está na origem biológica nem participa de um projecto de paternidade, não é mãe. Presta o corpo para que se desenvolva o processo que leva ao nascimento. Mas é alheia a essa finalidade.
Com isto chegámos ao seguinte quadro:
— se o óvulo é da gestante, esta é mãe, porque vínculos de família não são disponíveis por negócio jurídico
— se é da beneficiária, esta é mãe
— se é de mercenária, como mera fornecedora de gâmetas, o novo ser não tem mãe (24).
Não vamos desenvolver estes aspectos, pois já o fizemos para o Direito anterior (25). Chegávamos surpreendentemente a hipóteses em que um novo ser pode não ter mãe nenhuma. Nenhuma das três “mães” — a mãe biológica, a mãe gestante, a mãe social — era juridicamente a mãe.
Surge agora o art. 8/3 da Lei n.° 32/06. É compatível com o que defendemos para a hipótese de a gestante participar de um projecto de paternidade; mas para a hipótese comum, que é a de a gestante ser uma mercenária, cria uma solução inadmissível, particularmente para o novo ser.
É inadmissível, mas é lei. Quanto muito se poderá discutir se é possível uma interpretação restritiva, que exclua esta consequência no caso de o óvulo ser da beneficiária, considerando que essa hipótese não teria estado na mente do legislador. Mas o raciocínio é problemático.
O diagnóstico genético pré-implantação (DGPI)
O art. 2 e inclui entre as técnicas de PMA o DGPI—diagnóstico genético pré-implantação.
O art. 7 restringe as situações em que seja possível utilizar o DGPI. A matéria é depois regulada no cap. V, arts. 28 e 29.
O objectivo do DGPI é indicado como sendo a identificação de embriões não portadores de anomalia grave, antes da transferência para o útero da mulher, ou a detecção do sexo, havendo risco elevado de transmissão de doença genética ao sexo ligada (art. 28/1). Está implícito que a finalidade é a rejeição de embriões. Por isso, o destino destes é a utilização para “investigação científica”, se portadores de anomalia genética grave (art. 9/4 c).
As condicionantes que se estabelecem são essencialmente técnicas. Assim, o art. 29/1 determina que se destina “a pessoas provenientes de famílias com alterações que causam morte precoce ou doença grave, quando exista risco elevado de transmissão à sua descendência” (26). Mas parece mera descrição, pois para a violação da regra não está prevista sanção nenhuma. Menos ainda a tem o art. 29/2, ao remeter para as boas práticas correntes e para as recomendações de organismos profissionais.
Nenhuma orientação de fundo ético consta da lei.
Para fazermos uma valoração, há que partir deste princípio: o DGPI é uma mera técnica. Não merece valoração positiva ou negativa por si. Tudo depende do fim para que for utilizado.
Nem sequer se pode afirmar que o DGPI é uma técnica de selecção de embriões, como se diz habitualmente. Pode fazer-se DGPI sobre um único embrião disponível, quando não há portanto nem em abstracto selecção. Pode nesse caso haver interesse em conhecer as características do embrião, independentemente pois de qualquer propósito ou hipótese de rejeição.
No caso de rejeição do embrião, ainda havia uma distinção fundamental a fazer, no ponto de vista ético. A rejeição poderia ser absoluta e relativa.
Seria absoluta quando, por anomalia grave, o embrião não pudesse vir a ser aproveitado para outra transferência.
Seria relativa quando, não o podendo ser naquele caso, o pudesse para pessoa diferente. O exemplo clássico é o de se procurar embrião que seja HLA compatível com irmão doente, a quem pudesse posteriormente fornecer células estaminais. Os embriões que não possam ser em concreto utilizados já o podem ser por casais alheios a essa preocupação.
É claro que a outorga a outro casal originaria uma procriação heteróloga. Mas, como dissemos já, esta representa um mal menor em confronto com a destruição do embrião.
O problema ético só surge praticamente se o DGPI for a antecâmara da rejeição (27), levantando-se então a problemática do destino do embrião, já atrás referida. Mas a lei não se detém a considerá-la.
A questão ética
Vimos, ao longo deste estudo, como à PMA está sempre subjacente a questão ética, particularmente no que respeita ao aspecto crucial do estatuto do embrião perante a perspectiva duma liquidação intencional.
É uma apreciação muito difícil. Temos o choque de valorações contraditórias.
Há o desvalor, consistente em provocar deliberadamente a destruição de uma vida humana nascente.
Por outro lado, há a perda do benefício que daí pode derivar, particularmente nas situações em que, não sendo medicamente viável a implantação, o embrião está de todo o modo condenado a um perecimento que não traz vantagem social.
Em termos de moral utilitária pesa mais o benefício a retirar. Mas aqui a situação é diferente da que encontrámos quando afirmámos a prevalência da procriação heteróloga sobre o mero perecimento do embrião.
Então satisfazia-se a vocação para a vida do embrião, o que aqui não acontece.
E efectivamente o embrião é, com pouca possibilidade de contestação:
—vida
—humana
—nascente
—diferenciada
—não é parte do corpo da mãe
Com efeito, o embrião é vida.
É vida humana—não “coisa humana”, contra o que foi caracterizado em debate televisivo recente.
Nascente, porque por seu desenvolvimento natural conduz ao nascimento.
Diferenciada, porque mesmo in utero não se confunde com a vida da mãe: pode manter a vida mesmo após a morte da mãe (28).
Não é parte do corpo da mãe, porque o corpo humano é unificado pelo genoma e desde o início o embrião tem um genoma que o identifica irreversivelmente. Se há um genoma diferente há necessariamente uma vida humana diferente também.
A realidade biológica impõe a valoração ética.
Por isso, é necessário proceder com as maiores cautelas, porque o sacrifício de embriões é um mal. Mas não foi assim que se legislou.
Por exemplo, em matéria de células estaminais, que a Lei n.° 32/06 prevê implicitamente que sejam retiradas de embriões, todo o esforço na investigação deve ser dirigido a que sejam obtidas a partir de outras origens, que são várias, e não de embriões. Isto é particularmente premente quando estiver em causa o financiamento público da investigação.
É essencial toda a atenção que seja dada às questões éticas. A própria Lei n.° 32/06 contém aliás acenos neste sentido.
O art. 14, referente ao consentimento dos beneficiários, prevê que estes sejam previamente informados por escrito das implicações éticas, sociais e jurídicas da aplicação das técnicas de PMA (n.° 2). Há aqui um esboço de aconselhamento ético (29). Há que apoiar, porque a autonomia é um instrumento para a decisão ética e não para a arbitrariedade.
É a relevância da questão ética que justifica a objecção de consciência. O art. 13/2 permite ao profissional levantá-la, se por razões médicas ou éticas entender não dever participar.
Poderia ser um instrumento muito importante neste sentido o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, que o art. 31/1 prevê que seja constituído por personalidades de especial qualificação no domínio das questões éticas, científicas, sociais e legais da PMA. Mas este será examinado especificamente no número seguinte.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA)
À Lei n.° 32/06 está associada uma orgânica pesada.
As técnicas de PMA só podem ser ministradas em centros públicos ou privados expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde (art. 5/1). É pois matéria que é excluída do âmbito da prática médica geral.
Diploma próprio regulará estes centros (art. 5/2).
Mas sobretudo, há a criação dum Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), previsto nos arts. 30 a 33.
Somos genericamente contrários à multiplicação de órgãos administrativos, munidos de maior ou menor autonomia, que por todo o lado se vai verificando. Este implicaria além disso uma estrutura orgânica considerável.
É constituído por nove membros, cinco escolhidos pela Assembleia da República e quatro pelo Governo (art. 31/2). Lamentamos que seja assim. Emanam todos de entidades políticas (30) e mais, da mesma maioria. Não traduzem a sociedade civil nem entidades independentes, como a Ordem dos Médicos, as Universidades, as Comissões de Ética...
As funções atribuídas são muito vastas (art. 30/2). Por exemplo, “estabelecer as condições em que devem ser autorizados os centros...” (al. b), o que parece condicionar o próprio poder de autorização do Ministro da Saúde; “centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação das técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas” (al. p), de que já falámos e supõe uma forte armadura burocrática; “apreciar... os projectos de investigação que envolvam embriões” (al. g), o que lhe dá domínio sobre a actividade científica; e muitas outras. Duplica as entidades que apreciam projectos de investigação, como acontece com os ensaios clínicos, substituindo Conselhos de Ética e outros órgãos que actualmente têm o encargo de emitir pareceres éticos. Estes poderes são reforçados pelo dever de todas as entidades públicas, sociais e privadas prestarem a colaboração solicitada pelo CNPMA (art. 33).
Particularmente importante é a função de “acompanhar a actividade dos centros [onde são ministradas as técnicas de PMA, bem como os centros onde são preservados gâmetas ou embriões], fiscalizando o cumprimento da presente lei...”.
O CNPMA passa a ser a entidade estratégica em matéria de PMA. A própria ambiguidade da lei conduzirá em vasta medida a que o entendimento desta acabe por ser o que o CNPMA fixar. As suas funções são da maior delicadeza, pelo que se exige uma entidade reconhecidamente isenta, porque há poderosos interesses implicados aos quais não convêm empecilhos éticos.
De facto, como o Conselho tem a função orientadora e fiscalizadora destas práticas, se não tiver um alto grau de isenção cai-se numa situação muito grave, que é a de se confundirem julgadores e julgados (31). Torna-se também essencial regular as situações de conflitos de interesses, quer pessoais quer institucionais, que se possam suscitar.
Cabe ao Conselho, genericamente, pronunciar-se sobre as questões éticas, sociais e legais da PMA (art. 30/1). A composição do Conselho deverá por sua diversidade assegurar o desempenho destas funções fundamentais; nada o permite entender como órgão meramente técnico ou representativo dos actuantes profissionalmente no sector. Se por hipótese, este Conselho vier a ter como membros pessoas com interesses directos na prática de PMA, em serviços públicos ou privados, ou se não tiver membros com reconhecida formação em Ética Médica, não corresponderá ao órgão supervisor que a lei pressupõe, como garante da integridade ética da PMA.
Para isso, como se acentuou na mensagem do Presidente da República à Assembleia da República(32), importa “garantir a independência, multidisciplinaridade e pluralismo dos seus membros, a transparência dos seus procedimentos, e a existência de condições para um desempenho adequado das competências que lhe estão distribuídas”.
Apreciação geral
Os pontos focados permitem uma apreciação global deste diploma.
É, sem dúvida, um diploma ambicioso. Pretende regular numerosas matérias. Vai mesmo além da PMA, não obstante a sua epígrafe, para cobrir aspectos de prática clínica que podem estar conexos mas que não são de PMA – como por exemplo, a constituição de bancos de células estaminais. Mas como nunca se regula tudo, já está em discussão nova lei, justamente sobre a “investigação” em células estaminais (33).
A Lei n.° 32/06 apresenta numerosas deficiências jurídicas. Preferimos passá-las em silêncio, para focarmos outros aspectos substanciais. Não deixaremos todavia de observar que aquelas deficiências criarão grandes dificuldades de aplicação.
Sendo a questão ética fundamental, é todavia escasso o relevo que lhe é dado no diploma. E mesmo a criação de um Conselho especializado terá o significado que a sua composição e a sua prática revelarem, como acabamos de ver.
O mais importante, porém, está a nosso ver em deixarem-se na obscuridade pontos essenciais.
—Podem criar-se livremente embriões por clonagem?
—O que se diz sobre a investigação científica é para ser estendido à prática clínica, sobre a qual se silencia?
—Podem aniquilar-se embriões para extrair células estaminais?
– Qual a origem dos gâmetas ou embriões que são preservados para serem utilizados em PMA heteróloga?
Quaisquer que sejam as respostas a estas e outras questões fundamentais, é reprovável que de uma lei geral sobre esta matéria não conste transparentemente a solução.
Poderá pretender-se que se quis deixar a resposta à prática. Mas é má justificação, porque da lei se espera um critério, em vez do lançamento de uma cortina de névoa sobre pontos vitais. Mesmo com toda a tolerância, há que reconhecer que se ficou apenas pela metade no esclarecimento da matéria.
Por outro lado, unindo as pontas, a lei vai muito longe na permissividade. O que levanta uma suspeita.
O texto aparenta moderação, mas o que resulta da interpretação é que deixa o pulso livre às clínicas do sector. Estas não vivem da ética, mas do apelo do mercado. Podem agora invocar o apoio da lei para o que interessar à prática clínica. E no que for ambíguo, podem eventualmente obtê-lo pela interpretação do CNPMA, com o papel fulcral que a este é atribuído.
Ainda: a lei reveste-se de um irrealismo que somos levados a supor que é intencional.
Entidades com fins lucrativos dispõem de material genético que não pode ser comprado? Só pode ser “doado”, sem qualquer remuneração? E não obstante, têm embriões disponíveis? Obtêm óvulos, não obstante o sacrifício desproporcionado que a estimulação ovárica impõe à mulher? E nenhum valor pode também ser atribuído ao material genético?
É tudo fruto de gestos abnegados em benefício de clínicas com fins lucrativos?
Quem contou este conto de fadas?
Ou não representará antes um manto diáfano sobre a nudez forte dos interesses?
Notas:
(1) Disponível em http://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=1172.
(2) Ou a “maternidade de substituição” (art. 8), que pode nada ter que ver com a PMA.
(3) Entre vários outros, o diploma regula o diagnóstico genético pré-implantação (arts. 28 e 29) e prevê a constituição de bancos de células estaminais (arts. 9/2 e 30/2 e), que não eram mencionados no Parecer do CNECV. No último caso trata-se de matéria de todo alheia à PMA.
(4) Acresce a dificuldade inerente à concretização da cláusula geral doença grave. Cria a dúvida se com o “tratamento de doença grave” não se quererá sugerir a criação de embriões para deles retirar células estaminais que, essas, possam ser usadas para tratar doenças graves.
(5) Cfr. o art. 13/2, ao estabelecer que os beneficiários devem informar dos resultados do processo.
(5) Mais precisamente, a janela aberta.
(7) No sentido de deixar as mãos livres para qualquer prática.
(8) Isso é confirmado pelo art. 14/4, ao estabelecer que o consentimento dos beneficiários é “livremente revogável por qualquer deles”.
(9) Estranha fórmula!
(10) A permissão não é expressamente proclamada, mas resulta de vários preceitos. Assim, o art. 30/2 b prevê os “centros onde sejam preservados gâmetas ou embriões”. Só é compreensível para efeitos de procriação heteróloga, porque na homóloga não tem sentido a criação de bancos. Qual o regime então para os embriões preservados nesses bancos? O que se passa quando atingirem o limite de três anos (art. 25)?
(11) Por outro lado, a letra podia permitir a distinção entre o varão ter consentido na inseminação artificial apenas ou consentir no vínculo de paternidade. Agora, este art. 20/1 dá pouco espaço a semelhante interpretação, ao mandar ter o novo ser como filho do marido ou companheiro se estes deram o seu consentimento à inseminação. O processo é depois concretizado nos n.os 2 a 5 do art. 20 Note-se porém que o art. 20/5 fala numa “presunção de paternidade” referindo-se aos n.os 1 e 2. Essa presunção poderia ser impugnada provando-se que não houve consentimento ou que o filho não nasceu da inseminação para que o consentimento foi prestado.
(12) “decorrido que seja o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão”, acrescenta se, em disposição pouco clara. A motivação será evitar decisões emocionais.
(13) Pode ter resultado também da utilização da técnica de criopreservação de “pré-embriões”: cfr. sobre esta infra, n.° 6.
(14) In “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Pedro Soares Martinez”, vol. I, Almedina, 2000, 645-676. Cfr. também Jorge Duarte Pinheiro, Procriação medicamente assistida, in “Estudos em Memória do Prof. Doutor António Marques dos Santos”, I, Almedina, 2005, 753.
(15) Mas a filiação pode ser impugnada pelo varão, ocorrendo as situações previstas no art. 20/5.
(16) Surgiram também processos técnicos de impedir o conhecimento do dador. Assim, chega a proceder-se à mistura de vários sémens, para impossibilitar (relativamente) a determinação do antecessor biológico!
(17) E até para a destinação a “investigação científica”?
(18) Supra, n.° 2.
(19) Que, como dissemos, volta a ser referida no art. 30/2 e, como sujeita a parecer do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
(20) A admitir que neste caso se deva falar ainda em procriação heteróloga.
(21) Parecer n.° 53/CNECV/07, de Julho de 2007.
(22) Cit. supra, n.° 3.
(23) Ou, mais genericamente, se se basear em gâmeta de um dos membros do casal.
(24) Se é de terceira mulher que participa do projecto de paternidade, esta é mãe. Esta quarta hipótese, cuja complexidade leva a que não a consideremos aqui em particular, cria obviamente problemas muito graves para a família e para o novo ser. Mas esses são inevitáveis, pois derivam do carácter antinatural do processo utilizado.
(25) Cfr. o nosso Procriação Assistida e Direito cit.
(26) O texto não abrangeria sequer “a necessidade de obter grupo HLA compatível para efeitos de tratamento de doença grave”, contemplada no art. 7/3, ou a de aumentar as probabilidades de êxito do processo de PMA.
(27) No Parecer do CNECV sobre o DGPI, n.° 10, aponta-se como argumento contrário ao DGPI “o facto de ser falacioso dizer que o DGPI é um recurso “terapêutico” — na sequência da identificação de um embrião como portador de uma mutação genética considerada grave, não é o seu tratamento, mas a sua destruição que está em causa”. Veja-se ainda a nossa Declaração anexa a esse Parecer.
(28) Pode praticar-se a manutenção artificial de funções orgânicas da mãe, medicamente morta, para permitir o desenvolvimento do feto até um momento em que possa já nascer e sobreviver.
(29) Em confronto chocante com a posição tomada recentemente na lei sobre o aborto, em que toda a informação foi considerada relevante, salvo justamente a ética.
(30) No sentido que não reflectem o pluralismo social.
(31) E a situação poderia perpetuar se, porque cada membro do Conselho pode cumprir um ou mais mandatos (art. 31/5).
(32) Referida supra, n.° 1.
(33) No ponto de vista financeiro, a magnitude do sistema deixa-nos perplexos. Com que dinheiro será posto a funcionar, quando não há recursos sequer para fazer transplantes, por exemplo?