Apoio Judiciário: Uma proposta simples

 

 

Apoio Judiciário
Uma proposta simples e imediatamente exequível

Sumário:

a) A consulta jurídica e o patrocínio oficioso devem ser gratuitos, suportados pelo Advogado, designado por ordem alfabética;
b) O Advogado só pode receber dinheiro do seu Constituinte, não podendo, assim, recebê-lo do Estado;
c) Antes de mais, devem ser criadas, imediatamente, listas de voluntários para consulta jurídica e patrocínio gratuitos, com auto-limitação do número de consulente e de processos novos anualmente atribuídos;
d) Só os casos que fiquem fora das disponibilidades das listas de voluntários devem ser objecto de hetero-nomeação.

Breve comunicação:

Em tese, o sistema que antes vigorava de apoio judiciário, em que, na prática, o Advogado nada ganhava, era mais justo e transparente, permitindo uma melhor defesa do cidadão carenciado e um normal desenvolvimento da advocacia enquanto profissão livre.

Porque se o Advogado nada ganhava no momento, ganhava em fama (e depois em proveito), quando se dedicava a causa gratuita com o mesmo empenho que punha nas demais tarefas remuneradas; as pessoas não esquecem quem as trata bem (salvas excepções, que confirmam a regra) e não são pobres para sempre (procurando mais tarde o Advogado quando necessário, então lhe pagando).

A pretexto que ninguém trabalha gratuitamente, o que é objectivamente falso, pôs-se de pé um sistema, tabelado, em que o Advogado ganha o que... o Juiz manda! E, este manda, de acordo com que o legislador... manda!; mal fica o Advogado, que é quem sabe o que vale o seu trabalho, pior fica o Juiz, espartilhado pela tabela, nuns casos, violentado pela mesma, noutros.

Depois o número de Advogados foi crescendo, crescendo, crescendo... as nomeações oficiosas passaram a ser disputadas, porque a tal tabela se afigurava como tábua única de salvação para tantos e tantos Advogados em risco de sobrevivência. Criou-se, assim, uma verdadeira subsídio dependência, aviltante e tantas vezes desprestigiante para os Advogados. Pergunta-se: mas os pobres passaram a ser melhor defendidos? Penso que não, na falta de dados seguros.

Então o que fazer? Criar uma nova classe de defensores públicos? Atribuir subsídios ou avenças ou o que for, a uma nova classe de Advogados? Ou refazer o sistema antigo, de início e experimentalmente com base no voluntariado dos Advogados, mantendo-se o sistema actual de forma residual, subsidiária?

É que, não existam dúvidas, está-se a criar um embrião de um novo sistema nacional de saúde, que o Estado vai ser incapaz de manter, ao mesmo tempo que se destrói a Advocacia livre e independente (já tivemos passeatas de Advogados de toga pelo meio da rua; greves ou ameaças de!... Quando acordarmos, teremos as pessoas mal servidas, os Advogados proletarizados e o Estado sem dinheiro...

Porque será que o Estado, diz-se, porque o subscritor não sabe em concreto, uma vez que prescinde dos honorários nas escassas defesas oficiosas que assegura, pagou, agora, em véspera do Congresso, € 7.000.000 que devia? O Estado a dever aos Advogados? Estes a reivindicarem pagamentos? A Ordem a falar de patrocinar acções contra o Estado?

Penso que ainda não é tarde para se evitar o princípio do fim da nossa profissão, entendida com a mais livre de entre as livres, devendo, imediatamente:

- Proceder-se à elaboração, a nível de comarca, de uma lista de Advogados que se prestem a, gratuitamente, nos seus escritórios, dar consulta jurídica aos beneficários de apoio judiciário;
- Proceder-se à elaboração, a nível de comarca, de uma lista de Advogados que se prestem a, gratuitamente, patrocinar até 10 processos novos todos os anos aos mesmos beneficários;
- Fazer-se a divulgação das listas pelos sítios de estilo, (tribunais, delegações, locais de consulta gratuita, etc.) para assegurar, ao máximo, a liberdade de escolha do cidadão.

São passos concretos e muito facilmente concretizáveis que permitirão, se dados, sem qualquer inconveniente:

- Mostrar à comunidade nacional que os Advogados são um conjunto de profissionais sólido, unido e solidário com o próximo, particularmente com os mais carenciados, como sempre, ao longo de séculos, aconteceu;
- Regressar-se à pureza do exercício da advocacia, em que se pedem honorários (dívida de honra) e não se cobra preço, que é profissão e não comércio, que assenta, antes de tudo, em princípios éticos e de solidariedade social incompatíveis com expressões do género “quem trabalha ganha”, “trabalhar para aquecer nem pensar”, que muitas vezes se ouvem pelos corredores dos nossos tribunais;
- Acabar com a tendência para ser criada mais uma “subsídio-dependência” em que os Advogados estão a deixar-se cair, quando é certo que a consulta jurídica a quem não pode pagar sempre foi assegurada pelos Advogados por todo o país, no recato e discrição dos seus escritórios, sem alardes nem famas preversas;
- Assegurar que os esquemas montados de apoio judiciário não sirvam para angariação de clientela, mesmo que de forma inconsciente, pois a liberdade de escolha do cidadão – também do mais pobre – deve ser defendida tanto quanto for possível;
- Acabar com as falsas expectativas que vêm sendo criadas aos mais jovens Advogados, que versam, ao fim e ao cabo, sobre a criação de um conjunto de “empregos”, para já para-públicos mas certamente cada vez mais públicos, propiciadores da ilusão de rendimento certo à custa do Estado, no âmago da mais liberal das profissões liberais, da mais independente das profissões independentes;
- Acabar com ilusão estatal do controlo da advocacia - que a não ser rapidamente aplacada matará o Estado de Direito - por permitir que os Advogados e a sua Ordem gritem bem alto a sua completa independência, antes de mais financeira;
- Assegurar que as verbas do I. A. D. ou congénere cheguem e sobrem para os fins a que se destinam, o que, além do mais, criará um magnífico precedente da afirmação autêntica da sociedade civil face ao Estado, dado pelos Advogados no seu conjunto.

É que, claramente, quem financiava o sistema antigo era o Advogado, com o seu saber e empenho, mas também os Constituintes deste, os quais, pagando honorários e despesas, suportam os escritórios; e o Estado, isentando os mais pobres de pagar impostos ao recorrerem a Juízo.

Nos novos esquemas actuais e nos pensados de financiamento público quem paga é o Estado, quem recebe é o Advogado; será que o Estado vai pagar sem impor regras? Será que o Advogado vai estar face ao Estado, que lhe paga, com a mesma independência e firmeza com que hoje se pode apresentar, por dele não depender?

A outro nível: as verbas públicas de financimento não vão chegar (as verbas públicas nunca chegam para coisa nenhuma, como se sabe das finanças públicas); Quando acabarem? Acumulará o Estado dívida, como acontece com as farmácias? Vão suceder-se acções de “honorários” contra o I. A. D.? Ou contra o Estado? Ou contra ambos? Será caso de litisconsórcio? Se sim, necessário ou voluntário?

A Ordem, que até uma Caixa de Previdência independente tem, vai cair no logro? Mesmo que seja para evitar o “defensor público”?

Porque não pensar-se num esquema simples, em as pessoas que se apresentem em Juízo com patrono voluntário gratuito fiquem automaticamente dispensadas de pagar custas e antecipar taxas de justiça?

Porque não dar a hipótese, aos próprios Advogados de, voluntariamente, tomarem em mãos este encargo, que propiciará, além do mais, hipóteses de formação sem conta (v. g., basta pensar que o patrono de estágio poderia ficar com a possibilidade de “substabelecer” no estagiário, com responsabilidade solidária na condução da causa, com a possibilidade do patrocinado pedir a intervenção do patrono, etc., etc.).

Claro que pode falhar, como tudo o que é humano: basta que os Advogados não adiram; mas, então, caberá ao Estado, se assim entender, impor como dever ao Advogado o patrocínio oficioso, gratuito, obrigatório e por ordem alfabética (só é Advogado quem quer) aos seus mais pobres concidadãos (pois é só destes que se trata).

Mas penso que a elaboração das listas supra sugeridas não falhará, pois numa assembleia de comarca dos Advogados de Setúbal, muitos foram os Colegas que desde logo aceitaram fazer parte das mesmas; porque não avançar-se aqui experimentalmente?

Mais: o que proponho só não se faz se os Advogados não quiserem, o que é raro. Em Portugal está sempre tudo dependente de alguma coisa, que por seu turno depende de outra coisa e assim sucessivamente.

Assim exista vontade.

Sugiro, pois, aos competentes orgãos da nossa Ordem e a todos os Colegas, que passemos das palavras aos actos e que, em consequência, até 31 de Dezembro de 2005, se organizem a nível de comarca as listas de voluntários para consulta jurídica e para patrocínio oficioso.

Para a comarca de Setúbal, têm-me desde já como voluntário.

Setúbal, 28 de Outubro de 2005

Luís Fuzeta da Ponte
Advogado C. P. n.º 622 - E

 

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