SUMÁRIO
▼ Diretiva (UE) 2024/1069, de 11-04-2024 # Diretiva anti-SLAPP
Jornal Oficial da União Europeia
Diretiva anti-SLAPP
Ações judiciais estratégicas contra a participação pública
Diretiva (UE) 2024/1069 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de abril de 2024, relativa à proteção das pessoas envolvidas na participação pública contra pedidos manifestamente infundados ou processos judiciais abusivos («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») [PE/88/2023/REV/1]. JO L, 2024/1069, 16.4.2024, p. 1-14.
Considerandos (1) a (55),
ADOTARAM A PRESENTE DIRETIVA:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
A presente diretiva prevê garantias contra pedidos manifestamente infundados ou processos judiciais abusivos em matéria civil com incidência transfronteiriça intentados contra pessoas singulares e coletivas devido ao seu envolvimento na participação pública.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
A presente diretiva aplica-se às matérias de natureza civil ou comercial com incidência transfronteiriça em ações cíveis, incluindo procedimentos para medidas provisórias e cautelares e pedidos reconvencionais, independentemente da natureza do órgão jurisdicional. Não abrange, em especial, matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões ocorridos no exercício da autoridade do Estado (acta iure imperii). A presente diretiva não se aplica às matérias penais nem à arbitragem e aplica-se sem prejuízo do direito processual penal.
Artigo 3.º
Requisitos mínimos
1. Os Estados-Membros podem introduzir ou manter disposições mais favoráveis para proteger as pessoas envolvidas na participação pública contra processos judiciais abusivos contra a participação pública ou pedidos manifestamente infundados em matéria civil, incluindo disposições nacionais que estabeleçam garantias processuais mais eficazes relativas ao direito à liberdade de expressão e de informação.
2. A aplicação da presente diretiva não constitui, em caso algum, motivo para uma diminuição do nível de garantias já concedido pelos Estados-Membros nos domínios abrangidos pela presente diretiva.
Artigo 4.º
Definições
Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:
1) «participação pública», a produção de qualquer declaração ou a realização de qualquer atividade por uma pessoa singular ou coletiva no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação, à liberdade das artes e das ciências ou à liberdade de reunião e de associação, bem como qualquer ação preparatória, de apoio ou de assistência diretamente ligada às mesmas, e que digam respeito a uma questão de interesse público;
2) «questão de interesse público», qualquer questão que afete o público de tal forma que este possa legitimamente interessar-se por ela, em domínios como:
a) Os direitos fundamentais, a saúde pública, a segurança, o ambiente ou o clima;
b) Atividades de uma pessoa singular ou coletiva que é uma figura pública no setor privado ou público;
c) Questões sujeitas a apreciação por um órgão legislativo, executivo ou judicial, ou quaisquer outros processos oficiais;
d) Alegações de corrupção, de fraude, ou de quaisquer outras infrações penais ou de infrações administrativas relacionadas com essas matérias;
e) Atividades destinadas a proteger os valores consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia, incluindo a proteção dos processos democráticos contra ingerências indevidas, em especial combatendo a desinformação;
3) «processos judiciais abusivos contra a participação pública», processos judiciais que não sejam intentados para fazer valer ou exercer efetivamente um direito, mas que tenham como principal objetivo impedir, restringir ou penalizar a participação pública, explorando frequentemente um desequilíbrio de poder entre as partes, e que visem pedidos infundados. Possíveis indícios desse objetivo incluem, por exemplo:
a) O caráter desproporcional, excessivo ou irrazoável do pedido ou de parte do mesmo, incluindo o valor excessivo do litígio;
b) A existência de múltiplos processos instaurados pelo demandante ou partes associadas relativamente a questões semelhantes;
c) A intimidação, o assédio ou ameaças por parte do demandante ou dos seus representantes, antes ou durante o processo, bem como qualquer conduta semelhante do demandante em casos semelhantes ou concorrentes;
d) A utilização de má-fé de táticas processuais, como manobras dilatórias, a procura fraudulenta ou abusiva do foro mais favorável ou a desistência de má-fé dos processos numa fase adiantada dos mesmos.
Artigo 5.º
Questões com incidência transfronteiriça
1. Para feitos da presente diretiva, considera-se que uma questão tem incidência transfronteiriça, a menos que ambas as partes estejam domiciliadas no mesmo Estado-Membro que o tribunal em que foi intentada a ação e todos os outros elementos pertinentes para a situação em causa estejam localizados unicamente nesse Estado-Membro.
2. O domicílio é determinado nos termos do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
CAPÍTULO II
Regras comuns em matéria de garantias processuais
Artigo 6.º
Pedidos de garantias processuais
1. Os Estados-Membros garantem que, caso sejam intentados processos judiciais contra pessoas singulares ou coletivas devido ao seu envolvimento na participação pública, essas pessoas podem pedir, em conformidade com o direito nacional:
a) Uma caução, conforme previsto no artigo 10.º;
b) O indeferimento liminar de pedidos manifestamente infundados, conforme previsto no capítulo III;
c) Medidas corretivas contra processos judiciais abusivos contra a participação pública, conforme previsto no capítulo IV.
2. Os Estados-Membros podem prever que as medidas em matéria de garantias processuais previstas nos capítulos III e IV possam ser tomadas oficiosamente pelo órgão jurisdicional ao qual foi submetida a questão.
Artigo 7.º
Tratamento acelerado dos pedidos de garantias processuais
1. Os Estados-Membros garantem que os pedidos feitos nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) e b), sejam tratados com celeridade, em conformidade com o direito nacional, tendo em conta as circunstâncias do processo e o direito a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial.
2. Os Estados-Membros garantem que os pedidos feitos nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea c), possam também ser tratados com celeridade, sempre que possível, em conformidade com o direito nacional, tendo em conta as circunstâncias do processo e o direito a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial.
Artigo 8.º
Alteração subsequente do pedido ou dos articulados
Os Estados-Membros garantem que, em processos judiciais intentados contra pessoas singulares ou coletivas devido ao seu envolvimento na participação pública, quaisquer alterações subsequentes dos pedidos ou dos articulados feitas pelo demandante, incluindo a desistência dos pedidos, não afetem a possibilidade de o demandado pedir as medidas corretivas previstas no capítulo IV, em conformidade com o direito nacional.
O primeiro parágrafo não prejudica o disposto no artigo 6.º, n.º 2.
Artigo 9.º
Apoio ao demandado em processos judiciais
Os Estados-Membros asseguram que um órgão jurisdicional no qual tenha sido instaurado um processo judicial contra pessoas singulares ou coletivas devido ao seu envolvimento na participação pública possa aceitar que associações, organizações, sindicatos e outras entidades que, de acordo com os critérios estabelecidos no respetivo direito nacional, tenham um interesse legítimo em salvaguardar ou promover os direitos das pessoas envolvidas na participação pública, possam apoiar o demandado, com a sua aprovação, ou prestar informações no âmbito desses processos em conformidade com o direito nacional.
Artigo 10.º
Caução
Os Estados-Membros garantem que, nos processos judiciais intentados contra pessoas singulares ou coletivas devido ao seu envolvimento na participação pública, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se possa exigir, sem prejuízo do direito de acesso à justiça, que o demandante preste uma caução para as custas estimadas do processo, que pode incluir as despesas da representação legal incorridas pelo demandado e, se previsto no direito nacional, uma indemnização.
CAPÍTULO III
Indeferimento liminar de pedidos manifestamente infundadas
Artigo 11.º
Indeferimento liminar
Os Estados-Membros asseguram que os órgãos jurisdicionais possam, após uma análise adequada, indeferir pedidos contra a participação pública por serem manifestamente infundados, na fase mais precoce possível do processo, em conformidade com o direito nacional.
Artigo 12.º
Ónus da prova e fundamentação dos pedidos
1. O ónus da prova de que o pedido é fundamentado incumbe ao demandante que intenta a ação.
2. Os Estados-Membros garantem que, se um demandado tiver pedido o indeferimento liminar, caiba ao demandante fundamentar o pedido, de modo a permitir que o tribunal avalie se o mesmo não é manifestamente infundado.
Artigo 13.º
Recurso
Os Estados-Membros garantem que as decisões que dão acolhimento favorável a um pedido de indeferimento liminar, nos termos do artigo 11.º, sejam passíveis de recurso.
CAPÍTULO IV
Medidas corretivas contra processos judiciais abusivos contra a participação pública
Artigo 14.º
Condenação em custas
1. Os Estados-Membros garantem que um demandante que tenha intentado um processo judicial abusivo contra a participação pública possa ser obrigado a suportar todos os tipos de custas do processo relativamente às quais o direito nacional preveja a possibilidade de condenação, incluindo as despesas de representação legal incorridas pelo demandado a não ser que essas despesas sejam excessivas.
2. Caso o direito nacional não garanta a condenação na totalidade das despesas de representação legal que excedam o previsto nas tabelas legais de honorários, os Estados-Membros asseguram que tais despesas, a menos que sejam excessivas, sejam cobertas na totalidade por outros meios previstos no direito nacional.
Artigo 15.º
Sanções ou outras medidas adequadas igualmente eficazes
Os Estados-Membros asseguram que os órgãos jurisdicionais chamados a pronunciar-se sobre processos judiciais abusivos contra a participação pública possam impor sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas ou outras medidas adequadas igualmente eficazes, incluindo o pagamento de uma indemnização por danos ou a publicação da decisão judicial, quando previsto no direito nacional, à parte que intentou o processo.
CAPÍTULO V
Proteção contra decisões judiciais de países terceiros
Artigo 16.º
Motivos de recusa do reconhecimento e da execução de uma decisão judicial de um país terceiro
Os Estados-Membros garantem que o reconhecimento e a execução de uma decisão judicial de um país terceiro em processos judiciais contra a participação pública de pessoas singulares ou coletivas com domicílio num Estado-Membro sejam recusados caso esses processos sejam considerados manifestamente infundados ou abusivos de acordo com o direito do Estado-Membro em que esse reconhecimento ou execução são requeridos.
Artigo 17.º
Jurisdição para ações relacionadas com processos de países terceiros
1. Os Estados-Membros garantem que, caso tenham sido intentados processos judiciais abusivos contra a participação pública por um demandante com domicílio fora da União num órgão jurisdicional de um país terceiro contra uma pessoa singular ou coletiva com domicílio num Estado-Membro, essa pessoa possa solicitar, nos órgãos jurisdicionais do lugar em que tem o seu domicílio, uma indemnização pelos danos e custos relacionados com o processo intentado junto do órgão jurisdicional do país terceiro.
2. Os Estados-Membros podem limitar o exercício da jurisdição nos termos do n.º 1 enquanto o processo estiver pendente no país terceiro.
CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 18.º
Relações com convenções e acordos bilaterais e multilaterais
A presente diretiva não prejudica a aplicação de convenções e acordos bilaterais e multilaterais celebrados entre um Estado terceiro e a União ou um Estado-Membro antes de 6 de maio de 2024.
Artigo 19.º
Informação e transparência
1. Os Estados-Membros asseguram que as pessoas singulares ou coletivas envolvidas na participação pública a que se refere o artigo 6.º tenham acesso, se for caso disso, a informação sobre as garantias processuais e as medidas corretivas disponíveis e as medidas de apoio existentes, tais como apoio judiciário e apoio financeiro e psicológico, se disponíveis.
A informação a que se refere o primeiro parágrafo inclui toda a informação disponível sobre campanhas de sensibilização, se for caso disso em cooperação com as organizações da sociedade civil pertinentes e outras partes interessadas.
Essa informação é prestada num único local, num formato facilmente acessível, através de um canal adequado, como um centro de informação, um ponto focal existente ou um portal eletrónico, incluindo o Portal Europeu da Justiça.
2. Os Estados-Membros asseguram que o apoio judiciário em ações cíveis transfronteiriças seja prestado em conformidade com a Diretiva 2003/8/CE do Conselho (7).
3. Os Estados-Membros publicam, num formato eletrónico e facilmente acessível, qualquer decisão definitiva proferida pelos seus tribunais nacionais de recurso ou da mais alta instância em relação a processos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva. Essa publicação é efetuada em conformidade com o direito nacional.
Artigo 20.º
Recolha de dados
Os Estados-Membros apresentam à Comissão, anualmente e sempre que disponíveis, dados sobre os pedidos e as decisões referidos nos capítulos II, III, IV e V, de preferência de forma agregada, sobre:
a) O número de processos judiciais abusivos contra a participação pública iniciados no ano em questão;
b) O número de processos judiciais, classificados por tipo de demandado e de demandante;
c) O tipo de pedidos apresentados com base na presente diretiva.
Artigo 21.º
Revisão
Até 7 de maio de 2030, os Estados-Membros fornecem à Comissão os dados disponíveis relativos à aplicação da presente diretiva, em particular os dados disponíveis que mostrem a forma como as pessoas visadas por processos judiciais contra a participação pública utilizaram as garantias previstas na presente diretiva. Com base nas informações prestadas, a Comissão apresenta ao Parlamento Europeu e ao Conselho, o mais tardar até 7 de maio de 2031 e, posteriormente, de cinco em cinco anos, um relatório sobre a aplicação da presente diretiva. Esse relatório apresenta uma avaliação dos desenvolvimentos relativos aos processos judiciais abusivos contra a participação pública e do impacto da presente diretiva nos Estados-Membros, tendo simultaneamente em conta o contexto nacional de cada Estado-Membro, incluindo a aplicação da Recomendação (UE) 2022/758. Se necessário, o relatório é acompanhado de propostas de alteração da presente diretiva. O relatório da Comissão é tornado público.
Artigo 22.º
Transposição
1. Os Estados-Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 7 de maio de 2026. Do facto informam imediatamente a Comissão.
As disposições adotadas pelos Estados-Membros fazem referência à presente diretiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Os Estados-Membros estabelecem o modo como é feita a referência.
2. Os Estados-Membros comunicam à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adotarem no domínio abrangido pela presente diretiva.
Artigo 23.º
Entrada em vigor
A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.
Artigo 24.º
Destinatários
Os destinatários da presente diretiva são os Estados-Membros.
Feito em Bruxelas, em 11 de abril de 2024.
Pelo Parlamento Europeu
A Presidente
R. METSOLA
Pelo Conselho
A Presidente
H. LAHBIB
(1) JO C 75 de 28.2.2023, p. 143.
(2) Posição do Parlamento Europeu de 27 de fevereiro de 2024 (ainda não publicada no Jornal Oficial) e decisão do Conselho de 19 de março de 2024.
(3) Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 351 de 20.12.2012, p. 1).
(4) Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO L 199 de 31.7.2007, p. 40).
(5) Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão, de 27 de abril de 2022, relativa à proteção dos jornalistas e dos defensores dos direitos humanos envolvidos na participação pública contra processos judiciais manifestamente infundados ou abusivos («ações judiciais estratégicas contra a participação pública») (JO L 138 de 17.5.2022, p. 30).
(6) Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO L 305 de 26.11.2019, p. 17).
(7) Diretiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios (JO L 26 de 31.1.2003, p. 41).
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2024-05-06 / 12:43