Acórdão do CS n.º 149/2009
6 de novembro, 2009
Sumário
1 – É irrecorrível o despacho do Presidente de Conselho de Deontologia que determina o arquivamento liminar de participação em que não se entendem quais os factos praticados ou omitidos pelo participado.
2 - Deve ser rejeitado o recurso que não contém nem a indicação das razões de discordância, nem conclusões da alegação de recurso.
Acórdão
Decisão Recorrida
Despacho do Senhor Presidente do Conselho de Deontologia de … de 17.02.2009 que determinou o arquivamento liminar da participação.
Objecto do recurso
No escrito, recebido como “recurso” a participante:
- começa por dizer “não concordo com o despacho que foi dado à participação que fiz ai Dr A… considerando que pelos assuntos expostos pelo Exmo. Senhor Bastonário tinha muita fé que casos tão graves como o meu não fosse confuso e que não consubstanciassem violação dos deveres.”;
- diz dela própria ser “alcoólica embora não beba mas a doença está lá e não sei porquê ou por destino relacionei-me com prostitutas e consultei o Dr A… recomenda por uma Fátima de nome verdadeiro e o mesmo incentivou-me para a prática do lenocínio que estes termos me eram desconhecidos, com a colaboração deste advogado, dando-lhe muito dinheiro e sempre dizendo que não havia problemas. Será que esta informação dada a uma cliente e em recaída alcoólica não é violação dos deveres consagrados na Ordem dos Advogados”;
- e diz do participado ser “uma pessoa baixa, ou por falta de clientes ele ofereceu-se como advogado do divórcio. Aqui presumo que tivesse tido algum acordo com o Dr T… pois que constantemente me atemorizava que o meu ex-marido ia novamente viver para a casa de família onde eu estava a viver com outra pessoa.”
- para concluir estar “sem esperança para este pais”, passando a narrar caso da sua terra – São Bartolomeu de Messines – onde a “GNR atemoriza os velhotes”.
- colocando tudo “À consideração superior.” [fls 83 a 85]
O “escrito” foi recebido como recurso, subindo ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados. [fls 87]
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Em rigor o escrito da recorrente não corresponde a uma alegação de recurso, não chega a enunciar razões de discordância, não contém conclusões, pelo que deveria ter sido rejeitado.
A manifesta improcedência, a falta de motivação e a falta de conclusões constituem causa de rejeição do recurso. [artt. 420/1/a do CPP e 121/b da lei 15/2005]
Diga-se porém que,
Ainda que de “recurso” de tratasse o mesmo não poderia ter sido recebido, nos termos em que o foi, por legalmente inadmissível.
O que é, igualmente, causa de rejeição. [artt. 420/1/b e 414/2 do CPP]
Fundamentação sumária da decisão de rejeição
A deliberação recorrida constitui mero despacho de Presidente do Conselho de Deontologia de … da Ordem dos Advogados que determinou “o arquivamento liminar de participação.”
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
“Não obstante a Senhora … ter respondido ao n/ofício, em que lhe era solicitado que de forma sucinta e esclarecedora indicasse quais os factos que imputa ao senhor advogado participado, a verdade é que a participação continua confusa, não se entendendo quais os factos praticados ou omitidos pelo Senhor Advogado que consubstanciem violação dos deveres consagrados no Estatuto da Ordem dos Advogados.”
A “decisão recorrida” não oferece dúvida e mostra-se proferida depois de, por despacho, a participante ter sido convidada a concretizar os factos da participação.
Retirando-se do conjunto de “escritos” que a participante dirigiu ao processo a mesma falta de concretização de factos, a mesma incapacidade de imputação objectiva, o mesmo discurso prolixo e carregado de lugares comuns que apenas podem sustentar uma prática caluniosa.
Pelo que não oferece dúvida que a participação apresentada não reúne as mínimas condições de viabilidade e de procedência.
E que o despacho que determinou [positivamente] o arquivamento liminar da participação é isento de censura.
Despacho que [negativamente] não ordenou a abertura de acção disciplinar em qualquer das formas admissíveis: inquérito ou processo disciplinar.
Mas será recorrível para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados a decisão do Presidente do Conselho de Deontologia de não instaurar acção disciplinar?
Entendemos que não.
Pelas seguintes razões.
As competências do Conselho Superior – reunido em sessão plenária ou por secções – são as definidas no art. 43 da Lei 15/2005.
De entre as competências do Conselho Superior identificam-se as de julgar os recursos das deliberações do Conselho Geral, dos conselhos distritais e dos conselhos de deontologia; art. 43/1/b/3/a do EOA.
Nos termos do EOA o procedimento disciplinar pode ser instaurado (i) por decisão dos presidentes dos conselhos com competência disciplinar ou (ii) por deliberação dos respectivos órgãos; art. 118/1 do EOA.
A instauração do procedimento disciplinar pode ainda, e oficiosamente, ser ordenada pelo Bastonário e pelos conselhos Superior, Geral, distrital e de deontologia da Ordem dos Advogados, independentemente de participação; art. 118/2 do EOA.
Dispõe a lei que, a acção disciplinar comporta – apenas – as formas de processo disciplinar ou de processo de inquérito; art. 139/1/a/b do EOA.
Finalmente, são apenas recorríveis, no âmbito disciplinar, as deliberações dos Conselhos de Deontologia e suas secções ou as deliberações das secções do Conselho Superior; art. 158/1/2 do EOA.
Ora,
A decisão de instaurar procedimento disciplinar deve ser necessariamente fundamentada ainda que por referência a condutas concretas, praticadas por advogados, passíveis de prova e susceptíveis de conduzirem à aplicação de uma sanção disciplinar.
A decisão de não instaurar procedimento disciplinar também há-de ser fundamentada por referência a elementos dos quais resulte a inviabilidade da participação.
A participação pode ser fundamentada, concretizada, mas inviável vg por prescrição ou por decesso do participado.
Pode ser fundamentada, mas não concretizada se, mesmo após diligências sumárias não se alcançar quem seja o agente da infracção.
Pode ser infundamentada, ainda que concretizada, tendo por alvo um denunciado a quem não se imputam factos susceptíveis de integrar infracção disciplinar.
Pode ser infundamentada e não concretizada como quando se acusa uma generalidade de “suspeitos” indeterminados da prática de ilícitos também indeterminados.
No caso concreto a participação tem um destinário: o senhor advogado A… .
Mas a participante não concretiza acções ou omissões que possam e devam ser investigadas, não chegando a esclarecer quando e em que processos teve o senhor advogado intervenção.
O desvario da participante, a prolixidade dos seus escritos, a anarquia do discurso, o ímpeto justiceiro contra não se sabe quem, nem o que, não podem dar lugar à instauração de acção disciplinar.
E ainda que a participante invoque o exemplo do senhor Bastonário, e as expectativas que lhe possam ter sido criadas quanto a novas metodologias de acção – como expressamente sugere no seu “recurso” -, nem por isso pode a Ordem dos Advogados substituir-se ao império da lei, e afastar a presunção de integridade [para não dizer, apenas, de inocência] que constitui património indeclinável de cada cidadão, até prova em contrário.
Decorre dos bons princípios que ninguém deve ser perseguido na sequência de atoardas caluniosas pelo facto de ser participado.
À participante foi dada a oportunidade de esclarecer e concretizar ao que vinha.
Não vindo a nada, que se perceba, a participação só podia – como foi – ser liminarmente arquivada.
E a decisão tomada pelo Presidente do Conselho de Deontologia de não abrir procedimento disciplinar é, por natureza, hierarquicamente irrecorrível.
Trata-se de uma decisão solitária.
Não se confunde com os despachos de expediente, a que alude o art. 157/4 do EOA, cujos hão-de ser – apenas – os praticados no âmbito do procedimento disciplinar que, no caso, não chegou a iniciar-se.
Trata-se ainda de uma decisão final, posto que põe termo ao processo administrativo aberto com a participação.
Não se trata porém de uma deliberação recorrível para órgão hierarquicamente superior da Ordem dos Advogados.
Pois que excluída quer do leque das decisões recorríveis, quer do leque de competências do órgão de recurso.
Sem prescindir,
Sempre se acrescenta que mesmo que se entendesse ser recorrível a decisão sempre o recurso haveria de ser rejeitado.
Pois que o escrito não contém as razões de discordância com a decisão recorrida, não indica fundamentos de facto que possam ou devam ser conhecidos ou alterados, nem contém quaisquer conclusões.
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Tem-se defendido, e reitera-se, que uma das competências da instância disciplinar é a de fazer o saneamento da recorribilidade das pretensões recursórias apresentadas.
Constituindo dever da instância não receber recurso de decisões irrecorríveis, nem admitir como recurso fundamentado escrito que não contém o mínimo de fundamentação.
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É manifesta a improcedência da pretensão recursória.
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Parecer
Emito parecer de não conhecimento do recurso por ser irrecorrível a decisão da competência do Presidente do Conselho de Deontologia de ordenar o arquivamento liminar de uma participação.
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À próxima sessão da 1ª Secção do Conselho de Superior para deliberação.
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Porto, 26 de Outubro de 2009
Relator: Pedro Alhinho