O Código de Processo de Trabalho
Tema: A Reforma das Regras Processuais.
Sub-Tema: O Código de Processo de Trabalho.
Tema do Sub-Tema: O Efeito Suspensivo no Recurso de Agravo da Decisão Final no Procedimento da Suspensão de Despedimento Individual (Artigo 40º do C.P.T.)
O Decreto-Lei nº 480/99 de 09/11 que aprovou o Código de Processo do Trabalho, regula na sua Subsecção I da Secção II relativa aos procedimentos cautelares especificados, o procedimento da suspensão de despedimento individual.
No seu artigo 40º, o CPT regula as regras a que deve obedecer a interposição e os efeitos de um recurso da decisão final no procedimento cautelar do pedido de suspensão de despedimento individual.
Analisando apenas o texto do referido artº 40º veremos que ele – sob a epigrafe “Recurso” – nos diz o seguinte:
1. Da decisão final cabe sempre agravo para a Relação.
2. O recurso tem efeito meramente devolutivo, mas ao recurso da decisão que decretar a providência é atribuído efeito suspensivo se, no acto de interposição, o recorrente depositar no tribunal a quantia correspondente a seis meses do vencimento do recorrido.
3. Enquanto subsistir a situação de desemprego pode o trabalhador requerer ao tribunal, por força do depósito, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito.
O texto (concorde-se ou não com a filosofia que lhe está inerente), é suficientemente claro para não deixar grandes dúvidas sobre o modo e os efeitos dos recursos neste caso muito especial das regras processuais laborais.
Assim, resulta claro que uma empresa que tenha procedido ao despedimento de um qualquer seu trabalhador e que veja este recorrer aos tribunais para obter decisão cautelar que suspenda esse despedimento, se obtiver decisão negativa aos seus interesses e dela quiser recorrer, só pode obter efeito suspensivo ao seu recurso no caso de efectuar depósito de verba que corresponda a seis meses do vencimento que o trabalhador auferia antes de ser despedido.
Por economia de raciocínio e de enquadramento da questão, não iremos sequer aqui referir a iniquidade que representa a produção de prova e a defesa nos casos em que o despedimento tenha sido antecedido de procedimento disciplinar (artºs 34º e 35º do CPT), matéria que, só por si, justificaria outra comunicação destas.
Iremos, isso sim, limitar-nos a pensar um pouco sobre o que na prática se verifica com o depósito desta verba/caução correspondente aos seis meses de retribuição e o que – na nossa opinião – deveria ser alterado.
Na prática, o que acontece nestes casos, é que a entidade patronal, na maioria das vezes, afasta o trabalhador porque não reconhece existirem condições para que ele se mantenha ao serviço, porque entende que a relação contratual entre ambos foi “ferida de morte” por factos que elencou, analisou e ponderou aquando da tomada de deliberação final no processo disciplinar.
Estando convencida da justeza da deliberação de afastar o trabalhador dos seus quadros, lógico será que a entidade patronal, ao ver a sua decisão posta em causa pelo tribunal que decide a suspensão do despedimento, tenha imediatamente dois desejos perfeitamente legítimos:
1º. Obter uma segunda opinião, desta feita uma opinião emitida por um colectivo de juízes e não apenas pelo juiz singular. Pretende ver o assunto analisado e deliberado em Acórdão pelo Tribunal da Relação competente.
2º Deseja que, enquanto essa deliberação (no caso concreto é final pois não há possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça), o trabalhador permaneça afastado da empresa, até porque, se a Relação vier a dar razão ao seu recurso, a entidade patronal terá dificuldade em justificar perante os outros trabalhadores o “entra e sai” do ex colega.
Ora, a já alguma experiência profissional nestas matérias que vou tendo, ensina-me que, só excepcionalmente, é que a entidade patronal renuncia ao recurso com efeito suspensivo. Quase sempre, só mesmo não podendo é que elas não se dispõem a efectuar o depósito legalmente exigido para o efeito.
Note-se que nos parece justificável a solução encontrada para fixar o valor previsto desse depósito/caução (seis meses de vencimento do ex trabalhador), até tendo em conta que esse é, normalmente, o tempo médio de obtenção pelos Tribunais de Relação dos Acórdãos finais.
Contudo, não se nos afigura justo que se parta do pressuposto de que – por regra – o recurso tem razões dilatórias, pelo que a recorrente carece de ilidir essa sua suposta intenção através da efectivação de um depósito/caução (isto, mesmo não perdendo de vista, que a via do depósito visa evitar a interposição de recursos suspensivos como forma de se pretender obter um mero efeito dilatório).
É, salvo o devido respeito, nivelar por baixo. É partir da regra de que à partida todos somos pouco honestos e que caberá a cada um de nós provar que não o é de facto. E essa, salvo o devido respeito, não deveria ser a postura do legislador.
Até porque é a omissão desse mesmo legislador que cria a iniquidade resultante de, no caso de a recorrente obter provimento no seu recurso e, consequentemente, vir a ser reconhecido pela Relação que o despedimento não deve ser suspenso, se ver impossibilitada de ser reembolsada do dinheiro que depositou à ordem do tribunal.
De facto, nos termos do nº 2 do artigo do CPT que justifica esta análise (40º), pode o trabalhador requerer ao tribunal que o depósito seja usado para lhe pagar a retribuição mensal.
Ora, se o recurso interposto pela entidade patronal tem (por força do depósito/caução) efeitos suspensivos, a decisão de suspender o despedimento não deveria poder produzir quaisquer efeitos, nomeadamente o tribunal pagar ao trabalhador o que quer que fosse a título de retribuição, ainda por cima usando o dinheiro da recorrente.
Se o trabalhador foi despedido (e, por força do efeito suspensivo do recurso essa é a situação que subsiste), não trabalha, logo não tem direito à retribuição.
Se, e quando, no âmbito do processo principal, se chegar à conclusão de que o trabalhador tem razão e foi “mal despedido”, então sim deverá receber tudo o que a lei prescreve, operando-se então a compensação entre o devido e o já pago. No entanto, isso será se, e quando.
Mas, e se a situação for a inversa? I. é., se a entidade patronal obtiver vencimento no processo principal ?
O que da actual conjuntura legislativa processual laboral se depreende para estes casos é que, mesmo que venha a ser dada razão à entidade patronal, esta ficará impedida de ser reembolsada do valor entregue, antes da decisão final no processo principal.
Ora, atendendo ao número de processos que correm nos nossos tribunais de trabalho, esse dia (o da decisão final no processo principal) pode ser muito, muito longínquo, estando o dinheiro fora do giro comercial normal da empresa durante anos e sem que esta obtenha qualquer retribuição por tal desembolso
Isto para já não falar de que, com a solução legal vigente, a entidade patronal corre sérios riscos de ficar para sempre desembolsada do valor depositado e que teve que retirar do seu giro comercial normal. Bastando para isso que o trabalhador, por qualquer razão, não possa proceder à sua devolução.
Independentemente das questões processuais acima referidas teremos que o dinheiro que a empresa teve que depositar e que “tarde ou nunca” vai reaver, poderia ser o dinheiro necessário e suficiente para que a empresa pudesse pagar meio ano de salários a alguém que assumisse a vaga aberta com o despedimento em causa.
Seria uma forma de melhorar a produtividade dessa empresa e de contribuir para a diminuição do desemprego deste País.
A solução vigente não ajuda nada nenhuma destas hipóteses, criando sim uma situação incompreensível para o normal dos empregadores e ajudando a criar a má imagem que as nossas leis laborais transmitem a quem pondera investir em Portugal.
Nestes termos, defende-se que seja encontrada solução legislativa processual laboral que preveja e evite esta situação iníqua e claramente limitadora do livre e exercício dos direitos processuais de uma das partes.
Solução essa que, no caso de decisão favorável no recurso, deveria passar pela previsão de um regime legal que possibilitasse o reembolso da empresa, a curto prazo, do valor depositado para obter efeito suspensivo no recurso interposto.
Assim e em conclusão:
1. O disposto no nº 2 do artº 40º do CPT – ao regulamentar o exercício do direito ao recurso por parte da entidade patronal – parece partir da regra de que à partida todas são pouco honestos e que caberá a cada um de nós provar que não o é de facto. E essa, salvo o devido respeito, não deveria ser a postura do legislador.
2. Até porque é a omissão desse mesmo legislador que cria a iniquidade resultante de, no caso de a recorrente obter provimento no seu recurso e, consequentemente, vir a ser reconhecido pela Relação que o despedimento não deve ser suspenso, se ver impossibilitada de ser reembolsada do dinheiro que depositou à ordem do tribunal antes da decisão final no processo principal.
3. Atendendo ao número de processos que correm nos nossos tribunais de trabalho, o dinheiro depositado pela recorrente estará fora do giro comercial normal desta durante anos, e sem que esta obtenha qualquer retribuição por tal desembolso.
4. E esse dinheiro poderia ser o necessário e suficiente para que a empresa pudesse pagar meio ano de salários a alguém que assumisse a vaga aberta com o despedimento em causa, o que seria uma forma de melhorar a produtividade dessa empresa e de contribuir para a diminuição do desemprego do País.
5. Deverá ser encontrada solução legislativa que, no caso de ser dada decisão favorável ao recurso, preveja o reembolso por parte da empresa, a curto prazo, do valor depositado para obter efeito suspensivo no recurso interposto.
Lisboa, 27/10/2005
José Filipe Nogueira